segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Um desastre chamado Banco Central, in CC


O erro central do BC é ter interlocução única e exclusivamente com o mercado
por Luis Nassif — publicado 21/01/2016 11h01
Marcelo Camargo / Agência Brasil
O dia em que se fizer o inventário da atuação do Banco Central na gestão Alexandre Tombini, provavelmente se terá o retrato de uma das mais desastradas gestões da história pós-estabilização, só superada pela de Gustavo Loyolla e seus 45% de taxa básica ao ano. 
Desde o primeiro governo Dilma, avaliações incorretas do BC sobre a economia comprometeram a política econômica e ajudaram a jogar a economia nesse buraco.
 
O erro fundamental foi a reversão da política monetária em fins de 2012, voltando a subir a Selic justo em um momento em que se iniciava um remanejamento dos investimentos - dos fundos de pensão e dos grandes gestores de fortunas – em direção à infraestrutura e a investimentos de longo prazo.
 
A reversão da Selic pegou todos no contrapé, especialmente os gestores de fortuna que, entusiasmados com o sucesso das políticas anticíclicas de 2008, convenceram seus clientes a apostar no longo prazo.
 
Sabe-se lá qual cenário foi soprado no pé de ouvido de Dilma para essa mudança de rota. Mas no início de 2013 fiz uma longa entrevista com ela para tentar entender seus motivos. A explicação que a convenceu foi a de que o FED (o Banco Central norte-americano) em breve iria começar a aumentar as taxas de juros, provocando uma fuga de capitais externos do Brasil. A alta da Selic, portanto, seria preventiva.
 
O grande operador de mercado é o que consegue intuir melhor a linha de médio prazo da economia real e identificar os chamados fatores de volatilidade. Tendo clara essa linha, vai dando bicadas nos pontos fora da curva, acentuados pelo superdimensionamento de eventos políticos ou econômicos, sabendo que mais cedo ou mais tarde o mercado volta para a linha principal.
 
quantitative easing teve o mesmo papel para o mercado do “bug do milênio” para o setor de informática: aumentar a volatilidade através do pânico para faturar em cima do medo, ajudando a ampliar as oscilações.
 
Não havia nenhuma base séria para se acreditar em mudança radical no FED. Dada a fragilidade da economia mundial e norte-americana, as feridas ainda abertas dos mercados e do sistema bancário, e aos enormes impactos das decisões do FED na economia mundial, nenhum analista de fôlego apostaria em inflexões bruscas em sua política monetária. Mas o douto Banco Central do Brasil preferiu acreditar nas marolas do mercado.
 
Conclusão: a política monetária do BC brasileiro sofreu mudança brusca de rota, enquanto a política monetária do FED até hoje segue sem alterações.
 
No pós-eleição, repetiu-se o mesmo erro baseado em fantasias absurdas.
 
Para convencer Dilma a adotar políticas fiscais pró-cíclicas, que obviamente aprofundariam a recessão, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy apelou para estudos do Departamento Econômico do BC sustentando que seria necessário um sacrifício mínimo do mercado de trabalho para se derrotar a inflação.
 
Em março, na entrevista dada a blogs, Dilma dizia que “o pior já passou”. Qualquer analista, com um mínimo de experiência sobre os humores da economia interna, com um mínimo de informações sobre a economia real, e de experiência histórica, sabia que a crise mal tinha começado.
 
Depois do desastre consumado, o BC divulgou novos trabalhos retificando as projeções otimistas.
 
O terceiro erro foi a manutenção da política monetária, mesmo após a divulgação dos dados do PIB mostrando uma economia desabando.
 
A carta formal de explicações pelo fracasso no alcance das metas de inflação é um clássico contemporâneo dos cabeças de planilha. Como justificar elevação – ou mesmo manutenção da Selic nos atuais patamares – com a demanda desabando, o PIB caindo, o desemprego em vias de explodir?
 
O relatório se valia dos dados existentes (passado) para admitir a queda do PIB – mesmo porque eram fatos. Para justificar a política de elevação da Selic, valia-se de suposições, meras suposições – não alicerçadas em nenhum dado quantitativo, nenhum conjunto de fundamentos consistentes – de que a economia iria melhorar.
 
A convicção era tão precária que, mal saíram as projeções do FMI, Tombini jogou a toalha e endossou suas previsões de que a recessão continuaria. E na véspera da reunião do Copom! Como entender que uma instituição internacional, que tem por obrigação analisar a economia de todos os países do globo, tenha mais convicção sobre a economia brasileira do que o BC, com uma enorme equipe de PhDs dedicando-se exclusivamente a estudar o Brasil?
 
Vários fatores explicam essa sucessão de erros.
 
O primeiro, o próprio enfraquecimento da discussão macroeconômica brasileira, com os economistas de mercado tornando-se o único referencial da mídia e do BC.
 
O segundo, no fato de se ter entregue o BC à corporação.
 
Em princípio, nada contra. Em outros tempos, a Sumoc e, mais tarde, o BC, tiveram papel relevante em momentos cruciais da história conduzida pela nata do funcionalismo público brasileiro da época. Mas eram técnicos que transitavam por todos os setores da economia, até por sua ligação original com o Banco do Brasil.
 
O BC atual foi vítima de um conjunto de erros.
 
O mais relevante foi subordinar toda a análise econômica a uma única linha de pensamento, com interlocução exclusiva com o mercado. Como resultado, tocavam a economia brasileira com o manual de funcionamento da economia norte-americana. O FED mantém nas suas agências estaduais e na central compartilhamento de informações com setores da economia real discussões entre economistas de linhas econômicas diversas sobre problemas reais.
 
O BC brasileiro regrediu, tornou-se vítima de um vício de gestão já superado em empresas modernas, de cada departamento definir metas para si independentemente dos resultados de sua ação sobre a companhia como um todo. O BC age como se os efeitos da política econômica sobre a dívida pública, o nível de atividade, a queda da arrecadação não fossem problemas dele.
 
Além disso, a insegurança de Tombini fê-lo focar todas as discussões exclusivamente no sistema de metas inflacionárias – que ele ajudou a desenvolver – em si. Seu conhecimento restringe-se à literatura econômica norte-americana. E a insegurança de Dilma fê-la espanar o recurso à dúvida. Porque a dúvida exige compreensão, para justificar a decisão.
 
A entropia do BC foi de tal ordem que seus PhDs sequer se deram conta de uma correlação óbvia, brandida por eles próprios:
 
1. Segundo eles, não se pode reduzir os juros enquanto a parte fiscal não for equacionada.
 
2. Juros elevados derrubam a arrecadação, inviabilizando qualquer possibilidade de ajuste fiscal.
 
3. Sem ajuste fiscal, os juros têm que continuar aumentando.
 
E como é que se sai desse círculo vicioso? Simplesmente admitindo que, com o PIB despencando, com a demanda despencando, teria que rever a política monetária.
 
Foi necessário o alerta do FMI para o BC começar a despertar.

O significado da fiscalização em obras

POR 
Uma considerável sequência de acidentes em obras de engenharia — pontuada pelo recente rompimento da barragem da Samarco em Mariana, Minas — tem trazido à tona e revelado um alto grau de confusões conceituais sobre o papel da fiscalização técnica promovida por órgãos de governo em empreendimentos de engenharia privados e públicos.
Essas confusões conceituais estão, inclusive, propiciando o surgimento de rituais jurídicos em que, basicamente, proprietários de obras acidentadas astuciosamente pleiteiam a divisão de responsabilidades pelos acidentes com o poder público, em vista de falhas eventualmente verificadas nos procedimentos de fiscalização técnica.
Para que absurdos como esse não prosperem, e a sociedade não venha a ser duplamente penalizada, faz-se indispensável um mais apurado esclarecimento dos vários aspectos envolvidos na questão.
É essencial entender que a fiscalização técnica realizada pela administração pública guarda uma relação direta e exclusiva com a sociedade. Em essência, esse procedimento tem como objetivo prover garantias à sociedade quanto ao bom desempenho e quanto à segurança do empreendimento fiscalizado.
Ou seja, se essa fiscalização comete uma falha, por ausência, insuficiência ou despreparo, ela falhou com a sociedade a que se obrigava defender. E deve ser, sim, investigada por esse deslize. O que de forma alguma não sugere que a ela deva caber qualquer mínima responsabilidade por problemas que possa haver acontecido na obra fiscalizada.
Implica essa afirmação o entendimento de que, de forma alguma, a fiscalização técnica pode ser confundida com algo que se assemelhe a uma consultoria técnica colocada à disposição do empresário pela administração pública, e cujo papel seria periodicamente examinar a obra, identificar problemas e orientar o proprietário em sua correção. Não, não existe e nem está preconizado esse tipo de relacionamento entre fiscalização e proprietário de obra. Claro, o acordo de fiscalização inclui a obrigatoriedade de o proprietário fornecer todas informações solicitadas pelos agentes fiscais, como o dever desses de informá-lo de todas as observações e exigências produzidas em seu procedimento fiscalizatório, que pode, ao limite, até recomendar a interdição da obra. Mas nunca um dono de obra poderá alegar que deixou de tomar esse ou aquele cuidado técnico pelo fato de a fiscalização nunca lhe haver solicitado tal providência. Isso precisa estar muito claro para todas as partes envolvidas.
As relações de responsabilidade do empresário com sua obra independem radicalmente do processo fiscalizatório. Isto é, é dele a responsabilidade técnica total sobre a qualidade de sua obra e sobre eventuais acidentes ou disfunções técnicas que com ela possam acontecer. Para isso, tem à sua direta disposição, nas fases de projeto, implantação e operação/monitoramento/manutenção de seu empreendimento, todos os conhecimentos técnicos produzidos e acumulados nacional e internacionalmente, e que lhe possam ser úteis e necessários — conhecimentos esses personificados em seu próprio pessoal técnico e em terceiros para tanto contratados. Ou seja, o lado da excelência técnica obrigatória é o lado do proprietário da obra, não o lado da fiscalização; à qual cabe, sim, ter competência para o que faz, mas muito mais uma competência em esmeradamente bem cumprir seus protocolos fiscalizatórios.
De outra parte, vale na oportunidade registrar uma ponderação crítica ao atual arranjo institucional da ação fiscalizatória, tomando o caso das barragens como exemplo. Hoje, essa função está distribuída em diversos órgãos, segundo sua natureza. No entanto, uma barragem sempre deverá apresentar e cumprir requisitos hidráulicos e geotécnicos muito próprios, qualquer que seja sua natureza: geração de eletricidade, abastecimento, açudagem, irrigação, mineração, lazer etc. De tal forma, que seria muito mais eficiente para o desenvolvimento de uma cultura técnica comum de fiscalização que essa operação fosse exercida somente por uma instituição, para tanto vocacionada por seu expertise na matéria.
Álvaro Rodrigues dos Santos é geólogo


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/o-significado-da-fiscalizacao-em-obras-18529707#ixzz3yIrOVCE2 
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domingo, 24 de janeiro de 2016

Ora, sejamos marxistas - EUGÊNIO BUCCI, OESP

ESTADÃO - 21/01


Na semana passada, 105 advogados, vários deles com clientes indiciados na Operação Lava Jato, divulgaram um manifesto contra o juiz Sergio Moro. Em sua “carta aberta em repúdio ao regime de superação episódica de direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato”, acusaram promotores, policiais, juízes e “a mídia” de “menoscabo à presunção de inocência”. Despertaram a ironia de articulistas, o repúdio de integrantes do Ministério Público, o desprezo silencioso de outros advogados e o aplauso público ou discreto de dirigentes do PT.

Uma vez mais ficou explícita a unidade disciplinada entre o discurso dos causídicos que defendem os interesses dos empreiteiros tornados réus e o discurso dos petistas de alta patente, que, quando defendem o governo (pois de vez em quando o atacam), alegam tratar-se de um governo de esquerda. As diferenças ideológicas que havia entre os dois discursos – o do PT e o das empreiteiras – desapareceram como enxurrada engolida pela boca de lobo. As megaconstrutoras de ultradireita, viciadas em dinheiro público, e o partido nascido à esquerda, das greves do ABC, já foram antípodas. Agora cantam em dueto. São duas mãos que se lavam em águas enlameadas.

Descartada por absurda a hipótese de que as empreiteiras se tenham convertido ao socialismo utópico, façamos a pergunta inevitável: esse partido é mesmo de esquerda? Será de esquerda o dueto entre o PT que não gostava do capital e o capital que não gosta de concorrência? Será uma “aliança tática”? Será que, no imaginário da nomenklatura, a perfeita simbiose se justifica para combater “inimigos de classe” mais “reacionários” e mais fatais, como repórteres mal remunerados, delegados de polícia e magistrados de primeira instância? Será que, comparados ao reportariado, os empreiteiros são assim tão “progressistas”? Serão eles os mais fiéis “companheiros de viagem” na marcha rumo ao fim da exploração do homem pelo homem?

Falemos sério. O mais provável não é nada disso. O mais provável é o mais horrível. Já não é o lobby das construtoras que se apressa a socorrer o caixa eleitoral dos companheiros, mas a máquina dos ex-sindicalistas que adere a um modo de produção parasitário (um híbrido promíscuo entre a acumulação primitiva e o capitalismo de Estado), ao qual dá sustentação reverencial, como quem ampara a galinha dos ovos de ouro (ou como quem venera um totem).

Aquilo que a olhos otimistas não passa de desvios infelizes a manchar a trajetória de uma organização partidária combativa talvez não seja apenas isso, quer dizer, talvez não seja meramente uma sucessão de incidentes desabonadores, mas a manifestação de um caráter histórico que até outro dia se ocultara. Aquilo a que damos o nome genérico de corrupção não seria, enfim, um deslize criminal episódico, mas uma determinante estrutural; não seria uma traição da política, mas a mais acabada expressão da política de colaboração de classe entre uma legenda de retórica trabalhista e uma burguesia inculta e retrógrada. Não, não estamos falando de uma colaboração de classe qualquer, mas de um pacto sem lei no qual a rapinagem do erário, em lugar de evento excepcional, é o método.

Em resumo: o que tem o aspecto de desvio não é bem um desvio, um ato que escapou do campo da ação política, mas a realização material da política, a política em sua matéria mais irredutível.

Se for verdadeira essa hipótese, os sinais do discurso petista estão todos invertidos. O encadeamento dos governos que aí estão há 13 anos, que esse discurso insiste ser de esquerda, seria o oposto. Não terá sido para tornar viável uma agenda de inclusão social que alguns se deixaram aliciar pelo capital selvagem. O que parece ter acontecido é o contrário: foi para tornar viável um modelo de poder que passava pela subtração prolongada – deslocando o centro do Estado para uma órbita estranha ao interesse público – que se fez necessário acenar com benefícios aos eleitores pobres. Os tais programas de distribuição de renda e de combate à pobreza não teriam sido uma política pública inclusiva, mas uma concessão equivalente ao custo de manutenção do modelo.

Não que políticas públicas de combate à pobreza constituam um vício em si mesmas. Elas são justas e dramaticamente necessárias no Brasil. O que fez delas uma manobra oportunista, ineficaz e infértil não foi o seu conteúdo, mas o caráter do modelo de poder que as acionou. Elas não traduziram uma estratégia de resgate dos pobres, mas de instrumentalização deles.

É triste. O PT não é Itabira ou Orlândia, mas se reduz aos poucos a uma fotografia na parede. Como dói. A verdade que se vai decantando na imagem machuca os olhos. Haverá futuro? Não é provável, a menos que as vozes vivas que ainda resistem nas cercanias do partido enunciem respostas públicas, destemidas, objetivas e materiais sobre sua tragédia ética e sua farsa.

Em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx lembra que a primeira revolução (burguesa) de Napoleão libertou os camponeses da semisservidão e os transformou em pequenos proprietários de terra. Não por solidariedade, mas porque o poder por trás das guerras napoleônicas dependia de varrer o feudalismo (a servidão) para patrocinar o capitalismo. Poucos anos depois do que parecia ter sido uma conquista, os tais pequenos proprietários se deram mal. Marx anota: “A forma ‘napoleônica’ de propriedade, que no princípio do século 19 constituía a condição para libertação e enriquecimento do camponês francês, desenvolveu-se no decorrer desse século na lei da sua escravização e pauperização”.

A estrela do PT chegou a reluzir como a via de promoção dos desassistidos, mas não os libertou da pobreza. O projeto de classe parece que foi outro. Os empreiteiros, que não são marxistas, sabem muito bem por quê.