Entrevista com o fotógrafo Claudio Edinger, autor do livro 'De Bom Jesus a Milagres'
01 de fevereiro de 2014 | 17h 10
Christian Carvalho Cruz - O Estado de S. Paulo
No livro De Bom Jesus a Milagres, o fotógrafo Claudio Edinger se resume: "Sou filho de alemão com russo, judeu que cresceu cercado de amigos católicos, economista apaixonado por fotografia, carioca que viveu a vida toda em São Paulo e, a partir de 1976, passou 20 anos em Nova York – sempre o estrangeiro!" Em 2001, ao voltar da temporada americana, quis fotografar o Rio para "redescobrir o que é ser brasileiro" e onde – aqui – é o seu lugar. Ali estaria a base das imagens com foco seletivo que o alçariam ao cume do mercado brasileiro de fotografia autoral. Uma obra de Edinger hoje pode valer R$ 45 mil.
Claudio Edinger
Nesse caminho de procuras, ele foi se despindo do estilo documental (os judeus ortodoxos do Brooklyn, os loucos do Juqueri, os doidões do Chelsea Hotel...), dos trabalhos editoriais e publicitários, para se cobrir com o que sempre sonhou: a fotografia como arte. O sentimento de estrangeiro ajuda a iluminar o caminho percorrido. Se não havia um mundo pra ele no mundo, ele inventou um mundo – desfocado, poético, aconchegante. Primeiro usou uma câmera que produz negativos de 10 cm por 12,5 cm. Agora obtém o mesmo efeito fotografando com câmera digital e manipulando as imagens no computador, reconstruindo-as. É disso que ele trata na entrevista a seguir.
Você me dizia que a fotografia é a nova pintura e o fotógrafo, o novo pintor, se referindo à grande arte dos séculos passados. Polêmico.
A fotografia foi inventada por pintores (Daguerre, Niepce, Fox-Talbot, Bayard e Florence) para auxiliá-los em seu trabalho. Ela é filha da câmera obscura, utilizada por Rembrandt, Caravaggio, Ingres. Edgar Degas era também fotógrafo. Pois o que foi inventado para auxiliar, a partir do meio do século 19, com gênios como Matthew Brady, Muybridge, Julia Margaret Cameron, Disderi e Nadar, foi se tornando protagonista. Hoje não existe um grande museu que não tenha um importante departamento de fotografia, sem falar nos mais de cem museus de fotografia no mundo todo. Fotos de US$ 1 milhão hoje são lugar-comum. A cada dia aparecem trabalhos fotográficos autorais extraordinários, como em nenhuma outra arte. E estamos apenas começando.
Para alguns, a fotografia se distingue da pintura por ser mais fiel à realidade.
Mas que realidade? A do fotógrafo? A do fotografado? A do espectador? Realidade não existe. Pelo menos não uma só. Susan Sontag escreveu que a realidade de uma foto é mais real que a própria realidade. Ou, como disse o (filósofo inglês) Francis Bacon, a função do artista é aprofundar o mistério. O real não é real.
O alemão Andreas Gursky é o autor da foto mais cara da história: um panorama do Rio Reno vendido por US$ 4,3 milhões. Como em outros trabalhos dele, essa imagem foi inteirinha montada, juntada, manipulada, criada no computador. Aí já não é demais?
A fotografia autoral, que é a que figura nas maiores galerias, bienais, museus e leilões, divide-se em duas partes. A capturada e a construída. As duas caminham lado a lado criando múltiplas subdivisões, mais ou menos como aconteceu com a pintura depois do impressionismo, com o aparecimento das diversas escolas modernas como a abstrata, a cubista, a expressionista, etc. A utilização ou não de tratamentos digitais é só uma das técnicas utilizadas nas muitas escolas de imagem que temos hoje. Manipulada toda foto sempre foi. O filme fotográfico, e agora o chip, não vê as coisas como vemos, ou como sonhamos. Então temos que adequar o meio ao nosso olhar ou à nossa imaginação.
Um lado curioso é que, nesse caso, a tecnologia não democratiza a fotografia. A torna, isso sim, para deleite de poucos.
Como a pintura, ou a literatura, a fotografia nunca foi e nem será democratizada. Só por que você tem o Word no computador não significa que possa escrever um romance. Vale o que dizia Degas: "Se você não sabe pintar, pintura é a coisa mais fácil que existe (é só pegar uma tela, um pincel e tinta e pintar). Mas se você sabe, pintura é praticamente impossível".