Artigo publicado em 2004, na Revista dos Transportes Públicos (nº 102)
É inquestionável o sucesso do Metrô de São Paulo. Nenhum projeto de infra-estrutura pública une um consenso tão unânime como ele. Todas as classes sociais da cidade querem que ele seja expandido. De preferência todo morador quer que uma nova linha passe perto de onde mora e perto de onde trabalha.
Mas o apoio não vem só dos atuais usuários do Metrô ou dos que um dia têm a esperança de sê-lo. Vem também do usuário do automóvel cujo volume cresce exponencialmente nestes últimos tempos num viário que não cresce e que também vê no metrô uma saída para o trânsito caótico.
São Paulo é uma cidade interessante e nesse sentido única. Nasceu para ser grande. Foi a primeira cidade a atingir 1 milhão de operários, antes mesmo de Chicago, ainda a cidade industrial do mundo.
Seu central business district - CBD tem mudado de local a cada 20 anos. Cada mudança é um custo altíssimo. Urbano e financeiro. Aos poucos a cidade vai se tornando deseconômica. Do antigo centro histórico, o CBD saltou o Anhangabaú e foi localizar-se em torno da praça da República. Migrou para a região da Paulista e daí então para a Berrini e marginal do Pinheiros. Esses CBDs que misturam ao mesmo tempo negócios e residência crescem sem parar principalmente pela reciclagem da cidade industrial para a cidade de serviços. Não é difícil imaginar que o próximo CBD vá se situar ao longo do Rodoanel.
Quando o metrô foi inaugurado em 1974, seu impacto foi além das fronteiras. O mundo olhou para o Brasil admirado pela capacidade do país fazer o que fez, com a qualidade e modernidade de um sistema de tal complexidade e com a aceitabilidade popular atingida com uma operação modelar. Esse sucesso foi construído. Detalhe a detalhe, pormenor a pormenor, passo a passo, igual ao escultor que da pedra bruta tirou a forma perfeita no acabamento e na expressão. Ecce homo...
Não há obra mais difícil de construir do que o metrô. Desde a escolha do traçado da linha a implantar. No estágio atual da rede de linhas, qualquer nova que se construa deve atingir 1 milhão de passageiros-dia. A tecnologia a adotar deve ter em conta menos as limitações do conhecimento dos técnicos experimentados na operação atual do sistema e mais a necessidade do custo e as aspirações do usuário que vê na modernidade do metrô a realização para sua "auto-estima urbana”. Foi assim na construção da linha 1 - Norte-Sul. O Metrô mostrou ao Brasil que o país também poderia fazer coisas muito modernas e isso se deu em São Paulo, o que permitiu que os paulistanos se orgulhassem de sua cidade.
A implantação de uma linha de metrô é uma verdadeira cirurgia urbana. E essa oportunidade deve ser aproveitada para renovar a cidade, ainda mais em São Paulo que está permanentemente em mutação. A interface obra-cidade durante a implantação não deve temer o lindeiro, mas fazer dele um parceiro e não obrigar o projeto a esconder a obra encarecendo o custo enormemente apenas para torná-la "invisível”. Até e sobretudo a urbanidade da cidade tem na obra do metrô a oportunidade de realizar modificações e atualizações de modernizações de outro modo difíceis ou até mesmo impossíveis.
Metrô não é apenas "trenzinho pra lá e pra cá”. É muito mais que isso. É também comunicação pública, um diálogo com a cidade que deve ser diário e permanente. O transporte público é o locus ideal e o metrô particularmente propício para tal porque por ele passa a população todos os dias, inexoravelmente.
O Metrô de São Paulo teve o sucesso que teve porque ousou. Ousou procurar o que de melhor havia na experiência do mundo e trazê-lo para a realidade brasileira. Ousou desafiar a descrença de todos aqueles que na época achavam que o metrô não seria solução. Ousou entrar para a comunidade metroviária mundial e fazer parte dela como um parceiro de personalidade e respeitado. Ousou motivar a indústria nacional a produzir produtos heavy-duty modernos. Ousou introduzir a engenharia de sistemas no país e criar a gerência de empreendimentos como uma nova modalidade da engenharia. Ousou introduzir a qualidade nas obras civis pesadas urbanas. Ousou introduzir quase pioneiramente no mundo a aplicação da automação industrial on line. Nunca antes se deixou a segurança de tantas vidas humanas nas "mãos” dos computadores.
E tantas outras ousadias. Mas talvez a principal delas tenha sido, com toda a simplicidade, a de motivar uma equipe e criar uma gestão de grande atualidade na área de recursos humanos; e o Metrô foi a primeira empresa em nosso ambiente a usar essa denominação no lugar dos antigos departamentos de relações industriais ou de pessoal da época.
Ousar é preciso...
Plinio Assmann - Engenheiro, fundador da ANTP e ex-presidente da Companhia do Metropolitano de São Paulo - Metrô