domingo, 10 de janeiro de 2016

Na contramão, por Delfim Netto in CC


Há 25 anos o Brasil tem sido empurrado para fora do mundo econômico civilizado. É preciso reagir
por Delfim Netto — publicado 22/12/2015 05h07
SindMetalsjc
Desemprego
Crescimento sem inclusão é uma medida incauta e temerária
Em 1990, o PIB per capita do Brasil, em paridade de poder de compra de 2011, era 17% superior à média mundial. Em 2014, caíra para 6%. O trágico é que, com relação aos nossos parceiros, os países de renda média superior na definição do Banco Mundial, nossa renda era 121% superior. Hoje é apenas 11%! Estamos afundando. Mais recentemente, aumentou a velocidade da nossa submersão. Há 25 anos estamos sendo postos fora do mundo econômico civilizado, como se vê no gráfico, apesar dos progressos institucionais da Constituição de 1988.
É preciso afastar a ideia de que programas pró-inclusão e redução das desigualdadesdevem ser, necessariamente, programas contracrescimento. Pelo contrário, a experiência histórica mostra que as duas opções: 1. Crescimento sem inclusão. Ou 2. Inclusão sem crescimento, terminam em desastres. É fundamental reconhecer, entretanto, um fato frequentemente ignorado por nossa gente: só pode ser distribuído fisicamente o que já foi produzido internamente somado ao que eventualmente se “ganhou de presente” por conta da melhora das relações de troca e ao que se tomou emprestado na forma de déficits em conta corrente que um dia o credor pedirá de volta.
Um bom programa objetiva, através de incentivos adequados, calibrar o aumento do consumo, uma condição necessária para diminuir a desigualdade, com o nível de investimento, uma condição necessária para o crescimento, mantendo o equilíbrio interno (inflação baixa e estável) e o equilíbrio externo (déficit em conta corrente financiável).
Esse programa não pode ser confundido com assistência social, que deve perseguir a redução da pobreza, ter sustentabilidade financeira e ser sujeita à análise permanente da relação custo-benefício, porque programas assistenciais permanentes criam seus próprios parasitas. Esses programas não são responsáveis pelo desequilíbrio fiscal estrutural que está inscrito na Constituição de 1988.
Gráfico
A nossa generosa (com alguns) e injusta (com o “resto”) previdência social, é atuarialmente insustentável; as vinculações orçamentárias colocam a administração no piloto automático à espera de acabar o querosene; as indexações têm efeitos destrutivos para o equilíbrio das finanças públicas; a justiça trabalhista trata todo trabalhador como hipossuficiente e todo empresário como meliante; o sistema tributário é confuso, regressivo e produz graves distorções alocativas; a carga tributária é alta e mal distribuída. É dissipada por um setor público muito menos eficiente do que o privado. Logo, redutora do crescimento. Estes são alguns dos problemas que estão a exigir uma ação enérgica do Executivo e do Legislativo para devolver ao Brasil as condições para um desenvolvimento social e econômico mais vigoroso e mais equânime.
Todos os países que tiveram sucesso usaram, praticamente, a mesma política econômica a que chegaram por tentativa e erro, num processo seletivo quase biológico. Ela mostra que a coordenação entre as políticas fiscal, monetária e a administração da dívida pública são essenciais. 
Não há um nível ótimo para a relação dívida pública/PIB: há níveis convenientes que devem deixar espaço para políticas anticíclicas quando a demanda interna esmorecer. Flutuações são perfeitamente aceitáveis quando o projeto financiado aumenta o PIB e, após maturado, tem taxa de retorno superior à do seu financiamento. Não é difícil produzir exercícios aritméticos (e até alguma evidência empírica) dessa possibilidade.
Projetos de estádios para futebol ou olimpíada, entretanto, não satisfazem àqueles critérios. O mortal, mesmo, é financiar despesas de custeio, de pessoal ou aumentar a relação dívida/PIB com mais aumento da dívida. O que faremos, por exemplo, com os mais de 100 mil trabalhadores que serão dispensados simultaneamente com o fim das obras dasOlimpíadas no Rio de Janeiro em junho de 2016?
O Brasil precisa reconquistar a sua governança o mais cedo possível. 

Zygmunt Bauman: “As redes sociais são uma armadilha” El País

Zygmunt Bauman acaba de completar 90 anos de idade e de tomar dois voos para ir da Inglaterra ao debate do qual participa em Burgos (Espanha). Está cansado, e admite logo ao começar a entrevista, mas se expressa com tanta calma quanto clareza. Sempre se estende, em cada explicação, porque detesta dar respostas simples a questões complexas. Desde que colocou, em 1999, sua ideia da “modernidade líquida” – uma etapa na qual tudo que era sólido se liquidificou, e em que “nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso” –, Bauman se tornou uma figura de referência da sociologia. Suas denúncias sobre a crescente desigualdade, sua análise dodescrédito da política e sua visão nada idealista do que trouxe a revolução digital o transformaram também em um farol para o movimento global dos indignados, apesar de que não hesita em pontuar suas debilidades.
O polonês (Poznan, 1925) era criança quando sua família, judia, fugiu para a União Soviética para escapar do nazismo, e, em 1968, teve que abandonar seu próprio país, desempossado de seu posto de professor e expulso do Partido Comunista em um expurgo marcado pelo antissemitismo após a guerra árabe-israelense. Renunciou à sua nacionalidade, emigrou a Tel Aviv e se instalou, depois, na Universidade de Leeds (Inglaterra), onde desenvolveu a maior parte de sua carreira. Sua obra, que arranca nos anos 1960, foi reconhecida com prêmios como o Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades de 2010, que recebeu junto com Alain Touraine.
Bauman é considerado um pessimista. Seu diagnóstico da realidade em seus últimos livros é sumamente crítico. Em A riqueza de poucos beneficia todos nós?, explica o alto preço que se paga hoje em dia pelo neoliberalismo triunfal dos anos 80 e a “trintena opulenta” que veio em seguida. Sua conclusão: a promessa de que a riqueza acumulada pelos que estão no topo chegaria aos que se encontram mais abaixo é uma grande mentira. Em Cegueira moral, escrito junto com Leonidas Donskis, Bauman alerta sobre a perda do sentido de comunidade em um mundo individualista. Em seu novo ensaio, Estado de crise, um diálogo com o sociólogo italiano Carlo Bordoni, volta a se destacar. O livro da editora Zahar, que já está disponível para pré-venda no Brasil, trata de um momento histórico de grande incerteza.
Bauman volta a seu hotel junto com o filósofo espanhol Javier Gomá, com quem debateu no Fórum da Cultura, evento que terá sua segunda edição realizada em novembro e que traz a Burgos os grandes pensadores mundiais. Bauman é um deles.
Pergunta. Você vê a desigualdade como uma “metástase”. A democracia está em perigo?
Resposta. O que está acontecendo agora, o que podemos chamar de crise da democracia, é o colapso da confiança. A crença de que os líderes não só são corruptos ou estúpidos, mas também incapazes. Para atuar, é necessário poder: ser capaz de fazer coisas; e política: a habilidade de decidir quais são as coisas que têm ser feitas. A questão é que esse casamento entre poder e política nas mãos do Estado-nação acabou. O poder se globalizou, mas as políticas são tão locais quanto antes. A política tem as mãos cortadas. As pessoas já não acreditam no sistema democrático porque ele não cumpre suas promessas. É o que está evidenciando, por exemplo, a crise de migração. O fenômeno é global, mas atuamos em termos paroquianos. As instituições democráticas não foram estruturadas para conduzir situações de interdependência. A crise contemporânea da democracia é uma crise das instituições democráticas.
"Foi uma catástrofe arrastar a classe media ao precariat. O conflito já não é entre classes, mas de cada um com a sociedade”
P. Para que lado tende o pêndulo que oscila entre liberdade e segurança?
R. São dois valores extremamente difíceis de conciliar. Para ter mais segurança é preciso renunciar a certa liberdade, se você quer mais liberdade tem que renunciar à segurança. Esse dilema vai continuar para sempre. Há 40 anos, achamos que a liberdade tinha triunfado e que estávamos em meio a uma orgia consumista. Tudo parecia possível mediante a concessão de crédito: se você quer uma casa, um carro... pode pagar depois. Foi um despertar muito amargo o de 2008, quando o crédito fácil acabou. A catástrofe que veio, o colapso social, foi para a classe média, que foi arrastada rapidamente ao que chamamos de precariat (termo que substitui, ao mesmo tempo, proletariado e classe média). Essa é a categoria dos que vivem em uma precariedade contínua: não saber se suas empresas vão se fundir ou comprar outras, ou se vão ficar desempregados, não saber se o que custou tanto esforço lhes pertence... O conflito, o antagonismo, já não é entre classes, mas de cada pessoa com a sociedade. Não é só uma falta de segurança, também é uma falta de liberdade.
P. Você afirma que a ideia de progresso é um mito. Por que, no passado, as pessoas acreditavam em um futuro melhor e agora não?
R. Estamos em um estado de interregno, entre uma etapa em que tínhamos certezas e outra em que a velha forma de atuar já não funciona. Não sabemos o que vai a substituir isso. As certezas foram abolidas. Não sou capaz de profetizar. Estamos experimentando novas formas de fazer coisas. A Espanha foi um exemplo com aquela famosa iniciativa de maio (o 15-M), em que essa gente tomou as praças, discutindo, tratando de substituir os procedimentos parlamentares por algum tipo de democracia direta. Isso provou ter vida curta. As políticas de austeridade vão continuar, não podiam pará-las, mas podem ser relativamente efetivos em introduzir novas formas de fazer as coisas.
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O sociólogo Zygmunt Bauman. / SAMUEL SÁNCHEZ
P. Você sustenta que o movimento dos indignados “sabe como preparar o terreno, mas não como construir algo sólido”.
R. O povo esqueceu suas diferenças por um tempo, reunido na praça por um propósito comum. Se a razão é negativa, como se indispor com alguém, as possibilidades de êxito são mais altas. De certa forma, foi uma explosão de solidariedade, mas as explosões são muito potentes e muito breves.
P. E você também lamenta que, por sua natureza “arco íris”, o movimento não possa estabelecer uma liderança sólida.
R. Os líderes são tipos duros, que têm ideias e ideologias, o que faria desaparecer a visibilidade e a esperança de unidade. Precisamente porque não tem líderes o movimento pode sobreviver. Mas precisamente porque não tem líderes não podem transformar sua unidade em uma ação prática.
P. Na Espanha, as consequências do 15-M chegaram à política. Novos partidos emergiram com força.
"O 15-M, de certa forma, foi uma explosão de solidariedade, mas as explosões são potentes e breves"
R. A mudança de um partido por outro não vai a resolver o problema. O problema hoje não é que os partidos estejam equivocados, e sim o fato de que não controlam os instrumentos. Os problemas dos espanhóis não estão restritos ao território nacional, são globais. A presunção de que se pode resolver a situação partindo de dentro é errônea.
P. Você analisa a crise do Estado-nação. Qual é a sua opinião sobre as aspirações independentistas da Catalunha?
R. Penso que continuamos com os princípios de Versalhes, quando se estabeleceu o direito de cada nação baseado na autodeterminação. Mas isso, hoje, é uma ficção porque não existem territórios homogêneos. Atualmente, todas as sociedades são uma coleção de diásporas. As pessoas se unem a uma sociedade à qual são leais, e pagam impostos, mas, ao mesmo tempo, não querem abrir mão de suas identidades. A conexão entre o local e a identidade se rompeu. A situação na Catalunha, como na Escócia ou na Lombardia, é uma contradição entre a identidade tribal e a cidadania de um país. Eles são europeus, mas não querem ir a Bruxelas por Madri, mas via Barcelona. A mesma lógica está emergindo em quase todos os países. Mantemos os princípios estabelecidos no final da Primeira Guerra Mundial, mas o mundo mudou muito.
P. As redes sociais mudaram a forma como as pessoas protestam e a exigência de transparência. Você é um cético sobre esse “ativismo de sofá” e ressalta que a Internet também nos entorpece com entretenimento barato. Em vez de um instrumento revolucionário, como alguns pensam, as redes sociais são o novo ópio do povo?
R. A questão da identidade foi transformada de algo preestabelecido em uma tarefa: você tem que criar a sua própria comunidade. Mas não se cria uma comunidade, você tem uma ou não; o que as redes sociais podem gerar é um substituto. A diferença entre a comunidade e a rede é que você pertence à comunidade, mas a rede pertence a você. É possível adicionar e deletar amigos, e controlar as pessoas com quem você se relaciona. Isso faz com que os indivíduos se sintam um pouco melhor, porque a solidão é a grande ameaça nesses tempos individualistas. Mas, nas redes, é tão fácil adicionar e deletar amigos que as habilidades sociais não são necessárias. Elas são desenvolvidas na rua, ou no trabalho, ao encontrar gente com quem se precisa ter uma interação razoável. Aí você tem que enfrentar as dificuldades, se envolver em um diálogo. O papa Francisco, que é um grande homem, ao ser eleito, deu sua primeira entrevista a Eugenio Scalfari, um jornalista italiano que é um ateu autoproclamado. Foi um sinal: o diálogo real não é falar com gente que pensa igual a você. As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha.
Estado de crise. Zygmunt Bauman e Carlo Bordoni. Editora Zahar. 192 págs., 39,90 reais.

China expõe fragilidade da indústria brasileira - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 08/01

A desaceleração chinesa subtrai bilhões das exportações de matérias-primas do Brasil, e o país não consegue compensar as perdas com a venda de manufaturados


O mercado de ações da China teve ontem mais um dia tumultuado, com as negociações sendo suspensas depois que a bolsa chegou a uma queda de 7%. O mesmo ocorrera na segunda-feira. Pelo tamanho da economia chinesa, a oscilação se espalhou pelo planeta.

Há evidentes problemas na segunda maior economia do mundo, o que afeta o Brasil de maneira direta, e já há algum tempo. Maiores importadores de commodities brasileiras (soja e minério de ferro), os chineses respondem por parte relevante da queda das exportações nacionais. Em dois anos o Brasil perdeu, na conta das vendas ao exterior, uma receita de US$ 50,9 bilhões. Nas commodities, US$ 25,8 bilhões. Ao desacelerar, a China ajudou a reduzir as cotações de matérias-primas.

Ainda assim, o país voltou a acumular superávit, obtendo no ano passado um saldo positivo no comércio de US$ 19,7 bilhões, o maior desde 2011, depois de um déficit de US$ 4 bilhões em 2014. Este superávit, entretanto, deriva de uma crise: a vertiginosa recessão causada por erros da política econômica do primeiro mandato de Dilma. As exportações caíram, no ano passado, 14,1%, mas as importações, puxadas pela recessão, retrocederam 24,3%. Daí o superávit.

A economia brasileira poderia compensar parte do que perde em commodities com a venda de manufaturados, não fosse um erro estratégico crasso cometido na política industrial.

Com todo o crescimento no século XX, o Brasil, na essência, manteve uma relação de padrão colonial com o mundo: exportador de matérias-primas e bens industrializados de baixo conteúdo tecnológico (salvo exceções) e importador de bens mais elaborados.

A chegada do PT ao Planalto reforçou a distorção, enfatizada por um ciclo de ouro de elevação do preço de commodities, na esteira da expansão da China, um período já encerrado. Com o PT, voltou o protecionismo, e o Brasil se apegou a um Mercosul bolivariano, fechado em si mesmo.

A desaceleração chinesa fez desabar as commodities e criou um problema nas exportações brasileiras, ao mesmo tempo em que os “desenvolvimentistas” aplicavam a política do “novo marco" e assim desestruturavam as finanças internas do país. O saldo está aí: recessão, desemprego, inflação elevada, grande desvalorização cambial.

Se o país não tivesse mais uma vez praticado políticas para “proteger” segmentos da indústria, hoje poderia haver um parque manufatureiro moderno capaz de competir em outros mercados.

Repete-se a lição: a economia brasileira precisa se abrir ao exterior, integrar-se às linhas globais de produção. Caso contrário, continuaremos a repetir, séculos a fio, crises agravadas pela queda mundial do preço de matérias-primas que o país exporta.

Já foi com o café no passado, agora são a soja e o minério de ferro. Uma relação de padrão colonial que o Brasil já manteve com Portugal e Inglaterra hoje repete com a China.