terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Sinto muito se for verdade, diz Kátia Abreu sobre resistência da JBS à indicação


NIVALSO SOUZA - AGÊNCIA ESTADO
09 Dezembro 2014 | 13h 36

Cotada para assumir Ministério da Agricultura no segundo mandato de Dilma, senadora evita falar sobre reação de empresa a seu nome e diz que convite para pasta é 'especulação'

André Dusek/Estadão
Kátia Abreu tem sido crítica ao JBS desde que a empresa iniciou a campanha da marca Friboi como sinônimo de qualidade da carne
A presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), disse "não ver" aresistência do frigorífico JBS à sua indicação ao Ministério da Agricultura, após convite feito pela presidente Dilma Rousseff para que ela comande a pasta a partir de 2015. "Nunca conversei com eles sobre isso. O que eu leio é o que vocês estão vendo na imprensa. Sinto muito se for verdade, mas não vejo motivos para isso", disse. Sobre o convite, a senadora desconversou. Sorrindo, afirmou tratar-se de "especulação" e que "não trabalha sobre hipóteses". Ela destacou seu trabalho no Senado e na CNA como ações para valorizar o produtor rural e não favorecer interesses de grandes empresas.
Conforme revelou o Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, na semana passada, o empresário Joesley Batista - um dos sócios do grupo JBS - esteve no Palácio do Planalto e pediu ao ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, para que Dilma revisse a indicação da senadora.
Kátia Abreu tem sido crítica ao JBS desde que a empresa iniciou a campanha da marca Friboi como sinônimo de qualidade da carne. Ela chegou a utilizar a tribuna do Senado para criticar a empresa. "A intenção em todos os momentos da minha vida e da minha luta é ter espírito público e trabalhar para o Brasil e não para corporações específicas", afirmou, ao ser questionada sobre a resistência do JBS ao seu nome para Agricultura.
Kátia participou do lançamento do anuário Perspectivas 2015 da CNA e comentou sobre como deve ser o perfil do novo ministro da Agricultura. De acordo com a senadora, o novo titular do ministério deve buscar mercados internacionais para o agronegócio, incentivar o acesso à tecnologia pelo médio produtor e estimular a consolidação da classe média do campo.
A defesa do fortalecimento da classe média agrícola pode ser vista como um recado de boa convivência por parte dela com o segmento, resistente sua indicação para a Agricultura por acreditar que ela representa os grandes fazendeiros. Para isso, a senadora defendeu que a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) saia do papel e que haja uma ampliação do Pronatec Rural por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). "Se pretendemos criar um classe média verdadeira, sólida, a assistência técnica é (necessária) em primeiríssimo lugar", disse.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Desigualdade patrimonial é pior que a de renda

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Economia


É o que indica estudo inédito. Apoiado por futuro ministro do Planejamento, projeto de lei tenta expor a situação
por André Barrocal — publicado 07/12/2014 09:24
Edilson Rodrigues / Agência Senado
A riqueza gerada pela economia mundial é de cerca de 75 trilhões de dólares por ano. Se fosse distribuída por igual entre os habitantes do planeta, cada um teria uns 870 dólares mensais. Pelo câmbio atual, 2,2 mil reais. A realidade econômica varia pelo globo, então pode-se viver melhor ou pior com tal renda, dependendo do país – e das ambições individuais, claro. Mas uma coisa parece certa. É ilusão achar que todo mundo pode enriquecer trabalhando: a produção diária de riqueza é insuficiente. Criar empregos tem, portanto, um efeito limitado na melhoria de vida das pessoas.
Para distribuir mais a renda, a solução parece ser a busca de fontes alternativas à riqueza gerada cotidianamente. Por exemplo: o patrimônio acumulado ao longo dos tempos pelos milionários. Imóveis, terrenos, ações, aplicações financeiras, artigos de luxo poderiam ser mais taxados pelos governos e repartidos com as populações na forma de serviços públicos. Isso permitiria aliviar os impostos cobrados no consumo, punitivos dos mais pobres. É mais ou menos o caminho sugerido pelo economista do momento, o francês Thomas Piketty, autor do badalado livro O Capital no Século XXI.
O Brasil tem uma resistência histórica a tributar o patrimônio e até mesmo a debater o tema. Já despontam, no entanto, iniciativas capazes de ao menos estimular a discussão. Um estudo inédito feito por um economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) oferece pistas de que a desigualdade patrimonial brasileira supera – e muito – a de renda. Uma lei discutida no Congresso tenta expor a situação e encontra um simpatizante no futuro ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.
Embora não haja dados oficiais sobre a desigualdade nacional a incluir o patrimônio no cálculo, o pesquisador André Calixtre, do Ipea, fez um esforço para tatear a situação. Ele analisou 480 mil declarações de bens entregues à Justiça eleitoral por todos os candidatos a prefeito e vereador na campanha de 2012. A base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não é uma representação perfeita da sociedade, reconhece Calixtre. Há razões também, diz, para desconfiar da sinceridade das informações prestadas pelos candidatos – parecer muito rico pode não pegar bem junto ao eleitorado, além de chamar a atenção da Receita. Muitas declarações continham erros também.
Feitas estas ressalvas, o economista apurou que o índice de desigualdade patrimonial entre os candidatos era de 0,81, considerando-se inclusive os postulantes que disseram não ter bens. E de 0,70, excluindo-se a turma de patrimônio zero. Os dois índices estão bem acima da desigualdade calculada pelo IBGE só com base na renda. Em 2012, este índice, conhecido como Gini, era de 0,49. Quanto mais perto de um, maior é a desigualdade. “A análise da base de dados do TSE sugere que a desconcentração de renda ocorrida nos últimos anos foi acompanhada de uma concentração da propriedade, como aconteceu na Coreia do Sul”, afirma Calixtre. “A desigualdade patrimonial no Brasil é muito maior do que na renda. Precisamos tributar mais os mais ricos.”
O estudo Nas fronteiras da desigualdade brasileira será publicado em breve por uma fundação ligada ao Partido Social Democrata alemão, a Friedrich Ebert. Tem potencial para ajudar no debate de uma lei proposta em junho na Câmara dos Deputados que quer o obrigar o governo a produzir anualmente um Relatório sobre a Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza dos brasileiros. Uma radiografia patrimonial da população, algo existente mundo afora mas desconhecido por aqui. Seria elaborado a partir das declarações de renda recebidas pela Receita Federal, com o compromisso de preservar o sigilo individual dos contribuintes. Conteria números, não nomes.
O documento permitiria ao País saber mais sobre si e, a partir daí, discutir propostas de melhoria da distribuição de renda via taxação das fortunas. Sua ausência foi a razão para o Brasil ter ficado de fora do livro de Piketty. “A sociedade brasileira não dispõe de informações sobre a distribuição da riqueza e dos efeitos da tributação vigente em reduzir as desigualdades”, diz o autor do projeto, deputado Claudio Puty (PT-PA). “Assim, torna-se imperioso que sejam produzidas informações estatísticas de qualidade para guiar políticas públicas efetivas em reduzir as desigualdades.”
O País possui uma tradição de pouco tributar a propriedade e a riqueza. Ao contrário do que ocorre pelo globo, prefere bancar políticas e funcionários públicos com dinheiro arrecadado no comércio de bens e serviços. A opção afeta os mais pobres, pois eles não conseguem economizar e pagam impostos em todas as suas compras – de carne, de roupa, de celular. No Brasil, 44% da arrecadação nasce no consumo. Nos Estados Unidos, são 18%. Na França, 25%. Nos EUA, o peso dos tributos sobre a renda e sobre o patrimônio no total arrecadado é o dobro daqui: 56% a 27%.
Os números acima são da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade internacional a congregar países ricos. Foram usados pelo futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em um artigo publicado em setembro sob o título de Robustez fiscal e qualidade do gasto como ferramentas para o crescimento. No texto, ele diz que a taxação do consumo no Brasil “é muito maior do que na maioria dos países, inclusive desenvolvidos, e tem efeitos negativos sobre a distribuição de renda”.
Companheiro de Levy na futura equipe econômica, Nelson Barbosa publicou um mês antes o artigo Para conhecer melhor a distribuição de renda e riqueza no País, mostrando-se um entusiasta da lei de Puty. Até propôs reforçar o orçamento da Receita Federal, para os técnicos poderem estudar mais este tipo de assunto. “Nos últimos anos, o Brasil foi uma das poucas grandes economias do mundo em que a desigualdade da distribuição de renda do trabalho caiu. Já está na hora de ampliarmos nossos estudos sobre o tema para a renda do capital e a riqueza.”
Será que vamos mesmo?

Para a alma mater, in Piaui

Delfim Netto comprou seu primeiro livro na Civilização Brasileira, no Centro de São Paulo, quando era adolescente. Sete décadas depois, ele tem 250 mil livros. Eles estão acomodados num galpão com vários salões no sítio do ex-ministro em Cotia, nas imediações de São Paulo. Quer dizer, ele supõe que sejam 250 mil. “Usando como critério o número de artigos e ensaios, que são o usual no meu campo, o da economia, acho que a biblioteca pode ter uns 500 mil itens”, disse recentemente.
Ele se apressou em explicar que não setrata de uma biblioteca preciosa. “Não tenho raridades, nem primeiras edições, nem autógrafos, nem manuscritos”, disse.“É apenas uma biblioteca de trabalho, não sou um fetichista.” O ex-deputado tem, por exemplo, as primeiras edições dos clássicos da economia, de A Riqueza das Nações, de Adam Smith, a O Capital, de Karl Marx. Mas são primeiras edições falsas. “Uma editora alemã republicou recentemente todos os clássicos, exatamente como na primeira edição, com o papel, o tamanho e a tipologia originais”, contou Delfim Netto. “Assim, pode-se ter uma noção de como o livro chegou aos leitores pela primeira vez. E melhor: como se fosse novo. É coisa de alemão.”
Se não é dono de edições príncipes, ele tem, em contrapartida, todas as dezenove edições deIntrodução à Análise Econômica, de Paul A. Samuelson, o primeiro americano a ganhar o Nobel de Economia, em 1970. “Não é uma extravagância”, disse, “é para poder comparar como Samuelson mudou a maneira de pensar e alterou o livro ao longo de mais de meio século.” A seção dedicada a Marx, por sua vez, é de dar inveja a marxistas empenhados. A biblioteca, por tudo isso, tem valor, inclusive monetário (“É o meu maior patrimônio”), mas que decorre mais do conjunto do que dos livros individuais.
Ela está divida em quatro assuntos principais: economia, matemática, história e filosofia (que abarca sociologia, política e afins). Seus idiomas, pela ordem, também são quatro: inglês, francês, português, italiano; e alguma coisa de alemão e espanhol. Não há nada de ficção e adjacências. “Os de literatura, que são poucos, eu deixo em casa até para não misturar”, disse.
Obviamente, os livros estão catalogados. Seus dados sumários (título, autor, ano e local de publicação) ficam armazenados num computador. Mas o sistema de catalogação não é o mais disseminado. Foi o próprio Delfim Nettoquem o inventou, e não tem nada de complicado. A ficha no computador registra apenas três informações: a sala, a estante e a prateleira. Chegando a ela, o livro precisa ser achado num espaço de pouco mais de 1 metro.
Depois de muito comprar livros e revistas separadamente, em livrarias e sebos, Delfim passou a adquirir bibliotecas: “Geralmente, comprava de professores de economia. A família vendia porque os descendentes não tinham interesse no assunto. E também para liberar quartos, salas e, às vezes, apartamentos inteiros ocupados por livros.”
O ex-ministro passou a frequentar sebos e antiquários no exterior. “Quando eu viajava como ministro, digamos para Estocolmo, eu pedia antes a um segundo-secretário da nossa embaixada que descobrisse o endereço dos três melhores sebos. Aí, depois dos compromissos, eu reservava uma horinha para visitá-los.” Um dos seus sebos preferidos, ainda hoje, é o Strand, no Village, em Nova York. Foi lá dezenas de vezes e, empurrando um carrinho de supermercado, percorreu as lendárias 18 milhas de estantes, à cata de livros usados de matemática e economia. Enchia vários carrinhos e despachava caixas cheias de livros por navio. Quando embaixador em Paris, ele frequentava os bouquinistes na beira do Sena e antiquários de Saint-Germain-des-Prés.
Aí chegou a internet. “Foi uma festa”, lembrou Delfim. Surgiram os sebos on-line. Depois as redes de sebos. “Aí, você descobria que em Cingapura havia o livro que você procurava há décadas”, disse. “Aliás, acho que os sebos de Cingapura são os mais organizados do mundo.”
Pois essa biblioteca formidável, que faz os olhos de Delfim Netto se iluminarem, não é mais sua. Ele a doou à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, onde entrou em 1948, tornou-se catedrático dez anos depois, fez o doutorado (origem do livro O Problema do Café no Brasil, que virouum clássico) e ainda hoje organiza seminários. Agora, em 1º de maio, ele completará 83 anos de vida. “Não há sentido, na minha idade, em manter uma biblioteca assim”, explicou. “Na USP, espero que ela entusiasme os novos alunos e depois os auxilie nas pesquisas.”
Pelo acordo com a faculdade, a biblioteca será mantida tal e qual está hoje, em Cotia, com a mesma divisão de salas, estantese prateleiras. Até a poltrona e a escrivaninha de Delfim irão para as novas instalações. “O bom é que poderei frequentar a biblioteca”, disse  o ex-ministro.
Antônio Delfim Netto nasceu no Cambuci, bairro de trabalhadores de São Paulo, numa família de imigrantes italianos pobres. Ficou órfão de pai ainda criança e começou a trabalhar aos 14 anos, como contínuo da Gessy, uma fábrica de sabonetes. Estudou sempre em escolas públicas. “Sem a USP, eu não seria nada”, ele acha. “E toda retribuição que eu possa fazer à Faculdade de Economia nunca compensará o que ela me deu.”
Ele foi ministro da ditadura em duas ocasiões (1967–74 e 1979–85), embaixador e deputado em cinco legislaturas. Jamaisdeixou de estudar e ensinar na USP. “O nosso Departamento de Economia é discreto, não faz barulho, mas está entre os melhores do Brasil”, avalia. “E note que, de todos os economistas conhecidos que estudaram lá, nenhum virou banqueiro ou ficou bilionário no mercado financeiro. É uma característica da USP.”
Os outros bons departamentos de economia, na sua avaliação, seriam o da Faculdades Campinas, a Facamp, o da PUC do Rio, o Instituto de Ensino e Pesquisa (o antigo Ibmec, agora Insper) e a Fundação Getulio Vargas. “Cada um tem a sua particularidade. O do João Manoel e odo Belluzzo, na Facamp, estão ajudando o desenvolvimento do interior de São Paulo. A PUC está mais na matemática financeira. O Ibmec, do Claudio Haddad, poderia estar nos Estados Unidos, de tão eficiente. A FGV presta um grande serviço público. E a USP, oras, é a USP.”