quinta-feira, 21 de julho de 2016

Manifesto de Vladimir Safatle, Ilustríssima FSP

Leia em primeira mão trecho de 

VLADIMIR SAFATLE
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RESUMO Este texto é o trecho inicial de manifesto do professor de filosofia e colunista da Folha a ser publicado no próximo mês pela n-1 edições. O autor defende que as manifestações de rua pelo mundo são uma resposta ao neoliberalismo e a um modo de governo baseado na crise, e que podem fazer surgir um novo sujeito político.
Pedro Ladeira - 17.jun.2013/Folhapress
Em Brasília, manifestantes ocupam a cúpula e o gramado do Congresso Nacional durante as manifestações de junho de 2013
Haveria de chegar um tempo no qual as ruas começariam a queimar. Desde 2008, elas queimam nos mais variados lugares. Em Túnis, em São Paulo, no Cairo, em Istambul, no Rio de Janeiro, em Madri, em Nova York, em Santiago, em Brasília. Elas ainda queimarão em muitos outros e imprevistos lugares, recolocando o que é separado pelo espaço em uma série convergente no tempo. Por mais que alguns procurem se convencer do contrário, por mais que agora o fogo pareça ter se retraído, as ruas não pararam de queimar desde então, elas só deslocaram suas intensidades. É importante lembrar disso, pois há algo que pode existir apenas quando as chamas explodem em uma coreografia incontrolada de intensidades variáveis. Por isso, diante de ruas queimando não há de se correr, não há de se gritar, há apenas de se perguntar: o que fala o fogo? O que se diz apenas sob a forma do fogo?
Quem ouvir o fogo queimar nas ruas perceberá que ele diz sempre a mesma coisa: que o tempo acabou. Não apenas que não temos mais tempo, mas, principalmente, que não há mais como contar o tempo que está a nascer como uma possibilidade mais uma vez presente. Um tempo que não se conta mais, que não se narra mais, que não se habita mais tal como até agora se habitou. Esse tempo produzirá suas narrativas e seus habitantes e queimará o tempo no qual narrávamos e habitávamos e contará com números que não conhecemos e terá tensões que não saberíamos como deduzir e despossuirá e não será mais medido como instante ou duração e será outro ao fim e ao cabo.
Quem ouvir o fogo perceberá que ele também diz outra coisa: que não há mais lugar. Em 2013, quando, no Brasil, as ruas começaram a queimar, uma jornalista entrevistou um manifestante. Ao final, ela perguntou seu nome: "Anota aí, eu sou ninguém". De fato, a frase não poderia ser mais clara. Como um Ulisses redivivo diante do gigante Polifemo, que agora parece vir de todos os lados, ele encontrou na negação de si a astúcia maior para conservar seu próprio destino.
Por mais paradoxal que possa inicialmente parecer, "Eu sou ninguém" é a mais forte de todas as armas políticas. Pois quem controla o modo de visibilidade e nomeação, controla o que irá aparecer e como os circuitos de afetos se construirão. Por isso, a negatividade sempre foi uma astúcia daqueles que compreendem que a liberdade passa pela capacidade de destituir o Outro da força de enunciação dos regimes de visibilidade possíveis. "Eu sou ninguém" é, na verdade, a forma contraída de: "Eu sou o que você não nomeia e não consegue representar". Para existir, é necessário fazer a linguagem encontrar seu ponto de colapso. Nós somos apenas lá, onde a linguagem encontra seu ponto de colapso. Na verdade, existir é colocar em circulação um vazio que destitui, uma nomeação que quebra os nomes. Se me permitirem, é necessário ser um sujeito antipredicativo.
URGÊNCIAS
Contra esse tempo e esse espaço, o poder inventa todas as formas de urgências, de ataques terroristas, de crises econômicas, de violência estatal. Ele exige uma solidariedade à situação atual forjada no medo e no gozo. Poucos são os que aderem à situação atual a partir de uma ética da convicção; a grande maioria adere simplesmente sem crença. O que não poderia ser diferente, já que o poder atual baseia-se na mobilização contínua da ausência de saída, da ausência de escolha. Sua lógica é a lógica do sufocamento. Essa é uma das mais miseráveis ironias de nosso tempo: um regime que prega a livre-escolha legitima-se através da insistência contínua de que não temos escolha.
Não há outro caminho, diz o mantra dos economistas-jornalistas, consultores de sistema financeiro especializados em se salvar na base do assalto ao dinheiro público. E só há uma forma de levar as pessoas a acreditarem não ter escolhas: há de se gerir e produzir continuamente o medo, gerir situações de emergência que se tornam regra, criar um regime que se sustenta na contradição de ser, ao mesmo tempo, liberal e militarista, permissivo e restritivo, que prega a liberdade individual mas que grampeia seu telefone. Um regime que invade sua privacidade em nome de sua segurança.
Por isso, ele necessita que ataques terroristas reverberem no mundo inteiro, com imagens se repetindo obsessivamente, comentadas por jornalistas com seu espanto ensaiado, para afinal alimentar mais ataques com essa promessa tácita de sucesso de audiência, para arrastar todos os que caíram sob a lógica do ressentimento social à promessa de fim do anonimato e de protagonismo encarnado no papel principal na cena mundial.
O gosto macabro pela visibilidade de eventos de violência espetacular é apenas a prova da necessidade contínua de catástrofes e de circulação de insegurança como prática de governo. Como já dizia Durkheim, e isso nossos governos sabem bem, o crime não é uma patologia social, mas um dispositivo fundamental para o fortalecimento da coesão. Por isso, nunca houve e nunca haverá sociedade sem crime. Através do crime, a sociedade fortalece seu sentimento de unidade contra o dano sofrido, ela volta à vida por ter um risco de desagregação à espreita. Ela precisa do crime. Na governabilidade atual, o crime não é algo que se combate, ele é algo que se gerencia. Tudo fica mais fácil quando o governo se reduz a um gabinete de crise. Isso talvez nos explique por que nossa época passará à história exatamente como o momento em que a crise, em todas as suas formas, virou uma forma de governo. O ideal do neoliberalismo é transformar a prática de governo na gestão de um gabinete infinito de crise.
Isso é facilitado pelo fato de o neoliberalismo ser, mais do que uma doutrina econômica, um discurso moral. Sua necessidade se impõe a nós como uma injunção moral, como uma moral baseada na coragem enquanto virtude. Coragem para assumir o risco de viver em um mundo no qual só se sobreviveria através da inovação, da flexibilidade e da criatividade. Assumir riscos no livre-mercado aparece atualmente como a expressão maior de maturidade viril, como saída da minoridade a que estariam submetidos aqueles pretensamente infantilizados pela demanda de amparo do Estado-providência. Esse mantra leva os sujeitos a acreditarem que, se eles fracassaram economicamente, é por culpa absolutamente individual, por culpa de sua incapacidade de se reinventar, de se "reciclar", como uma garrafa PET.
Enquanto essa moral do risco simulado era brandida em voz alta, dois economistas italianos (Guglielmo Barone e Sauro Mocetti) divulgaram em 2016 um sintomático estudo mostrando como o sobrenome das pessoas ricas em Florença são, em larga medida, os mesmos de 1427 a 2011. Certamente deve ser pelo mérito e pela capacidade que essas famílias tiveram de educar seus filhos para terem coragem diante do risco. Até porque, diante da primeira crise, o Estado irá salva-los, como salvou o Citibank, o BNP/Paribas, o Deutsche Bank e a tanto outros durante séculos. O que se diz atualmente é: contra esse patrimonialismo explícito travestido de "mérito", contra esse rentismo que se faz passar por "coragem", não há escolha.
Há de se ter clareza desse ponto para compreender um paradoxo aparente. Costumamos acreditar que de todo acontecimento emerge um novo sujeito político. Mas nosso tempo tem mostrado como todo acontecimento produz também múltiplos sujeitos que procuram, com todas suas forças, negar que o tempo acabou e que o lugar implodiu. Eles se servem da abertura produzida pelas chamas que queimam nossas ruas para usar o fogo na caldeira que cozinha o festim de sentimentos reativos com seus golpes brancos, suas fronteiras, suas bandeiras nacionais, sua ressurreição de arcaísmos. Foram esses golpes e essas fronteiras e essas bandeiras e esses arcaísmos que nos fizeram perder até agora e inocular melancolia em alguns daqueles que poderiam estar no campo de batalha. Mas lembremos a eles de forma clara e segura: nós nunca fomos derrotados.
É verdade, nós perdemos várias vezes, mas nunca fomos derrotados. Pois nossas derrotas são, na verdade, o fogo alto que forja o aço de nossas vitórias. Toda verdadeira vitória é fruto da elaboração profunda sobre perdas. Ela reverbera o desejo animal de nunca mais perder. Por isso, só vence quem caiu e clama com paciência por uma segunda chance. Ela virá, mais cedo do que esperamos. É isso que nos leva a afirmar que tais perdas não são derrota alguma. Talvez o traço mais sublime e incompreendido da filosofia hegeliana seja a certeza de que as feridas do Espírito são curadas sem deixar cicatrizes. Isso significa muita coisa, entre elas que nada, absolutamente nada, terá a força de bloquear definitivamente a possibilidade de realizarmos nosso destino. Há momentos em que esse destino fala baixo, mas ele nunca se cala, e é isso o que importa.
No entanto, é certo que nada nos exime de nos perguntarmos por que nossas perdas têm sido tão constantes nos últimos tempos. Por que as ruas estão queimando desde 2008, por que nossas ruas queimando desde 2013 não produziram ainda as transformações que poderiam produzir? Por que essa força efetiva da reação? Várias são as razões que poderiam ser levantadas, mas talvez seja o caso de se deter diante de uma delas. A saber: porque não temos mais um corpo e não há, nem nunca haverá, política possível sem corpo.
Se quisermos voltar a vencer, precisaremos de um corpo. Teremos que aprender a dizer, como David Cronenberg: "Vida longa à nova carne". Insurreição não é emergência. Uma insurreição não é necessariamente a emergência de um novo sujeito político. A insurreição pode ser a explosão bruta da revolta, mas, para que essa revolta forje um sujeito emergente,é necessário ainda mais um esforço. Só mais um esforço, se quiserdes ressoar a emergência.

VLADIMIR SAFATLE, 43, professor de filosofia da USP, é colunista da Folha. 

Para ter chances em 2018, esquerda precisa encarar a economia, Ilustríssima FSP


CELSO ROCHA DE BARROS
ilustração JANAINA TSCHÄPE
03/07/2016  02h00
7,9 mil
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RESUMO Autor defende que a esquerda se livre do pensamento antieconômico. Para ele, o fato de o Partido dos Trabalhadores ter sido fundado em um momento em se fazia a crítica do marxismo soviético levou a uma crença de que a economia não teria especificidades e de que as soluções seriam sempre exclusivamente políticas.
Eduardo Ortega/Galeria Fortes Vilaça
"Your Ghost in Me" (2016)
Não é um momento bom para a discussão econômica na esquerda brasileira. A nova matriz econômica do primeiro governo Dilma claramente deu errado. Embora seja legítimo discutir o quanto da crise atual foi causada pelos erros da matriz, é indiscutível que se gastou muito por um crescimento que não veio –e quem veio foi a inflação. Quando Dilma, logo após a eleição de 2014, nomeou Joaquim Levy para a Fazenda, esperava-se uma autocrítica petista. Quando o desenvolvimentista Nelson Barbosa assumiu no lugar de Levy e propôs um ajuste muito parecido, a autocrítica parecia inevitável.
Mas a guerra do impeachment tornou secundária toda discussão que não fosse sobre quem, PT/PMDB ou PMDB/PSDB, teria o direito de distribuir as verbas e cargos do governo federal (e se meter na Lava Jato). O PT se recolheu em um discurso antiajuste militante que já sinalizava o prognóstico de que a volta para a oposição era inevitável. O quinto congresso do partido em Salvador, no ano passado, prosseguiu em total negação da necessidade de ajuste. Há muito pouca coisa nos manifestos de esquerda recentes que pareça atraente para um estudante de economia, e isso diminui a reserva de potenciais ministros da Fazenda dos futuros governos progressistas.
As circunstâncias do impeachment certamente favorecem o instinto de voltar a ser o PT dos anos 1980. A manobra parlamentar que afastou Dilma Rousseff tem mais cara de Brasil pré-89 do que qualquer coisa nos manifestos do PT. Mas isso é um motivo ruim para não discutir o fracasso da nova matriz econômica. Não só porque honestidade intelectual sempre serve para alguma coisa, mas também porque o novo governo é extremamente impopular e ainda mais exposto à Lava Jato do que o anterior. A esquerda precisa estar pronta para chegar em 2018 com um discurso para ganhar a presidência, não a eleição para o centro acadêmico. Por esse motivo, senão por todos os outros, precisa voltar a falar sério sobre economia.
Há debates interessantíssimos e intelectualmente instigantes a serem feitos sobre a economia brasileira, mas este aqui não será um deles. A autocrítica necessária é só o reconhecimento de alguns fatos básicos, como a necessidade de controle das contas públicas e contenção da inflação. É a mesma autocrítica que o PT fez quando Lula ganhou a presidência. Para além disso (e se tivermos apenas isso já ficarei bastante satisfeito), seria bom se iniciássemos negociações políticas sobre a reforma da Previdência ou do sistema tributário com a esquerda na mesa. Daí em diante, no mundo de debates sofisticados sobre câmbio e poupança, inovação e abertura comercial, há gente muito melhor do que eu para ser lida, à esquerda e à direita.
E este não é um texto voltado para economistas. Se você é economista e precisa ouvir o que vou dizer, repense suas escolhas de vida. É uma discussão com os intelectuais petistas, em geral oriundos de outras ciências sociais e das humanidades –assim como eu–, e com a esquerda universitária em geral. Pois estou convencido de que o problema somos nós.
LADO BOM
Não é inevitável que a esquerda seja ruim de economia. Nos Estados Unidos, economistas progressistas como Paul Krugman ou Joseph Stiglitz têm ganhado a maior parte dos debates contra seus equivalentes republicanos. A esquerda europeia claramente tinha razão contra quem propôs austeridade logo após a crise de 2008. Durante os trinta anos gloriosos do pós-guerra, a esquerda no mundo desenvolvido geriu o capitalismo mais ou menos tão bem (ou tão mal, dependendo do país) quanto a direita. Foi um governo trabalhista que concedeu autonomia ao Banco Central britânico. Aqui na América Latina, as esquerdas chilena e uruguaia administram bem economia, como, aliás, também o faz o governo do bolivariano Evo Morales (ao menos segundo opinião recente do FMI). A gestão econômica foi adequada durante os dois governos de Lula.
Note-se que, nos exemplos acima, os economistas de esquerda não acertaram apenas quando o que precisava ser feito era aumentar a intervenção do Estado na economia (como no dia seguinte ao da crise de 2008), mas também quando era necessário conter gastos ou tornar a gestão econômica mais previsível. Não há nada intrínseco ao esquerdismo que exija que seus defensores desequilibrem o orçamento público ou deixem a inflação sair de controle.
No que se refere a temas como equilíbrio fiscal, aliás, a esquerda deveria ser mais atenta do que a direita: quem depende de um Estado forte para atingir seus objetivos são os progressistas. Um Estado falido serve tanto à esquerda quanto um mercado inteiramente montado em cima de hipotecas "subprime" (segunda linha) e de produtos financeiros correspondentes serviu ao liberalismo.
Esquerda e direita discordarão sobre o quanto deve ser taxado, sobre como o dinheiro arrecadado deve ser gasto, mas não sobre o fato de que o quanto você consegue arrecadar impõe algum limite sobre o quanto você pode gastar.
Não se trata de discutir ortodoxia contra heterodoxia. As escolas de economia têm visões diferentes sobre o papel do câmbio desvalorizado como indutor do desenvolvimento, ou sobre o quanto do investimento deve ser direcionado pelo Estado. Esses debates são legítimos, intelectualmente instigantes, e de enorme importância prática, mas defendo que a esquerda seja agnóstica sobre todos eles. O que funcionar, funcionou, e o crucial é manter o foco sobre a redistribuição de renda e oportunidades.
Isso significaria não ter uma posição "oficial" da esquerda sobre toda uma gama de assuntos. Não há por que esperar que todos os que defendem a redistribuição de renda tenham a mesma opinião sobre o nível ideal da taxa de câmbio, por exemplo. Da mesma forma, a relação entre investimento estatal direto e privatização/concessões é um debate sobre fronteiras muitas vezes fluidas. Deixem de lado no momento (e, no que depender de mim, para sempre) os que propõem a estatização completa ou a privatização completa da economia (quase ninguém pertence a esses extremos). Os defensores de mais intervenção estatal direta estão falando sobre empreendimentos estatais que incluirão diversas camadas de subcontratação, financiamento privado e permanente risco de captura regulatória; os defensores da privatização discutem empresas privadas atuando sob diversas camadas de regulação estatal em mercados com competição ridiculamente imperfeita, e, novamente, permanente risco de captura regulatória. A diferença é muito menos radical do que parece.
A escolha entre as alternativas não parece diretamente relacionada a convicções sobre igualdade, e, aliás, é inteiramente dentro do reino do possível que situações diferentes sejam mais bem resolvidas com arranjos diferentes. Não é razoável marcar a diferença entre esquerda e direita primariamente pela tomada de posição em nenhum desses debates econômicos.
A prioridade da esquerda deve ser redistribuir renda e construir um Estado de bem-estar social, duas discussões em que os economistas (enquanto tais) só têm direito de aparecer para dizer como fazer melhor o que a política e a moral já tiverem decidido fazer.
Uma vez estabelecido esse princípio geral, é também necessário reconhecer que, historicamente, houve uma afinidade eletiva entre a esquerda e escolas de economia mais propensas a recomendar a intervenção do Estado na economia. A esquerda, afinal, já defende a intervenção do Estado na redistribuição de bens e oportunidades. Há um grau de ceticismo comum em relação aos resultados do funcionamento do livre-mercado que aproxima os defensores da redistribuição aos defensores da intervenção estatal.
CASAMENTO
Defendo, contudo, que esse seja um casamento aberto: os keynesianos e heterodoxos devem se sentir livres para recomendar, por exemplo, cortes em programas sociais, ou menores aumentos para o salário mínimo, quando essa for a recomendação de seus modelos. E a esquerda deve ser livre para recusar propostas heterodoxas que, por algum motivo (digamos, por aumentar a inflação, ou comprometer a capacidade fiscal do Estado) prejudiquem os mais pobres ou levem a aumentos da desigualdade de renda.
Eu, por exemplo, preferia que o governo Dilma tivesse sido um governo de ajuste econômico que enfrentasse a questão tributária que Lula não enfrentou. Teria sido melhor fazer o ajuste e, partindo de uma posição de força, comprar as brigas por redistribuição no Congresso. Isto é, eu preferia que o governo do PT tivesse sido mais à esquerda na questão tributária e mais ortodoxo em economia.
Mas também acho inteiramente possível que um governo heterodoxo menos comprometido com a esquerda –digamos, o de José Serra, rival de Dilma em 2010– tivesse obtido resultados melhores do que esses que os heterodoxos de esquerda obtiveram. Há economistas razoáveis, que não podem ser rotulados como pessoas ruins ou antipobres, e que acham que os salários subiram rápido demais durante o governo Dilma. Talvez a mesma coisa não tivesse acontecido em um governo heterodoxo de Serra. O mesmo pode ser dito sobre a questão fiscal: quando Nelson Barbosa deixou o governo Dilma por discordar (corretamente) da política fiscal, o heterodoxo José Luis Oreiro, ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira, escreveu em seu blog que isso era um sinal de que ele tinha acertado ao votar em José Serra em 2010.
Também não se trata de discutir keynesianismo ou "austericídio". Quando a crise brasileira se agravou, o economista liberal norte-americano Tyler Cowen escreveu em seu blog (o Marginal Revolution, um dos melhores do mundo) que gostaria de saber o que os críticos da austeridade teriam a dizer sobre isso. Afinal, o Brasil foi um país que se saiu excepcionalmente bem nos anos da crise em função de políticas de intervenção estatal. O fracasso brasileiro não seria prova de que os austeros estavam certos? Essa crítica é o exato reflexo da visão, muito comum na esquerda brasileira, de que o ajuste promovido por Joaquim Levy e Nelson Barbosa (ou agora, imagino, por Henrique Meirelles) seria a versão local do austericídio europeu.
As duas visões são falsas. As respostas à crise aqui foram diametralmente opostas às europeias, e, de fato, nos saímos melhor nos anos seguintes à crise do que os europeus. Mas as políticas de estímulo deveriam ter sido progressivamente desarmadas. O problema não foi ter sido Paul Krugman em 2009-10, foi não ter sido Tyler Cowen em 2011-12. A propósito, convém suspeitar da turma que defende política anticíclica, mas até hoje não foi vista defendendo ajuste em momento algum. Estamos sempre no mesmo momento do ciclo?
GASTO
Não é questão de heterodoxia, não é questão de keynesianismo: é muito mais básico. Não há nenhuma escola de economia que defenda que você pode gastar o quanto quiser. E esse parece ter sido o pressuposto indiscutível de tudo que a esquerda brasileira disse sobre economia desde que Joaquim Levy virou ministro da Fazenda. Quando um economista heterodoxo como Nelson Barbosa criticou a política fiscal em 2013, ou quando propôs a reforma da Previdência em 2015, a esquerda fingiu que não ouviu. Economistas heterodoxos como Bresser-Pereira e José Luis Oreiro foram citados pela esquerda sempre que se tratava de criticar juros altos, mas muito raramente quando defendiam ajuste nas contas públicas. Os economistas heterodoxos subiram ou desceram na bolsa de valores intelectual da esquerda conforme disseram o que ela queria ouvir.
É nessa submissão da discussão econômica à política que devemos procurar a raiz do problema. E a formação intelectual do PT –que foi a minha– favoreceu esse erro.
O PT foi formado quando o ambiente intelectual na esquerda mundial era marcado por uma forte reação ao marxismo soviético. A simples presença de trotskistas e católicos em posições de influência dentro do partido garantia o distanciamento do marxismo canônico, já em franca decadência no começo da década de 1980. Os intelectuais petistas da época liam com entusiasmo autores que criticavam o marxismo ortodoxo, de Gramsci e Foucault a Lefort e Castoriadis, passando por Negri e Deleuze. Grande parte desses autores, a propósito, criticavam o marxismo pela esquerda, de pontos de vista que talvez despertassem mais entusiasmo nos anarquistas e em outras esquerdas dissidentes do que nos comunistas.
Um dos traços distintivos desse pensamento era seu antieconomicismo. O marxismo soviético era baseado na ideia de que o desenvolvimento econômico determina a evolução das estruturas políticas e ideológicas. A reação a esse dogma, seja por pós-marxistas, seja por marxistas "ocidentais", tomou a forma de diversas reafirmações da importância do político, da cultura e do imaginário, do corpo, enfim, de tudo que havia sido excluído da estreita visão de mundo dos manuais de marxismo.
Entre os intelectuais de esquerda, essa reação foi indiscutivelmente saudável, produzindo toda uma leva de trabalhos historiográficos sobre escravidão no Brasil que fugia dos determinismos economicistas. A reflexão sobre gênero foi decisivamente impulsionada pela incorporação de demandas não econômicas ao programa de esquerda em pé de igualdade com as reivindicações econômicas usuais. Experiências como o orçamento participativo de Porto Alegre colocavam em questão os limites da gestão tecnocrática.
Mas essa trajetória intelectual criou na esquerda pós-marxista um seríssimo deficit econômico. Confrontados com um raciocínio econômico, o reflexo de nossa esquerda (o meu, inclusive) é procurar uma forma de reduzi-lo a um problema político, pois o arsenal teórico da esquerda pós-marxista é muito melhor na discussão de questões de poder do que nas relativas às regularidades características das instituições de mercado.
Uma injeção de ceticismo sobre o quão científicas são as discussões econômicas, aliás, pode ser bastante saudável para os economistas: isto é, para quem já parte do princípio de que existem regularidades econômicas identificáveis e está familiarizado com seus padrões básicos. Meu objetivo aqui é criticar quem usa a objeção "a economia também é um campo de luta" para se dispensar de conhecer essas regularidades, ou para evitar levá-las a sério como condicionantes da ação governamental.
Para citar um exemplo escolhido por ser mais sofisticado que os outros, tomemos a discussão de André Singer sobre o fracasso da nova matriz econômica, publicado em 2015 na edição 102 da revista "Novos Estudos", do Cebrap. Singer lê o episódio inteiro como uma luta política entre uma coalizão produtivista (trabalhadores e empresários) e uma coalizão rentista liderada pelo mercado financeiro. O experimento desenvolvimentista de Dilma teria sido uma ofensiva da coalizão produtivista, que, entretanto, sob forte pressão política e de mídia, foi derrotada quando o Banco Central, em 2013, capitulou e voltou a subir os juros.
Não se trata de negar que existam conflitos políticos envolvidos na confecção da política econômica, e, aliás, os melhores economistas não o negam. Nenhum economista sério negará que existam grupos de pressão, captura regulatória, "rent-seeking", diferenças evidentes de poder entre os vários agentes etc.
Mas a economia não é só isso. Não é possível analisar o abandono da nova matriz econômica sem levar em conta que seus resultados foram muito ruins: apesar de tudo que foi gasto com subsídios e isenções no primeiro mandato de Dilma, o crescimento econômico se desacelerou, e a inflação subiu. Quando o BC sobe os juros em 2013, já se sabia que os resultados de 2012 haviam sido péssimos. E 2012 foi, segundo Singer, o ano-chave do "experimento desenvolvimentista".
Admitamos, para facilitar a discussão, que houve o choque de coalizões descrito por Singer. Se o PIB em 2012 tivesse crescido 6% (e não 1,8%), é certo que o governo Dilma teria dobrado a aposta na nova matriz. Não haveria campanha de mídia capaz de derrubar a popularidade de um governo que atingisse essa taxa de crescimento. Um crescimento nesse ritmo traria inclusive apoio de parte importante do empresariado ao governo. E todos sabemos como os aliados políticos vão e vêm conforme a popularidade desce ou sobe. Perguntem a Dilma Rousseff.
De modo que, mesmo admitindo a narrativa de Singer, é preciso admitir que a coalizão apoiada pela esquerda apresentou um programa ruim, que produziu resultados ruins. O motivo pelo qual esses resultados foram ruins devem ser buscados em mecanismos internos à economia. O aumento de juros de 2013, por exemplo, não teve nada a ver com a aceleração da inflação?
PRAIA
Diga-se o que quiser de Karl Marx, dessa vez a culpa não é dele. O estudo das relações entre as categorias da economia de mercado, seja em "O Capital", seja nos manuais usados no departamento de economia de Chicago, claramente supõe que algumas coisas (certamente não todas) acontecem por motivos estritamente econômicos. Toda a análise da esquerda sobre o capitalismo supõe justamente que as instituições de mercado geram certos incentivos e agregam as ações tomadas sob estes incentivos de uma certa forma. Se você convencesse o velho Karl de que os economistas petistas descobriram que sempre é possível, em uma economia capitalista, sob a direção política certa, crescer aceleradamente, distribuir renda, garantir pleno emprego e evitar inteiramente as oscilações de mercado, tudo isso sem nunca sacrificar a classe trabalhadora, ele largaria a biblioteca do museu britânico e iria para a praia.
Os economistas continuarão discutindo as melhores maneiras de aumentar a taxa de poupança ou de promover a inovação tecnológica, e cada um de nós concordará com uma das partes no debate, mas tudo que este texto pede aos intelectuais da esquerda brasileira é que não criem dentro dos partidos e movimentos progressistas um ambiente em que as ideias econômicas sejam julgadas apenas pela conformidade com a postura política geral do movimento. Foi assim que o partido republicano norte-americano morreu.
É preciso defender a autonomia do econômico diante das correntes intelectuais hegemônicas na esquerda desde 1968, como antes foi necessário defender a autonomia do político diante do marxismo ortodoxo. É preciso reconhecer a soberania do pensamento econômico sobre o território intelectual que lhe é de direito, ainda que continue sendo legítimo e necessário combatê-lo em seus momentos imperialistas. Quando perceberem em seus alunos o reflexo de chamar todo ajuste fiscal de "fiscalismo" ou todo aumento de juros de "rendição ao rentismo", matem essas ideias no berço.
CELSO ROCHA DE BARROS, 43, colunista da Folha, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford.


JANAINA TSCHÄPE, 43, é artista plástica. 

Livro defende que o Brasil já iniciou transição para se tornar desenvolvido, FSP


VINICIUS MOTA
03/07/2016  02h00
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RESUMO O livro "Brazil in Transition", que acaba de ser publicado por um professor americano e três brasileiros, conclui que o país se colocou, a partir dos anos 1990, numa rota firme para se tornar desenvolvido. Leitura é fecunda, pois enfatiza de modo sistemático o papel das instituições na história, mas sujeita a caloroso debate.
Para Robert Solow, o americano premiado em 1987 com o Nobel e perfilado entre os economistas mais influentes da segunda metade do século 20, a sua disciplina está para a sociedade assim como a física para a natureza. "Existe um único modelo válido para o mundo. Ele só precisa ser aplicado", escreveu em 1985.
A chamada síntese neoclássica, definida na geração de Paul Samuelson (1915-2009) e legada à de Solow, fez repercutir por décadas nas mais reputadas academias do globo esse modelo de como o mundo funcionaria. A convergência da grande maioria das nações ao padrão de desenvolvimento das mais avançadas seria questão de tempo e de administrar a terapia certa.
A história, de um lado, e o avanço do conhecimento, do outro, enfraqueceram o elegante arcabouço neoclássico. Não é possível atribuir à evolução material das sociedades humanas no tempo um comportamento regular e previsível.
O pressuposto que levaria ao máximo rendimento na economia –o indivíduo racional e plenamente informado em busca do interesse próprio– é muito raro nas condições reais, percebeu Ronald Coase (1910-2013) em seus trabalhos sobre o funcionamento das empresas.
Coase, Nobel de 1991, concluiu que há custos implícitos no comércio que se originam fora do ambiente de produção. Esses custos, denominados "de transação" ou externalidades, sempre dificultam a atividade econômica, num gradiente que pode inviabilizá-la.
Coube a Douglass North (1920-2015), Nobel de 1993, enfatizar a crítica mortal do insight de Coase ao pressuposto neoclássico e extrapolar esse achado para os campos da história econômica e do desenvolvimento comparado. Custos de transação são manifestações da eterna luta das comunidades humanas contra a ignorância, a incerteza e a opacidade do futuro.
Porque os homens estão imersos num labirinto de relações cujo mapa não enxergam, eles erguem arquiteturas diversas na tentativa de domar os monstros da incerteza e da violência, de regularizar na medida do possível o curso dos acontecimentos e de mitigar sua brutalidade potencial. As arquiteturas são as instituições: regras explícitas e tácitas de como o jogo social funciona, bem como os meios para sua efetivação. Tais regras se manifestam na economia sobretudo como custos de transação.
liberdade As instituições, continua Douglass North, limitam por definição a liberdade de escolha dos indivíduos. Elas podem fazê-lo de modo a favorecer mais ou menos a eficiência e a prosperidade de um povo. Evoluem e mudam com o tempo, mas não necessariamente para arranjos mais produtivos.
Apenas um minoritário conjunto de nações, nos 10 mil anos de história da civilização, logrou estabelecer, e muito recentemente, uma estrutura de estímulos flexível o suficiente para permitir uma moderada, mas constante e secular, evolução da prosperidade.
Essas são as "sociedades de acesso aberto", para usar o termo de North, ou as "inclusivas", na definição de Daron Acemoglu e James Robinson. Elas comungam entre si traços como o império abstrato da lei sobre todos, o livre acesso ao empreendedorismo, a proteção do direito à propriedade, a ampla participação política e democrática, a responsabilização de autoridades, o número elevado de organizações públicas e privadas e um volume relativamente alto de arrecadação e despesa governamentais, especialmente no nível subnacional.
A grande maioria das comunidades, entretanto, definiu arranjos que produzem grande variabilidade da renda no curto prazo, mas, quando muito, semiestagnação no decurso dos séculos. São os "Estados naturais", termo que North e colegas deslocaram do léxico hobbesiano, ou as "sociedades extrativistas" de Acemoglu e Robinson.
Nesses arranjos mais comuns, a incerteza e a violência são reduzidas por meio de um pacto restrito entre elites dominantes. A coalizão ela mesma está bastante vulnerável a choques internos e externos, o que açula a instabilidade.
Coase, North e outros desbravadores do campo nos últimos 20 anos, como a estrela de Harvard Dani Rodrik, restituíram um conjunto de disciplinas, das humanidades e das ciências mais duras, à base do conhecimento econômico ortodoxo, aquele discutido nas melhores escolas e nas principais publicações acadêmicas. Por essa via, uma nova teoria do desenvolvimento está em sedimentação.
Se faltava aplicar esse instrumental, de modo sistêmico, ao problemático desenvolvimento brasileiro, a lacuna acaba de ser preenchida com "Brazil in Transition: Beliefs, Leadership, and Institutional Change" [Princeton University Press, 280 págs., US$ 39,50, e-book Kindle, R$ 90,59] (Brasil em transição: crenças, liderança e mudança institucional), parceria entre o pesquisador americano Lee Alston (Universidade Indiana) e os professores brasileiros Marcus Melo (Universidade Federal de Pernambuco), Bernardo Mueller (Universidade de Brasília) e Carlos Pereira (FGV-RJ).
O primeiro choque ao atravessar o livro é entre a sua conclusão principal, de um lado, e o "timing" de seu lançamento, do outro. Foi pensado para abranger o período de meio século entre 1964 e 2014, foi finalizado em meados de 2015 e chega ao público no que parece ser o ponto mais baixo da pior crise econômica do Brasil como o conhecemos (urbano e populoso).
O contraste não poderia ser maior em relação à mensagem otimista do livro: a de que o Brasil iniciou, em meados dos anos 1990, uma transição decisiva para tornar-se nação desenvolvida, ou uma sociedade de acesso aberto.
Não bastasse a dificuldade de enfrentar a prova adversa da renda per capita –cuja evolução isoladamente não corrobora a tese–, os autores ainda terão de se deparar com o profundo pessimismo, com a dose cavalar de incertezas políticas e com o alargamento de horizontes para a recuperação que a derrocada econômica ajudou a produzir.
Para complicar, o pressuposto da narrativa é o de que o Brasil encontrou o seu caminho para a prosperidade quando a rede de forças políticas dominante, embalada pelo sentimento popular, chacoalhada por choques diversos e conduzida por lideranças algo visionárias, aderiu a um modelo de crenças calcado no amálgama entre inclusão social e responsabilidade fiscal. Aderiu e modificou as instituições nesse sentido.
A hipótese suporta bem a passagem dos anos Fernando Henrique Cardoso para o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Se a ideologia do PT prenunciava tentativa de arrancar uma série de estacas que, sob Collor, Itamar e FHC, aprofundaram o controle da finança pública e a abertura da economia, nenhuma reviravolta ocorreu –seja porque os petistas não ousaram tanto, seja porque a reação social não permitiu.
Já a aspiração do partido de acelerar a inclusão social e a redução da pobreza pôde ser exercida com desenvoltura, pois se harmonizava com as crenças dominantes e com os estímulos por elas favorecidos.
A segunda administração Lula e, principalmente, a aventura Dilma Rousseff, balançam a confiança do leitor na higidez do argumento de "Brazil in Transition".
Como 20 anos de hegemonia da crença na inclusão social fiscalmente responsável e de enraizamento de suas balizas institucionais puderam abrir espaço para subversão tão vasta e desafiadora do modelo, no sentido do desenvolvimentismo inflacionário e predatório que os autores afirmam ter sido superado com o fim da ditadura, em meados dos anos 1980?
Há bons argumentos de defesa no livro. Uma parte está entrincheirada na ideia de que a trajetória de transição para um padrão mais aberto de sociedade é sempre acidentada e sujeita a reversões.
RISCOS
O termo utilizado é "inclusão dissipativa" para descrever as brechas que o processo oferece a atores ainda bem posicionados em busca de proteção contra os riscos de empobrecimento e perda de poder implícitos na abertura.
Será, no entanto, que os custos de transação, para usar a linguagem de Ronald Coase, estariam superando os benefícios da inclusão no Brasil? Estaríamos mesmo diante de um caso de inclusão dissipativa? Ou, ao contrário, de dissipação inclusiva? Isso apenas com o tempo vai se esclarecer.
A resposta mais eficaz de "Brazil in Transition", porém, está na própria dieta da crise econômica e política. Se houve uma série de agravos contra os pilares do sistema de crenças e instituições dominante, houve reações igualmente duras desse arcabouço, no sentido de tentar restituir o jogo para dentro das fronteiras delimitadas.
A copiosa corrupção de colarinho branco e no empresariado conectado ao Estado produziu, como reação, o julgamento do Mensalão, o caso do Petrolão e seus filhotes. Todos vão pender como uma espada oculta sobre o mundo do poder durante décadas a fio.
A cavalgada populista e inflacionária de Dilma Rousseff, que rompeu os limites da responsabilidade fiscal e abusou da tolerância popular e social às mentiras de campanha, acabou punida com o impeachment. Que presidente vai se atrever a repetir a dose?
A inflexão desenvolvimentista já havia sido estancada e revertida, como tendência, antes mesmo da queda da presidente e por ela mesma, no seu curto segundo mandato. A correção de rota, para a retomada da abertura, acelerou-se com a equipe econômica nomeada por Michel Temer.
As conclusões do livro, como se nota, despertarão caloroso debate, mas a sua contribuição mais duradoura terá sido, sem dúvida, a de estabelecer o marco procedimental de uma nova teoria do desenvolvimento no e para o Brasil.
Dificilmente daqui em diante vai-se abordar esse tema, nas rodas mais sérias de debate e pesquisa, sem mencionar o papel crucial das crenças, das lideranças, das oportunidades (às vezes aleatoriamente oferecidas pela história, mas nem sempre aproveitadas), das expectativas frustradas ou satisfeitas sobre as ações e das regras do jogo, modeladas e remodeladas pelo entrechoque dos homens no ambiente opaco do tempo.
A história econômica e política do Brasil urbano, populoso e democrático passa a ter uma leitura e, sobretudo, uma maneira de leitura das mais fecundas.
Nota: A Folha promove debate sobre o livro "Brazil in Transition" no auditório do jornal na terça (5), às 19h. Os autores serão entrevistados por Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, Celso Rocha de Barros, colunista da Folha, Marcos Lisboa, presidente do Instituto Insper, e Sergio Fausto, superintendente executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso. O evento é gratuito e as inscrições devem ser feitas pelo site eventos.folha.uol.com.br.
VINICIUS MOTA, 42, é secretário de Redação da Folha.