segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O significado da fiscalização em obras

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Uma considerável sequência de acidentes em obras de engenharia — pontuada pelo recente rompimento da barragem da Samarco em Mariana, Minas — tem trazido à tona e revelado um alto grau de confusões conceituais sobre o papel da fiscalização técnica promovida por órgãos de governo em empreendimentos de engenharia privados e públicos.
Essas confusões conceituais estão, inclusive, propiciando o surgimento de rituais jurídicos em que, basicamente, proprietários de obras acidentadas astuciosamente pleiteiam a divisão de responsabilidades pelos acidentes com o poder público, em vista de falhas eventualmente verificadas nos procedimentos de fiscalização técnica.
Para que absurdos como esse não prosperem, e a sociedade não venha a ser duplamente penalizada, faz-se indispensável um mais apurado esclarecimento dos vários aspectos envolvidos na questão.
É essencial entender que a fiscalização técnica realizada pela administração pública guarda uma relação direta e exclusiva com a sociedade. Em essência, esse procedimento tem como objetivo prover garantias à sociedade quanto ao bom desempenho e quanto à segurança do empreendimento fiscalizado.
Ou seja, se essa fiscalização comete uma falha, por ausência, insuficiência ou despreparo, ela falhou com a sociedade a que se obrigava defender. E deve ser, sim, investigada por esse deslize. O que de forma alguma não sugere que a ela deva caber qualquer mínima responsabilidade por problemas que possa haver acontecido na obra fiscalizada.
Implica essa afirmação o entendimento de que, de forma alguma, a fiscalização técnica pode ser confundida com algo que se assemelhe a uma consultoria técnica colocada à disposição do empresário pela administração pública, e cujo papel seria periodicamente examinar a obra, identificar problemas e orientar o proprietário em sua correção. Não, não existe e nem está preconizado esse tipo de relacionamento entre fiscalização e proprietário de obra. Claro, o acordo de fiscalização inclui a obrigatoriedade de o proprietário fornecer todas informações solicitadas pelos agentes fiscais, como o dever desses de informá-lo de todas as observações e exigências produzidas em seu procedimento fiscalizatório, que pode, ao limite, até recomendar a interdição da obra. Mas nunca um dono de obra poderá alegar que deixou de tomar esse ou aquele cuidado técnico pelo fato de a fiscalização nunca lhe haver solicitado tal providência. Isso precisa estar muito claro para todas as partes envolvidas.
As relações de responsabilidade do empresário com sua obra independem radicalmente do processo fiscalizatório. Isto é, é dele a responsabilidade técnica total sobre a qualidade de sua obra e sobre eventuais acidentes ou disfunções técnicas que com ela possam acontecer. Para isso, tem à sua direta disposição, nas fases de projeto, implantação e operação/monitoramento/manutenção de seu empreendimento, todos os conhecimentos técnicos produzidos e acumulados nacional e internacionalmente, e que lhe possam ser úteis e necessários — conhecimentos esses personificados em seu próprio pessoal técnico e em terceiros para tanto contratados. Ou seja, o lado da excelência técnica obrigatória é o lado do proprietário da obra, não o lado da fiscalização; à qual cabe, sim, ter competência para o que faz, mas muito mais uma competência em esmeradamente bem cumprir seus protocolos fiscalizatórios.
De outra parte, vale na oportunidade registrar uma ponderação crítica ao atual arranjo institucional da ação fiscalizatória, tomando o caso das barragens como exemplo. Hoje, essa função está distribuída em diversos órgãos, segundo sua natureza. No entanto, uma barragem sempre deverá apresentar e cumprir requisitos hidráulicos e geotécnicos muito próprios, qualquer que seja sua natureza: geração de eletricidade, abastecimento, açudagem, irrigação, mineração, lazer etc. De tal forma, que seria muito mais eficiente para o desenvolvimento de uma cultura técnica comum de fiscalização que essa operação fosse exercida somente por uma instituição, para tanto vocacionada por seu expertise na matéria.
Álvaro Rodrigues dos Santos é geólogo


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