A Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) realiza audiência pública para discutir projeto que pretende alterar a lei de adoção, em 27/10, às 14h, na sede da instituição, no centro da cidade. O encontro é em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e objetivo é apresentar uma proposta alternativa às medidas anunciadas pelo governo nas últimas semanas, já que para os especialistas da área, as alterações sugeridas podem não alcançar o resultado desejado, pois existem falhas em todo o processo.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Carmem Lucia, na quarta-feira (12), afirmou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem buscado medidas para "fortalecer" o programa de adoção de crianças no país. A proposta deve resultar em um tempo menor para que essas crianças encontrem uma família, limite de 120 dias, prorrogáveis por igual período. Hoje, esses menores permanecem por mais de dois anos nas instituições de acolhimento, o que as afastam, a cada ano, do perfil desejado pelos interessados.
“O modelo em vigor, sancionado há 7 anos, é falho e desanimador para as duas partes: criança e candidatos a pais. Precisamos debater o tema e as regras precisam mudar. As normas devem favorecer o processo e não atrapalhar os envolvidos. O Cadastro Nacional de Adoção aponta que 55% dos pretendentes preferem crianças de zero a três anos, ou seja, esses números reforçam a urgência por mudança. A cada ano essa criança fica desacreditada e o sonho de ter um lar fica mais distante”, explica a advogada da área de família Viviane Girardi, diretora da Associação dos Advogados de São Paulo.
Dados do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que mais de 46 mil crianças e adolescentes estão em acolhimento institucional. Desse total, apenas 7 mil estão aptas para adoção. Em contrapartida, o mesmo cadastro mostra que há mais de 37 mil pessoas interessadas em adotar. As regras atuais permitem que crianças permaneçam mais de dois anos em instituições de acolhimento, o que as afastam, a cada ano, do retrato indicado pelos interessados.
Serviço:
Associação dos Advogados de São Paulo (AASP)
Rua Alvares Penteado, 151, centro
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terça-feira, 18 de outubro de 2016
AASP promove audiência pública para tratar da lei de adoção (pauta)
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
Os homens-cangurus dos canaviais de Alagoas, Fapesp
11 de outubro de 2016
Claudia Izique | Agência FAPESP – No dia 19 de novembro de 2014, “18” foi trabalhar equipado com um monitor de frequência cardíaca, além do podão, das botas e de outros equipamentos que utiliza no corte da cana-de-açúcar em uma usina do município de Teotônio Vilela, em Alagoas.
Na primeira hora de uma jornada que somaria 10, sob sol escaldante, o coração atingiu picos de 200 batimentos por minuto (bpm). “O coração sai pela boca”, descreveu “18” a Lúcio Vasconcellos de Verçoza que, com oapoio da FAPESP, analisou as condições de saúde e de trabalho nos canaviais alagoanos em tese de doutorado.
Neste dia, “18” – um dos 22 trabalhadores avaliados no estudo – cortou 7 toneladas de cana, ingeriu 10 litros de água, caminhou aproximadamente 6 quilômetros e gastou 4.395 calorias. “Ao final da jornada, a sua carga cardiovascular (CCV) foi calculada em 39,58%, bem acima dos 33% considerados aceitáveis ao final de um dia de trabalho”, sublinhou Verçoza. A média da CCV do grupo monitorado pelo pesquisador foi de 36,62% para uma produção média de 7,3 toneladas e jornada média de 11 horas de trabalho.
“Nos canaviais trabalha-se até a exaustão, num grau de desgaste equiparável ao de um corredor fundista”, compara Verçoza. A cada safra, os cortadores de cana perdem peso – no caso de “13”, por exemplo, foram 8,3 kg – e sais minerais, o que provoca distúrbios hidroeletrolíticos, cãibras e dores musculares. “E aí o canguru vai pegando”, diz o pesquisador.
“Canguru” – que nos canaviais paulistas é conhecido como birôla – é o fenômeno extremo de perda de controle sobre os movimentos do corpo. “Trava perna, barriga, braço. Alguns chegam a ter cãibra até na língua. A pessoa fica imobilizada, com o braço colado junto ao corpo. Daí o nome canguru”, explica Verçosa.
Quando o canguru pega, a vítima tem que aguardar até o final do dia, sob a lona onde os trabalhadores fazem a refeição – ao lado da carroçaria do caminhão que os transporta desde a cidade até o canavial –, antes de receber atendimento. “Nos canaviais de Alagoas, a exploração é levada ao extremo, anulando, inclusive, o futuro do trabalhador: muitos ficam incapacitados ainda em idade produtiva”, afirma Verçoza.
Com o título “Os saltos do canguru nos canaviais alagoanos”, a pesquisa de doutorado de Verçoza levou o prêmio de melhor tese no 7° Encontro Nacional da Rede de Estudos Rurais, no final de agosto, e será publicada em formato de livro no início de 2017.
Um médico na pesquisa sociológica
Verçoza foi orientado por Maria Aparecida Moraes Silva, do Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que estuda as condições de vida e de trabalho dos boias-frias paulistas há mais de 30 anos. “O trabalho de Verçoza representa um salto porque, até então, não tínhamos como provar o nexo causal entre o esforço do trabalhador e inúmeros casos de doença e morte”, afirma Silva. “A tese preenche essa lacuna, já que ele teve a oportunidade de colocar um médico na pesquisa.”
Medo, resistências e excesso de burocracia foram alguns dos obstáculos que Verçoza – ele próprio, alagoano – teve que superar até conseguir “colocar um médico na pesquisa”. Teve que contar, principalmente, com a confiança de 22 safristas de Teotônio Vilela, cidade que já tinha sido palco de suas pesquisas na iniciação científica e no mestrado.
Os testes cardiorrespiratórios foram realizados durante a safra 2014/2015 no Hospital do Coração de Maceió; as avaliações físicas, testes ergométricos e o monitoramento da frequência cardíaca foram acompanhados por um especialista. Para avaliação dos distúrbios musculoesqueléticos foi utilizada a versão brasileira do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares.
Além dessas informações, registros em caderno de campo, imagens de cortadores de cana e entrevistas com trabalhadores, ex-moradores dos engenhos, trabalhadores desempregados por causa de doença, fiscais, gerentes de usinas, médicos, entre outros informantes, permitiram a Verçoza descrever e analisar – numa perspectiva marxiana, como ele diz – as condições de trabalho e de saúde nos canaviais alagoanos e identificar o que qualifica de “superexploração”.
Esse esforço incluiu até uma investida abortada na pesquisa etnográfica: na tentativa de “vivenciar” as condições de vida dos cortadores fora da situação de trabalho, se instalou em uma casa na vila onde eles residiam. “Mas a situação ficou insustentável: circulou o boato de que eu era policial infiltrado para rastrear drogas e tive que sair dali.”
Sete ruas por eito
Em Alagoas, desde os anos 1950 a cana-de-açúcar é explorada nas zonas dos tabuleiros que se estendem de Arapiraca, no agreste, até o litoral. A região alcança até 200 metros de altitude e inclina-se de forma abrupta em direção ao mar. “A produtividade por hectare é mais baixa, já que o solo é menos fértil – o Estado planta cana desde o século 16 – e poucas usinas adotaram a mecanização, algumas em razão da topografia”, afirma Verçoza.
A baixa produtividade é, em parte, compensada pela “superexploração” do trabalho. “Os safristas selecionados devem ser dotados de habilidade e resistência física máxima para atingir as metas fixadas pelo capital agroindustrial”, afirma Verçoza. Entre essas habilidades está “agarrar com um dos braços a touceira de cana, ao mesmo tempo em que se agacha e, com o outro braço, golpeia com o podão para cortar a cana o mais rente possível do solo; depois é preciso se erguer e carregar a cana cortada até o centro do eito”. E isso tudo em meio à fuligem e um calor “inimaginável”.
Nos canaviais paulistas, por exemplo, essa lida diária se traduz em 3.080 flexões de coluna – 1,88 flexão a cada 10 segundos – e, pelo menos, 3.498 golpes de facão no corte de 12,9 kg de cana por dia, nos cálculos de Erivelton Fontana de Laat, que, na tese de doutorado “Trabalho e risco no corte manual de cana-de-açúcar: a maratona perigosa nos canaviais”, realizou análise ergonômica dessa atividade.
O salário é calculado por tonelada de cana que cada trabalhador corta diariamente. Esse cálculo tem como base a quantidade de cana cortada numa área em formato de retângulo com sete “ruas”, chamadas de eito. “Eles ganham R$ 6,72 por tonelada cortada”, diz Verçoza. Considerando a média de produção dos 22 canavieiros avaliados na pesquisa, chega-se a um salário inferior a R$ 50 por dia. As regras foram estabelecidas em acordo entre os usineiros e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Alagoas (Fetag).
Para alcançar o máximo de produtividade, as usinas ainda adotam um sistema de premiação – cestas básicas, bicicletas, fogões e rádio – que alimenta a competição entre os cortadores de cana e se traduz em mais esforço no trabalho. “Isso sem falar dos roubos na pesagem da cana, o que rebaixa ainda mais os salários.”
Um quadro semelhante, de superexploração, motivou a deflagração da greve dos boias-frias em Guariba, no Estado de São Paulo, há 32 anos. O mote foi a decisão dos usineiros paulistas de ampliar de cinco para sete o número de ruas nos eitos. Quanto maior o número de eitos, mais trabalho: o percurso que o trabalhador tem que fazer para dispor a cana cortada aumenta, assim como seu dispêndio de energia, reduzindo sua capacidade de corte entre 20% e 40%, afirma Verçoza.
Na greve de Guariba, além da volta do regime de cinco ruas de cana cortadas, os trabalhadores reivindicavam também registro em carteira de trabalho, roupas adequadas e equipamentos de proteção, alimentação e moradia decente enquanto estivessem em trabalho temporário. “A greve acabou tomando um vulto grande, com repercussão na imprensa e no Ministério Público e resultou, na década seguinte, em mudanças significativas nas lavouras de cana paulistas, inclusive no incremento da mecanização no Estado”, lembra Silva, orientadora de Verçoza.
No entanto, ela acrescenta, os altos índices de produtividade continuaram sendo exigidos, atualmente, em torno de 12 a 15 toneladas de cana cortada por dia.
Apresentação na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Laura Carvalho
Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP e doutora pela New School for Social Research.
Organizei 10 perguntas e respostas sobre a PEC 241, com base na minha apresentação de ontem na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Espero que ajude aqueles que estão sendo convencidos pelo senso comum. Lembrem-se: o orçamento público é muito diferente do orçamento doméstico.
1. A PEC serve para estabilizar a dívida pública?
Não. A crise fiscal brasileira é sobretudo uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no segundo mandato de FHC. O problema é que as receitas também cresceram muito menos -- 2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5% no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação. No ano passado, as despesas caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as despesas subam 2% e a arrecadação caia mais 4,8%.
A falta de receitas é explicada pela própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso. Um teto que congele as despesas por 20 anos nega essa origem pois não garante receitas, e serve para afastar alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o fim da isenção de 1995 sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e o combate à sonegação. A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre as despesas.
A PEC também desvia o foco do debate sobre a origem da nossa alta taxa de juros -- que explica uma parte muito maior do crescimento da dívida, já que refere-se apenas às despesas primárias federais. Uma elevação da taxa de juros pelo Banco Central tem efeito direto sobre o pagamento de juros sobre os títulos indexados à própria taxa SELIC, por exemplo -- uma jabuticaba brasileira.
A PEC é frouxa no curto prazo, pois reajusta o valor das despesas pela inflação do ano anterior. Com a inflação em queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns anos (não é o governo Temer que terá de fazer o ajuste). No longo prazo, quando a arrecadação e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida demais e desnecessária para controlar a dívida.
2. A PEC é necessária no combate à inflação?
Também não. De acordo com o Banco Central, mais de 40% da inflação do ano passado foi causada pelo reajuste brusco dos preços administrados que estavam represados (combustíveis, energia elétrica...). Hoje, a inflação já está em queda e converge para a meta. Ainda mais com o desemprego aumentando e a indústria com cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as atas do BC.
3. A PEC garante a retomada da confiança e do crescimento?
O que estamos vendo é que o corte de despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de produzir. Os indicadores de confiança da indústria, que aumentaram após o impeachment, não se converteram em melhora real. Os últimos dados de produção industrial apontam queda em mais de 20 setores. A massa de desempregados não contribui em nada para uma retomada do consumo. Que empresa irá investir nesse cenário?
Uma PEC que levará a uma estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até agravá-lo.
4. A PEC garante maior eficiência na gestão do dinheiro público?
Para melhorar a eficiência é necessário vontade e capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os gastos. A PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre um total de despesas já reduzido. Tais conflitos costumam ser vencidos pelos que têm maior poder econômico e político. Alguns setores podem conquistar reajustes acima da inflação, e outros pagarão o preço.
5. A PEC preserva gastos com saúde e educação?
Não, estas áreas tinham um mínimo de despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é para o total de despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do mínimo. No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência (mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.
O governo não terá espaço para gastar mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce.
Outras despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer...
6. Essa regra obteve sucesso em outros países?
Nenhum país aplica uma regra assim, não por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas. Em geral, são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e combinadas a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para gastos em sua Constituição.
7. Essa regra aumenta a transparência?
Um Staff Note do FMI de 2012 mostra que países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras fiscais de seus governantes. Gastos realizados por fora da regra pelo uso de contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais frequência.
O país já tem instrumentos de fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas fiscais anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos e o realismo/transparência da política fiscal.
8. A regra protege os mais pobres?
Não mesmo! Não só comprime despesas essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados. Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real -- mesmo se a economia estiver crescendo.
O sistema político tende a privilegiar os que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão, mas corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer, há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar que os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.
9. A PEC retira o orçamento da mão de políticos corruptos?
Não. Apesar de limitar o tamanho, são eles que vão definir as prioridades no orçamento. O Congresso pode continuar realizando emendas parlamentares clientelistas. No entanto, o Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível ampliar investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo. Imagina se a PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?
10. É a única alternativa?
Não. Há muitas outras, que passam pela elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação segundo dados da Receita Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de espaço para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma retomada do crescimento. Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir.
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