domingo, 2 de junho de 2019

A fábula do investidor estrangeiro, Elio Gaspari, FSP

O governo, o "mercado" e os bumbos da orquestra garantem que, uma vez aprovadas as reformas do "Posto Ipiranga", a economia brasileira entrará num ciclo virtuoso. Tomara. Em tese, há bilhões de dólares esperando o sol nascer para jogar dinheiro no Brasil.
Imagine-se um investidor belga que já pôs milhões no Chile, reunido em Bruxelas para decidir um investimento.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 30.mai.2019/Folhapress
Seu consultor informa:
— O novo presidente do Brasil quer abrir a economia, está afrouxando as leis do meio ambiente, fez uma faxina no marxismo cultural e combate os movimentos LGBT.
— E como são suas relações com os políticos?
— Ele diz que não negocia no varejo.
— Ele manda no Congresso?
— Ainda não, mas promete apertar os parafusos.
— Manda no Judiciário?
— Não, tudo depende das turmas do Supremo, mas o presidente do tribunal tem a sua simpatia.
— Manda na imprensa?
— Ele tem apoio nas redes sociais e em algumas redes de televisão.
— Tem apoio popular?
— Ele prometeu acabar com o ativismo, mas há manifestações de rua de estudantes contra o governo.
— Sua política econômica nos favorece?
— Ele tem um passado estatista, mas é um liberal converso. Nos primeiros três meses de governo a economia encolheu 0,2%.
— Como anda a economia do Chile?
— No último trimestre ela cresceu 1,6%. O presidente Sebastián Piñera é um conservador que sabe operar pelas regras do jogo.
— E a da Rússia?
— Cresceu 2,3% no ano passado.
— Então vamos continuar no Chile e botar esse investimento na Rússia. Lá o Vladimir Putin já fez o serviço que esse brasileiro promete.
Paes e o óbvio delirante
ex-prefeito Eduardo Paes tem uma queda pelo uso da expressão "é óbvio".
Depois do terceiro desabamento da ciclovia Tim Maia ("certamente a mais bonita do mundo", nas suas palavras) ele disse o seguinte:
"É óbvio que, se eu pudesse, não faria de novo".
O doutor justificou-se lembrando que "o grande problema ali é o fato de a ciclovia estar em uma área que tem, de um lado, o mar, e do outro, a encosta do morro". Ao que se saiba o mar e o morro estão lá há milhões de anos.
Quando a ciclovia desabou pela primeira vez, em 2016, matando duas pessoas, Paes foi didático:
"É óbvio que se essa ciclovia tivesse sido feita de forma perfeita, não teríamos essa tragédia".
Paes governou o Rio de 2009 ao final de 2016 e dizia que todos os governantes "têm inveja de mim".
Felizmente o doutor começa a reconhecer o que não "faria de novo". Antes tarde do que nunca.
Ficando-se só no caso da ciclovia, talvez ele não entregasse a obra a uma empresa que pertencia à família do seu secretário de Turismo. Mesmo que fizesse isso, não entregaria o gerenciamento da construção à mesma firma. Nem deixaria que a obra tivesse oito aditivos, elevando seu custo de R$ 35 milhões para R$ 45 milhões.
Quando o Rio vivia a síndrome do delírio do governador-gestor Sérgio Cabral e do prefeito olímpico Eduardo Paes, chamar a atenção para o óbvio era falta de educação.
A diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, andou no teleférico do Alemão e sentiu-se "nos Alpes". O bondinho custou R$ 210 milhões, operou de 2011 a 2016 e desde então está parado.
Jabuti milionário
Com a paciência dos jabutis, o projeto de reabertura do jogo vai em frente.
Sabe-se lá qual mágica Bolsonaro tinha na manga quando prometeu "um projeto" capaz de gerar um "caixa maior do que a reforma previdenciária em dez anos".
Há poucas semanas, o jabuti reapareceu quando surgiu na Câmara a ideia de se apresentar um substitutivo para o projeto de reforma da Previdência.
Nas contas dos defensores da legalização da jogatina, ela poderia render de R$ 10 bilhões a R$ 18 bilhões anuais aos cofres públicos.
Nos últimos anos a tavolagem teve ilustres defensores: os governadores Sérgio Cabral e Pezão, bem como o ministro Geddel Vieira Lima. Estão todos na cadeia.
Maré baixa
Depois de um período de inédita prosperidade, escritórios de advocacia que foram abastecidos pela clientela da Lava Jato começaram a encolher.
Sistema C
O sindicalismo patronal deveria mudar o nome do Sistema S, chamando-o de Sistema C, com a inicial da censura.
Os doutores não querem cumprir a determinação do governo que manda colocar as contas das confederações e federações no banco de dados alimentado para atender à Lei de Acesso à Informação.
Querem arrecadar bilhões mordendo as folhas de pagamento, mas não querem mostrar o que fazem com o dinheiro. 
Poderiam expor apenas os custos dos jatinhos usados pelos maganos em suas viagens pelo país.
Saudade do Vélez
O ex-ministro Ricardo Vélez tinha um lado folclórico. Seu sucessor, Abraham Weintraub, trocou o pitoresco pela truculência.
Na quinta-feira (30) ele disse que estava recebendo "cartas e mensagens de muitos pais de alunos citando explicitamente que alguns professores, funcionários públicos, estão coagindo os alunos e que serão punidos de alguma forma caso eles não participem das manifestações".
O doutor precisa definir "coagindo" e mostrar as provas, responsabilizando, na forma da lei, os eventuais coatores. 
No embalo, informou que pais, professores e alunos "não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar".
Não há registro de que o doutor Weintraub fume, tabaco ou qualquer outra coisa.
Eremildo, o Idiota
Eremildo convida seus admiradores para a posse do ex-deputado André Moura no cargo de secretário extraordinário da representação do Rio de Janeiro em Brasília. O doutor responde a três ações penais no Supremo Tribunal Federal.
Na ocasião o idiota compartilhará com seu colega Wilson Witzel o título de doutor pela Universidade Harvard. 
Como é hábito nas escolas americanas, os ex-alunos acrescentam aos seus nomes o ano da formatura. Eremildo será o "Idiota, Fake '19". O governador do Rio é "Witzel Fake '15".
Alquimia
O ministro Dias Toffoli começou um pós-doutorado em alquimia. Inventou um evento para firmar um pacto com o Executivo e o Legislativo e conseguiu rachar o Judiciário.
Ganha uma senha para escalar o Everest quem souber qual será o resultado concreto do tal pacto.
Doria e FHC
Se João Doria pudesse, queimava vivos os tucanos elegantes.
Mesmo assim, não lhe passa pela cabeça hostilizar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Levy e Salles
Joaquim Levy atravessou incólume as administrações de Sérgio Cabral e de Dilma Rousseff.
Como presidente do BNDES de Bolsonaro engoliu um sapo cururu ao dispensar a chefe do departamento de meio ambiente do banco para atender a um delírio do ministro Ricardo Salles.
Resta saber se achou que sapo tem gosto de mexilhão.


Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Surto de obscurantismo quase dá prejuízo ao governo, FSP

Deputados confundem conservadorismo com preconceito até em questões burocráticas

Um surto de obscurantismo quase custou R$ 10 bilhões por ano ao governo. A Câmara gastou quase 30 minutos na última semana batendo boca sobre o uso da palavra “gênero” em cadastros do INSS. Por pouco, a medida provisória de Bolsonaro para rever benefícios previdenciários não foi derrubada.
O texto em discussão no plenário na noite de quarta (29) dizia que registros enviados pelos cartórios deveriam conter nome, CPF, gênero, data e local de nascimento ou morte dos indivíduos. Deputados que confundem conservadorismo com preconceito protestaram. Enxergaram ideologia num trecho burocrático e tentaram tirar o termo da lei.
Os parlamentares queriam trocar “gênero” por “sexo”, como se isso fizesse diferença na papelada. A mudança não foi possível, porque a proposta já havia sido aprovada numa comissão. O tumulto se instalou, e os partidos de esquerda atacaram. “Tem gente que quer voltar para a Idade Média, talvez das trevas”, disparou Fernanda Melchionna (PSOL).
Plenário da Câmara; congressistas confundem conservadorismo com preconceito
Plenário da Câmara; congressistas confundem conservadorismo com preconceito - Pedro Ladeira - 1°.ago.18/Folhapress
Deputados alinhados à agenda econômica do governo perceberam que o impasse era perigoso. Kim Kataguiri (DEM) tentou enterrar a questão. “Nós estamos discutindo o sexo dos anjos aqui!”, queixou-se.
bancada evangélica não desistiu. O pitoresco Pastor Sargento Isidório (Avante) —aquele que se ofereceu para uma conversa de doido com doido com Bolsonaro— era o mais impaciente: “Deus criou macho e fêmea, homem e mulher. Gênero é cadeira, é mesa, é sapato...”.
O PSOL tentou falar a mesma língua. “Cadeira é do gênero feminino, e não é sexo. Nunca vi cadeira trepando! Isso aqui é uma casa de loucos!”, resumiu Edmilson Rodrigues.
No fim, o Planalto pediu que o texto fosse aprovado e disse que apresentaria um projeto para mudá-lo depois. Como se vê, o retrocesso continua na agenda do governo. Na sexta (31), Bolsonaro aproveitou um evento com pastores para criticar o julgamento do STF que deve tornar crime a homofobia. Em partes de Brasília, o atraso ainda está na moda.

Cuidado com o vão, Opinião FSP



Com a queda do Produto Interno Bruto no primeiro trimestre, consolidam-se projeções de mais um ano quase perdido. A alta esperada para 2019 já caminha para menos de 1%, pior até que as observadas nos dois anos anteriores.
Desde o encerramento da recessão de 2014-16, a mais aguda depois da crise de 1981-83, a renda nacional por habitante permanece mais de 8% abaixo do patamar de 2013.
Nada menos de 28,4 milhões de brasileiros, quase um quarto da população em idade de trabalhar, estavam em situação de subutilização no período de três meses encerrado em abril, segundo dados divulgados na sexta (31) pelo IBGE.
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Além dos desempregados, estão nesse grupo os que buscam uma jornada maior e os desalentados, que já nem procuram ocupação. 
O quadro sombrio se completa com a constatação do instituto de economia da Fundação Getulio Vargas, em estudo recente, de que a desigualdade no mercado de trabalho alcançou no primeiro trimestre deste 2019 o maior nível em pelo menos sete anos.
Desde o final de 2015, a renda dos 40% mais pobres caiu 22%, enquanto a dos 10% situados no topo da pirâmide subiu 3,3%. 
Compreende-se, assim, que a letargia do crescimento econômico reacenda a desesperança e traga novas demandas por soluções emergenciais, por vezes perigosas. 
Naturalmente há o que fazer no curto prazo —uma ideia que se aventa é nova liberação de recursos das contas do FGTS. O debate sobre cortes adicionais dos juros do Banco Central ficou comprometido pela alta recente das cotações do dólar, com risco inflacionário.
Cumpre resistir a clamores por medidas de fácil apelo político, como maior intervenção estatal e ampliação dos gastos públicos. Incorrer nos mesmos erros que resultaram na situação atual não constitui uma agenda promissora. 
Resgatar o país da estagnação, ao contrário, demanda reformas de grande envergadura, que possam de fato alterar o padrão de funcionamento da economia. 
A mudança na Previdência é apenas a mais urgente, a fim de restaurar a perspectiva de solvência do Estado —e liberar, ao longo do tempo, preciosos recursos para educação, saúde, saneamento, segurança e infraestrutura. Tais aportes, se bem aplicados, poderão quebrar os mecanismos que reproduzem a pobreza e a desigualdade. 
Um redesenho do sistema tributário, além de reduzir custos e burocracia, deve concorrer para uma taxação mais progressiva da renda. Maior abertura ao comércio internacional e mudanças regulatórias para desmontar oligopólios reforçariam a produtividade, com ganhos sociais inatingíveis apenas com políticas distributivas. 
É sempre difícil aprovar reformas, sobretudo num quadro de escassez, quando os setores beneficiados se entrincheiram. Entretanto ficaram para trás os tempos em que algum crescimento econômico e farto gasto público permitiam escamotear distorções do statu quo.