quinta-feira, 6 de outubro de 2016

PEC 241 torna inconstitucional o desenvolvimento social e cultural, do Meu blog de política e educação ( por Otaviano Helene)



Publicado originalmente no Correio da Cidadania, 26/9/2016

Em junho passado, o governo Temer encaminhou a Proposta de Emenda Constitucional 241 (PEC 241), que limita o crescimento dos gastos públicos, durante 20 anos, à inflação. As consequências dessa PEC, caso aprovada, serão enormes, pois anula, na prática, todos os efeitos positivos das vinculações de recursos constitucionais com saúde, educação, ciência e tecnologia, duramente conquistados.


 Para garantir aquele objetivo, a PEC adiciona alguns artigos às disposições transitórias da Constituição. Um deles simplesmente cancela, por vinte anos, as vinculações dos investimentos em saúde (pelo menos 15% da receita líquida da União) e educação (pelo menos 18% da receita de imposto da União e 25% dos estados e municípios.

A redação é clara: “a partir do exercício financeiro de 2017, as aplicações mínimas de recursos a que se referem o inciso I do § 2º e o § 3º do art. 198 (investimentos em saúde), ambos da Constituição, corresponderão, em cada exercício financeiro, às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas na forma estabelecida pelo inciso II do § 3º e do § 5º do art. 102 (correção no máximo igual à variação do IPCA do IBGE) deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

O sonho da educação igualitária e para todos vira pesadelo

Caso essa PEC seja aprovada, voltaremos mais do que três décadas quando, em 1983, os investimentos em educação pela União foram fixadas em, no mínimo, 13% da arrecadação de impostos (aumentado para 18% na Constituição de 1988), e no caso dos estados e municípios, em no mínimo 25% (no caso de algumas constituições estaduais e leis orgânicas municipais, esse percentuais foram ampliados).

O que pode significar essa perda, na prática? Nos últimos 20 anos, o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu, em termos reais (acima da inflação), cerca de 70%, já incluída a estimativa de decrescimento de 3,8% em 2015. Não há razões para imaginar que a variação do PIB nos próximos 20 anos venha a ser significativamente diferente daquela observada nos últimos vinte. Assim, se a partir de agora os gastos públicos crescerem segundo a inflação (ou seja, no limite máximo que a PEC permite, o que pressupõe até algum otimismo), não incorporando o crescimento do PIB, a educação perderá, e muito, sua participação na economia do país.

Para ser mais preciso, os investimentos diretos em educação serão reduzidos em cerca de 40%. Os recursos, atualmente de pouco mais do que 5% do PIB, cairão para cerca de 3% do PIB até 2036, um padrão que nos colocará, quase em meados do século 21, em uma situação como aquela do final da década de 1990, um retrocesso totalmente inaceitável e que nos recolocará entre os países mais atrasados de todo o mundo no que diz respeito à capacidade de superar atrasos educacionais.

Fruto de muitas lutas, o uso do PIB como um referencial para o financiamento público da educação está incorporado em praticamente todas as discussões relevantes. Esse referencial foi inclusive usado em textos legais quando da aprovação do Plano Nacional de Educação 2001/2011, que previa investimentos de 7% do PIB (valor vetado pelo então presidente da República).

Apesar desse veto, a vinculação dos investimentos educacionais com o PIB passou a ser cada vez mais aceita, sendo parcialmente incorporada à Constituição em 2009, embora ainda sem valor definido. Ainda que com alguma dose de ilusionismo, a referência aos 10% do PIB aparece como meta no Plano Nacional de Educação, o que não pode deixar de ser computado como uma vitória. Mas agora, com a PEC 241, todas essas conquistas e lutas desaparecerão.

Caso a PEC seja aprovada e a limitação dos gastos públicos seja aplicada em cada setor e ente federado, como é intenção já declarada por seus defensores, os 9,57% do ICMS paulista destinados às universidades estaduais também perderão valor em relação ao PIB estadual. Ainda que o ICMS cresça em termos reais (além da inflação) nos próximos 20 anos, como ocorreu nos últimos vinte, esse crescimento não poderá ser repassado às universidades estaduais paulistas, simplesmente por ser inconstitucional.

Caso a realidade econômica média dos próximos 20 anos se equipare à dos últimos 20 anos, o valor real dos recursos destinados às universidades paulistas no fim do período estará reduzido para pouco mais do que a metade do valor atual, afetando gravemente as políticas de permanência estudantil, os contratos em dedicação integral ao ensino e à pesquisa, a gratuidade da educação, a expansão do ensino superior de qualidade, a pesquisa científica e tecnológica...

Outros setores


Não apenas a educação perderá. A previsão constitucional de investimento de no mínimo 15% da receita corrente da União em saúde também deixará de valer. Não importa se a população cresce ou envelhece, se o PIB cresce, se a arrecadação cresce, se epidemias surgem ou se novas tecnologias vierem a permitir e exigir novos recursos: os gastos públicos em saúde estão, na melhor das hipóteses, congelados pela Constituição.

As fundações estaduais de amparo à pesquisa científica e tecnológica também terão suas participações no PIB fortemente reduzidas: se hoje a Fapesp, por exemplo, tem um orçamento da ordem de 0,07% do PIB paulista, em vinte anos poderá ter sua participação reduzida para 0,04%. Evidentemente, os demais recursos públicos para ciência e tecnologia também sofrerão redução em relação à economia nacional, mesmo que não sejam vinculados a arrecadações públicas.

Como todas as demais atividades dependentes da capacidade econômica e financeira do setor público, a previdência também será afetada caso a proposta de emenda constitucional seja aprovada, com uma redução de sua participação, em relação ao PIB, da ordem de 40%, independentemente do crescimento ou não do número de idosos ou aposentados. Assim, não haverá o que fazer: ou muito menos gente estará incluída no sistema previdenciário, ou as remunerações cairão muito, ou um pouco de cada uma dessas coisas.

Atualmente, o setor público brasileiro dispõe de cerca de um terço do PIB. Esse valor é muito inferior ao que se observa em países organizados, ricos ou não, nos quais o setor público, ao dispor de 50% do PIB ou mesmo mais em muitos casos, consegue responder à demanda, oferecendo bons serviços comparativamente à realidade nacional.

Com a proposta, os gastos públicos brasileiros cairão para um patamar próximo aos 20% do PIB, situação próxima daquela em que o país se encontrava ao final da ditadura militar e bem antes dos direitos criados direta ou indiretamente pela Constituição de 1988. Isso nos colocará entre os países mais atrasados do mundo, comprometendo ainda mais a capacidade do setor público em responder às necessidades da sociedade.

Além de educação, saúde, previdência, ciência e tecnologia, serão sacrificadas as áreas de cultura, justiça, assistência social e segurança, bem como os projetos habitacionais, de infraestrutura, de transportes e tudo o mais que depende do setor público, sejam em nível federal, estadual ou municipal.

Punir muitos para privilegiar rentistas e sonegadores


Há muitas outras formas de enfrentar a questão dos recursos públicos, se é que o problema apontado pelo governo realmente existe. Entre essas formas, haveria o combate à sonegação. Segundo o sítio sonegômetro, os sonegadores se apropriam de cerca de 10% do PIB, cerca de R$ 1,5 bilhão por dia! Por que o governo prefere atacar a educação, a saúde, a justiça, a segurança, a previdência, a ciência e a tecnologia em lugar de atacar os sonegadores?

As alíquotas de impostos diretos são ridicularmente baixas no Brasil, mesmo em comparação com o que se aplica em países liberais, como os EUA. As alíquotas de impostos sobre heranças e outros ganhos que não correspondem ao trabalho, como rendimento de títulos públicos ou participação no lucro, também são ridicularmente baixos. Por que sacrificar estudantes, professores, trabalhadores da área de saúde, pacientes aposentados etc., além do desenvolvimento cultural, científico e tecnológico do país para, em detrimento destes, privilegiar quem ganha dinheiro sem trabalhar e sem ter trabalhado?

A PEC 241 é inaceitável, mesmo que seja amenizada, tirando-se um bode aqui ou um cabrito ali. Com ela, melhorar os serviços públicos e promover o desenvolvimento cultural e social do país passará a ser proibido pela Constituição. Em resumo, a PEC 241 fará com que o desenvolvimento social e cultural do país seja inconstitucional!

Constituição Federal faz 28 anos, mas não há o que comemorar

Constituição Federal faz 28 anos, mas não há o que comemorar

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Canal Ciências Criminais
há 20 horas
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Constituio Federal faz 28 anos mas no h o que comemorar
Por Igor Amaral da Costa
Constituição Federal. Vinte e oito anos. A data é emblemática, mas não há o que comemorar. Explico: leio hoje que um ministro do STJ disse em evento recente que “às vezes é preciso fazer injustiça no varejo para conseguir fazer justiça no atacado” (veja aqui). É certo que não se referia especificamente ao tema em questão, mas é o simbólico disso que nos preocupa, sobretudo quando se tenta transportar essa lógica para o processo penal.
Estamos sendo conduzidos a um estágio de enorme déficit de democraticidade. Sob argumentos de combate à impunidade e celeridade processual, direitos e garantias fundamentais se esvaziam como se nunca houvessem existido, contrariando o principal papel de uma Constituiçãono Constitucionalismo Contemporâneo: a proteção contra maiorias eventuais.
Terreno perigoso, porque se torna lugar comum bradar pelo fim da corrupção. A questão é definir a que custo. Quanto estamos dispostos a pagar por um objetivo natimorto? (Não que com isso seja um pessimista moral. Trata-se, em síntese, de situar os elementos legitimadores do agir estatal. É dizer não à lógica utilitarista de que os fins justificam os meios.) O ponto fora da curva ainda persiste, não fora transitório como se esperava, mas sua missão sucumbiu. Corruptos? Amanhã virão outros! E a Constituição? Bem … Não se sabe por quanto tempo resistirá!
O ponto nevrálgico, entretanto, é que, coincidência ou não, na presente data caberá ao Supremo Tribunal Federal debruçar-se sobre o que talvez seja o mais importante julgamento de sua história, o cerne da Magna Carta: o status libertatis. Qual a extensão da presunção de inocência? Otexto constitucional é incontroverso, mas em terras tupiniquins nada mudou, “o óbvio ainda há de ser des-velado” (STRECK, 2015, p. 9).
Parece-me que um dos grandes dilemas da contemporaneidade é o de que“a que expectativas deve corresponder uma decisão judicial?” (MARTINS, 2013). Deve corresponder às expectativas sociais criadas ou às expectativas jurídico-constitucionais? Cumpre-me, assim, situar o lugar de onde falo: o de defesa do Estado de Direito. Preservar a integridade do Direito tem um preço. É pouco? É muito? Não me parece ser papel da Suprema Corte avaliar isso.
Em que pese o respeito acadêmico ao ministro Roberto Barroso, argumentos de pragmática como o de que “está rompida a presunção de não culpabilidade quando há exaurimento da apreciação de matéria fática” (voto proferido no julgamento do HC 126.292/SP), bem como a ocorrência de mutação constitucional em decorrência da mudança de valores sociais, não se mostram cabíveis diante da ordem constitucional vigente.
(Aliás, o próprio ministro (2015, p. 162-162)diz que “(…) a mutação constitucional tem limites, e se ultrapassá-los estará violando o poder constituinte e, em última análise, a soberania popular.” Diz mais: “as mutações que contrariem a Constituição podem certamente ocorrer, gerando mutações inconstitucionais.”)
Na atual quadra da história, há que se levar em conta que a Constituiçãode 1988 promove uma ruptura paradigmática e o direito assume um grau de autonomia. De há muito, Lenio Streck tem insistido nisto: a relação entre a Moral e o Direito é cooriginária, dá-se na ordem do a priori, eis que a moral conforma o direito. Mas depois de votado e aprovado o texto e, estando conforme a constituição, a lei deve ser obedecida (STRECK; OLIVEIRA, 2012, p. 11).
A questão é que se estamos a admitir que o Poder Judiciário ignore a produção legislativa democraticamente aprovada, ainda que sob alegação de garantir efetividade ao sistema penal, como saberemos qual será o limite ao exercício do poder? Em uma era em que se deveria valorizar o exercício da Jurisdição Constitucional, o que fazer diante de uma Suprema Corte que não reconhece os limites que lhe são impostos? Eis o busílis!
Chegada a hora, não se espera do Pretório Excelso nada mais do que lhe fora conferido pela Constituição, tão somente sua guarda, não sua apropriação. Que diga, pois, que uma decisão de tal porte não pode se dar por critérios quantitativos. Simples assim.
Portanto, independentemente do resultado que tenha o julgamento das ADC’s 43 e 44, pautadas hoje, só faço um pedido: mantenham-se sempre pela resistência democrática. Ninguém disse que seria fácil, mas escolhemos ser a última trincheira da liberdade, sempre em defesa do que tem se tornado um ato revolucionário: o respeito à legalidade constitucional (como nos ensina Lenio Luiz Streck, a par de Elías Díaz). Avante!
Post ScriptumDiz o poeta Guilherme de Almeida:
(…)
Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que deu à terra o seu suor,
a que deu à terra a sua lágrima,
a que deu à terra o seu sangue!
Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que é nossa bandeira gravada no chão,
pelo branco do nosso Ideal,
pelo negro do nosso Luto,
pelo vermelho do nosso Coração.
Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que atenta nos vigia,
a que invicta nos defende,
a que eterna nos glorifica!
Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que não transigiu,
a que não esqueceu,
a que não perdoou!
Esta é a trincheira que não se rendeu:
aqui a vossa presença, que é relíquia,
transfigura e consagra num altar
para o voo até Deus da nossa fé! (…)

REFERÊNCIAS
MARTINS, Rui Cunha. O ponto cego do direito: the Brazilian lessons. 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência?5. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. O que é isto – as garantias processuais penais? – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015.

Jurisprudência defensiva é "injustiça no varejo para justiça no atacado", diz ministro, CONJUR

TORRENTE RECURSAL


“Às vezes é preciso fazer injustiça no varejo para conseguir fazer justiça no atacado”. A avaliação é do ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, ao comentar a quantidade de recursos que chegam à corte. Ele explica: “Essa cachoeira recursal que desaba sobre a cabeça dos ministros fez com que surgisse no STJ uma jurisprudência defensiva”.
Segundo o ministro, esse tipo de jurisprudência consiste em um conjunto de entendimentos destinados a obstaculizar o exame do mérito dos recursos. No caso do STJ, esses entendimentos estão representados em algumas súmulas.
A fala do ministro se deu em evento no Conselho da Justiça Federal, em Brasília, que debateu direito constitucional e administrativo. O ministro reconheceu que o direito ao recurso faz parte do núcleo essencial de acesso à Justiça da Constituição do país. Por esse motivo, não se pode negar a possibilidade de recorrer de uma decisão judicial.
Segundo o ministro, muitos países considerados desenvolvidos e liberais garantem o acesso à Justiça, mas não aos recursos. Ele conta que escutou de um presidente de tribunal de Quebec, no Canadá, que entrar com uma ação na Justiça de lá é um direito, mas recorrer é um privilégio, inclusive porque se paga muito por isso.
Na opinião do ministro, mesmo com a existência de filtros para impedir que um processo chegue aos tribunais superiores, recursos especiais chegam ao STJ “em um volume inaudito”. Segundo dados do tribunal, até o dia 18 de agosto estavam em tramitação no STJ 407 mil processos. No ano de criação do tribunal, em 1989, eram cerca de 6 mil processos. 
Mudanças
Segundo o ministro, o legislador, ao fazer o novo Código de Processo Civil, porém, mandou recados aos tribunais dizendo que não serão mais tolerados alguns tipos de jurisprudência defensiva, como a que surgiu no STJ. Na avaliação dele, o artigo 941, parágrafo 3º do novo CPC, caducou a súmula 320 do STJ. O dispositivo citado diz que “o voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento”. Conforme a súmula, a questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do pré-questionamento.
Já o parágrafo 5º do artigo 1024 do CPC, afirma, foi criado para “matar” a súmula 418. De acordo com o dispositivo processual, se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação. “E também veio no CPC o dispositivo possibilitando ao tribunal desconsiderar ou mandar corrigir vício formal que não o repute grave. Isso vai possibilitar a superação das súmulas 115 e 187 do STJ”.