sábado, 18 de maio de 2013

Pontos abertos (sobre médicos importados)



O Brasil precisa importar médicos? Segundo o governo, os cubanos, portugueses e espanhóis seriam bem-vindos. Mas eles viriam mesmo?

18 de maio de 2013 | 16h 00
Juliana Sayuri - O Estado de S.Paulo
Tempo de médicos com fronteiras. E a nacionalidade é só uma delas. O imbróglio começou dias atrás, com a possível vinda de 6 mil médicos cubanos, contratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e destinados a cidades esquecidas no interior, mediante um acordo noticiado pelo chanceler Antônio Patriota. O Conselho Federal de Medicina chiou. Na terça-feira a medicina voltou à baila, com a possível "importação" de médicos portugueses e espanhóis, uma "prioridade" na expressão do ministro Alexandre Padilha. O conselho protestou. "O Brasil precisa de mais médicos, mas bons médicos", disse o ministro Aloizio Mercadante, afastando a possível flexibilização do rigoroso Revalida, o sistema de validação de diplomas médicos obtidos no exterior. Ainda assim, o conselho foi esbravejar na Procuradoria-Geral da República contra a porteira aberta pelos três ministérios.
"A discussão sobre a possível vinda de médicos estrangeiros, como panaceia mirabolante para solucionar vazios assistenciais no território nacional, está mal localizada. É preciso ter uma discussão mais abrangente: qual é o modelo de sistema de saúde que queremos?", questiona Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) na área de políticas e sistemas de saúde. Mineiro, Scheffer estudou em Juiz de Fora, Campinas e São Paulo. Ativista, jornalista e pós-doutor na USP e na Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa, Scheffer vive na capital paulista desde 1992. Paralelamente à atividade acadêmica stricto sensu, há tempos se dedica ao ativismo na luta contra a aids, principalmente com o Grupo Pela Vidda.
Para Scheffer, coordenador do estudo Demografia Médica no Brasil (financiado por CFM e Cremesp), a importação seria mero paliativo para o déficit de médicos em determinados rincões do País. Um band-aid que faria cócegas numa sangria desatada. "Além disso, qual será o fator atrativo para médicos estrangeiros virem ao Brasil? É intrigante, pois não há. Não se pode esperar uma legião estrangeira", diz. Bem-vindos, pois. Mas virão?
Muito se debateu a vinda de médicos estrangeiros para suprir o déficit em certas áreas do País. Por que tanta discussão?
A discussão sobre a possível vinda de médicos estrangeiros, como panaceia mirabolante para solucionar vazios assistenciais no território nacional, está mal localizada. É preciso ter uma discussão mais abrangente: qual é o modelo de sistema de saúde que queremos? É preciso compreender as razões para as desigualdades de distribuição dos médicos em determinados pontos no Brasil. Isso se dá em três níveis. Primeiro, a desigualdade geográfica. De fato, temos altas concentrações de médicos nas capitais e nas regiões Sul e Sudeste. Segundo, a diferença entre o público e o privado. Há muito mais médicos e mais recursos no setor particular, o que é incompatível com um sistema de saúde que se pretende universal. Terceiro, a distribuição irregular nas especialidades. Afinal, há diferentes perfis e necessidades nas diferentes regiões e cidades. Portanto, não bastam medidas paliativas, que não interferem nas causas dessa desigualdade. Tais medidas imediatistas são cortina de fumaça, que escondem os reais problemas. É quase que escamotear os reais motivos da ausência de médicos nas regiões Norte e Nordeste, por exemplo. Não me parece adequado responsabilizar os médicos brasileiros, como se fosse apenas uma decisão individual não ir a esses lugares. É uma visão muito simplista. Estamos diante de um problema político e estrutural.
O que justifica os vazios assistenciais?
Estudando a migração interna de médicos, vimos que eles têm preferido os mesmos lugares: as grandes cidades, nas regiões Sul e Sudeste. Há diversos fatores decisivos para essa movimentação – e não só a questão salarial. É uma trinca: oportunidade e remuneração atraente; possibilidade para dar continuidade à formação e aprimoramento profissional; e estrutura para garantir condições de trabalho adequadas. Logo, quando se diz que tal cidade está abrindo vagas com bons salários, e os médicos brasileiros não estão interessados, é porque eles pesam essas outras condições. Esse fluxo para os mesmos lugares indica que o simples aumento do contingente de médicos, abrindo mais faculdades ou flexibilizando a entrada de estrangeiros, não será suficiente para resolver o déficit nas cidades do interior e nos rincões do País. Fizemos um estudo sobre os médicos estrangeiros que já estão no Brasil, com diplomas validados e inscrições nos conselhos. São 7.200 médicos – estrangeiros e brasileiros formados lá fora. E notamos que eles buscam os mesmos lugares. Desses 7 mil, há 215 profissionais cubanos. 40,2% deles estão nas capitais.
Mas a ideia inicial, segundo os ministros Antonio Patriota e Alexandre Padilha, seria encaminhar esses médicos ‘importados’ para essas cidades necessitadas.
Pois é, mas ainda não temos todos os elementos para avançar nessa discussão. Até agora, as informações foram fragmentadas. Quais serão as regras? Quanto tempo ficarão nessas áreas necessitadas? Por que resistiriam mais tempo ali que os médicos brasileiros? E que quesitos serão oferecidos para atrair médicos estrangeiros para cá? Isso provoca outra discussão: a revalidação do diploma. Os países desenvolvidos adotam medidas para revalidação do diploma, independentemente da nacionalidade do médico estrangeiro, sem privilégios nem deméritos. Qualquer tentativa para fragilizar esse rigor da revalidação seria um risco. Na atual degradação calamitosa da formação médica no Brasil, muitos médicos teriam imensa dificuldade em revalidar o diploma brasileiro em outros países. Se nossos médicos, recém-formados e egressos das universidades, tivessem que passar por um exame... Na experiência paulista, a obrigatoriedade do exame indica sérios problemas na formação. Mas são avaliações totalmente diferentes: uma destinada a medir equivalência do diploma; outra voltada para a formação de nossos médicos.
O CFM respondeu furiosamente à possível vinda de médicos ‘importados’, usando a expressão ‘pseudomédicos’.
Há certo corporativismo, mas também uma fúria virulenta contra a discussão sobre as regras para revalidação. O Revalida é um exame ancorado nos parâmetros do próprio governo – que não são mais rigorosos que os que um médico brasileiro enfrentaria em outros países. O que está provocando discussões vigorosas é a revalidação automática. Neste ponto, concordo com o CFM. Penso que, se essa questão for esclarecida, a resistência diminuiria. Tradicionalmente, Cuba tem uma formação mais voltada para a atenção básica, o que é importante para qualquer sistema de saúde. Com bons médicos na atenção primária, é possível solucionar até 85% dos problemas de saúde, desafogando prontos-socorros e complicações. Bons médicos, com diploma revalidado, seriam bem-vindos. Independentemente da nacionalidade. Porém, foi apresentada essa medida sem antes ter esgotado outras alternativas, que podem ser mais eficazes.
Por exemplo?
O plano de carreira federal. Para municípios longínquos, um plano com previsão de rotatividade e possibilidade de ascensão atrairia mais médicos. Assim foi possível, parcialmente, promover a presença da Justiça em cidades de difícil acesso. Em 2010, ainda com o ministro José Gomes Temporão, foi feita uma proposta de carreira voltada para a atenção básica para cidades com determinadas necessidades. Mas a proposta foi abortada, por decisão política, imagino. Era uma alternativa, mas não foi experimentada. Outras, experimentadas, não surtiram muitos resultados, como o Provab, que pretende dar benefícios a recém-formados para irem a essas áreas. Enfim, não há uma resposta. É preciso ter uma combinação – e a vinda de médicos estrangeiros pode contribuir com isso, reitero, desde que acompanhada por critérios rigorosos. Os moradores de cidades isoladas, já absolutamente carentes de saúde, não merecem uma medicina inferior. São os que mais precisam e mais sofrem com a falta de médicos. É um fluxo perverso: muitas vezes, os médicos com formação frágil (de universidades brasileiras ou estrangeiras) acabam atendendo justamente as populações mais necessitadas. Uma medicina pobre para pobres. Para solucionar isso, a combinação é complexa: passa por maior financiamento do sistema público, maior desenvolvimento das regiões socioeconômicas e remuneração acompanhada de plano de carreira.
Mas mais médicos no Sul e Sudeste não quer dizer que a saúde seja melhor ali, certo? Certo. Há capitais brasileiras com concentração maior que em países da União Europeia. Em Vitória, há 11 médicos por mil habitantes. Em São Paulo, há 4 (A OMS recomenda um médico para cada mil habitantes). Isso não se reflete em melhor atendimento. E não quer dizer que eles estejam presentes onde deveriam. Vivemos uma situação inusitada na capital paulista: temos alta concentração de médicos e mais de 60% da população vinculada a planos particulares, faltando profissionais para atender a esse setor particular, que cresceu mais do que poderia oferecer.
Essa distribuição irregular acontece em outros países?
Sim. Mas, no Brasil, o agravante são as desigualdades acirradas. O desenvolvimento socioeconômico de certas regiões não é atrativo – e nossa dimensão continental amplia essa disparidade. Há ainda o caráter híbrido e disfuncional do sistema de saúde brasileiro, a combinação perversa do público e do privado. Estamos numa encruzilhada. Vamos apostar – nós, o governo e a sociedade – no sistema de saúde idealizado na Constituição, igualitário e justo, em que as pessoas são atendidas de acordo com as necessidades? Ou vamos apostar na privatização do sistema, um modelo excludente em que as pessoas são atendidas de acordo com o poder aquisitivo? Esse segundo é um modelo fracassado, como mostrou o caríssimo e ineficaz sistema dos Estados Unidos. Enquanto isso, países como Canadá, França e Inglaterra, que privilegiam a universalidade do sistema de saúde, em que o SUS se inspirou, são majoritariamente financiados por recursos públicos (mais de 70%). No Brasil, temos essa equação invertida. Temos um sistema universal, mas uma estrutura liberal. O privado subtrai do público não apenas recursos financeiros, mas recursos humanos e principalmente médicos. Aí a conta não fecha. A saúde virou ocasião de negócio. Era para ser um direito, mas se tornou mais uma mercadoria. Os efeitos colaterais são imensos. A saúde é uma discussão política. Lembra a abertura da Olimpíada de Londres? O sistema de saúde inglês era hasteado como um dos símbolos nacionais. A sociedade brasileira, por acaso, se orgulha do SUS?
O ministro Alexandre Padilha citou Canadá e Inglaterra como países com políticas para atração de médicos estrangeiros.
Os três – Canadá, Estados Unidos e Inglaterra – têm regras rigorosas para revalidação de diplomas. Também têm modelos para atrair profissionais, a tal trinca. Por isso há um movimento pendular muito forte nesses países. Essa não é nossa realidade. Qual será o fator atrativo para estrangeiros virem para o Brasil? É intrigante, pois não há. A experiência histórica mostra que eles não virão. Atualmente há 54 portugueses e 11 espanhóis. Não se pode esperar uma legião estrangeira.
Qual é o perfil do médico no Brasil?
É um perfil jovem, na casa dos 40 anos. A "novidade", desde 2009, é o crescimento das mulheres na medicina. Ainda é uma profissão predominantemente masculina (60%), mas as mulheres estão conquistando mais espaço. É um fenômeno global promissor. No Brasil, há 400 mil médicos – nunca tivemos tantos. De 1970 para cá, tivemos um aumento de 557%. Aí há duas questões: a formação e a distribuição. Por um lado, tivemos um boom desordenado de novas escolas médicas (muitas sem as mínimas condições, sem hospitais universitários). Por outro, a distribuição é cada vez mais irregular. E, desses 400 mil, apenas 55% estão no SUS. É muito, muito pouco. A saúde está sendo pilhada no Brasil: ficou sem os 30% do orçamento previsto na Constituição de 1988, viu o desvirtuamento da CPMF e, na regulamentação da Emenda Constitucional 29, ficou sem os 10% previstos. A medicina ainda é uma profissão prestigiada, mas tem adquirido um perfil preocupante. Atualmente, o médico lida com duas características: a multiplicidade de vínculos (tanto no setor público quanto no privado) e a carga horária excessiva (mais de 50 horas semanais). O médico se tornou refém desse sistema.

Plano Diretor de SP tentará levar moradores ao centro e empresas à periferia



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GIBA BERGAMIM JR.
EDUARDO GERAQUE
DE SÃO PAULO
Nas periferias, dar incentivos, como redução de impostos, para que empresas se instalem e aproximem os empregos das casas dos moradores. No centro expandido, onde estão os postos de trabalho, atrair pessoas para morar.
As propostas estão no novo Plano Diretor Estratégico da prefeitura, um conjunto de diretrizes urbanísticas para definir como a cidade de São Paulo deve se desenvolver nos próximos dez anos.
As audiências públicas para ouvir sugestões da população começaram em abril e devem seguir até o início de junho. O projeto será entregue pelo prefeito Fernando Haddad (PT) no segundo semestre à Câmara Municipal, onde será votado.
O último Plano Diretor foi feito em 2002, na gestão Marta Suplicy (PT), tendo como foco estipular limites de altura para prédios e ampliar as outorgas -taxas cobradas para interessados em construir acima do padrão.
O ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) chegou a fazer uma revisão em 2012, que será, porém, arquivada. As discussões vão começar de novo.
"Agora, a ideia fundamental é criar uma cidade onde as pessoas possam se deslocar menos e tenham acesso a serviços, comércio e lazer mais perto de onde vivem", diz Nabil Bonduki, vereador pelo PT, relator do plano e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
O plano de atrair moradias para a região central prevê tanto a ocupação de prédios subutilizados como também a construção de unidades em parceria com o Estado.
Com isso, devem surgir edifícios sem garagem ou com vagas limitadas a somente um carro -como estímulo ao uso de transporte público.
arco do futuro
A ideia de levar empregos para os bairros mais distantes visa mudar a lógica atual -pela qual só 6 dos 96 distritos concentram 65% das ofertas de trabalho. A lista é formada por Sé (centro), Lapa, Pinheiros (zona oeste), Vila Mariana, Santo Amaro (zona sul) e Mooca (zona leste).
O Plano Diretor deve prever, para reverter esse quadro, mudanças na legislação de uso e ocupação do solo (para dizer aquilo que pode ser construído em cada lugar) e orientar investimentos públicos em bairros que a prefeitura pretende desenvolver.
No campo político, um dos objetivos do relator da proposta é inserir a ideia do Arco do Futuro, promessa de campanha de Haddad.
Em linhas gerais, ela envolve criar polos empresariais em avenidas que estão fora do centro expandido.
O arco engloba a avenida Cupecê (zona sul), segue pelas marginais Pinheiros e Tietê, margeia os municípios de Osasco e Guarulhos (Grande São Paulo) e segue pela Jacu-Pêssego (leste) até a divisa com Mauá (região do ABC).
Editoria de Arte/Folhapress
DESAFIOS
O professor da FAU-USP Emílio Haddad afirma que, além de fixar as diretrizes urbanísticas da cidade, um dos principais desafios do plano é implementá-lo na prática.
O urbanista Renato Cymbalista lembra que o plano em vigor previa o aumento do IPTU para imóveis vazios em toda a cidade. A medida, porém, foi levada adiante somente na região central
Esse instrumento, afirma ele, "forçaria os proprietários a colocarem seus imóveis no mercado, aumentando a oferta e viabilizando novos empreendimentos de habitação de interesse social em áreas bem localizadas".
O Secovi (sindicato da construção) apoia a proliferação dos minibairros na cidade, a exemplo do Jardim das Perdizes (zona oeste), pleito que também será discutido no plano.
São grandes terrenos nas mãos de empreiteiras que elaboram projetos de uso misto, com imóveis residenciais e comerciais numa mesma área. As construtores acreditam que, desde que não sejam condomínios fechados com muros, esta é a tendência urbanística da cidade.
A arquiteta Regina Meyer, professora titular da FAU, defende a limitação do tamanho de condomínios fechados, muitos deles construídos em antigas áreas industriais.
"São glebas de mais de 30 mil metros quadrados que estão sendo ocupadas assim. A pessoa que mora no entorno caminha ao longo de enormes muros. São áreas sombrias, sem vivacidade urbana", afirma.
Combinar emprego com moradia ou vice-versa resolve apenas parte do problema.
A implementação de soluções para aumentar a mobilidade também está bastante atrasada, revelam os números oficiais. No plano diretor de 2002, a proposta era construir 325 km de corredores de ônibus. Mas, até hoje, somente 85 km foram feitos pelas diversas gestões municipais no período.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Casas populares devem superar padrão antigo


Autor(es): Por Marleine Cohen | Para o Valor, de São Paulo
Valor Econômico - 17/05/2013

Em pleno século XXI, o Brasil ainda é prisioneiro dos paradigmas da habitação popular dos anos 70. Está construindo as mesmas casas que o antigo BNH (Banco Nacional da Habitação) e, num futuro próximo, elas não serão mais aceitas pela população a que se destinam, pois não incorporaram novos conceitos, materiais e parâmetros, nem se adequaram às atuais exigências da sociedade.

A constatação, feita pelo professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e membro da coordenação das Engenharias da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Wanderley John, encontra eco na reforma preconizada pela Agência Brasileira da Inovação (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que em 2010 fez uma chamada pública para formar uma rede de pesquisadores de universidades públicas interessados em lançar um novo olhar sobre a forma de planejar habitação de interesse social (HIS) no Brasil.

Estudar novas políticas, tipos arquitetônicos e métodos construtivos, incorporando tecnologia social no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida, era o principal objetivo da convocação, atendida por sete das principais universidades do país mais a Fiocruz, em torno da chamada Rede Finep. A um dos grupos selecionados - o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur/UFRJ) - coube a tarefa de elaborar 13 projetos de arquitetura alternativos ao modelo tradicional de conceituar, projetar e construir HIS.

Resultado: a inovação incorporada na planta dos conjuntos habitacionais doravante construídos pelo governo federal já pode ir muito além de tijolos e cimento, e empregar como matéria-prima noções de sustentabilidade e integração de espaços, sem deixar de acolher conceitos arraigados nas comunidades, como a construção de "puxadinhos" e o traçado de vielas para locomoção.

Usando como cenário a favela da Rocinha - com seus desafios em forma de elevada taxa de ocupação do solo, desníveis das encostas, péssimas condições de acessibilidade e mobilidade; travessas, escadarias e becos onde vicejam doenças provocadas pela falta de ventilação e insolação -, a equipe chefiada pelo arquiteto Luiz Carlos Toledo projetou unidades que variam desde um pequeno estúdio (conjugado) com cerca de 22 m 2 a apartamentos de quatro dormitórios, com 85 m 2, "concebidos para atender à diversidade das famílias contemporâneas em termos de tamanho e composição familiar". Ainda segundo Toledo, "os tipos foram projetados de modo a dar às unidades habitacionais a maior flexibilidade possível, admitindo diversos arranjos dos cômodos de uma mesma edificação e, no caso das HIS evolutivas, o aumento da área da unidade".

De fato, segundo o arquiteto Alberto Barbour, sócio da Urdi Arquitetura, esta é a primeira diretriz da moderna construção civil: "À lógica dos "puxadinhos" desorganizados de antigamente se sobrepõe, hoje, uma estruturação modelada, que permite o crescimento da casa de dentro para fora, impulsionada por novas tecnologias que facilitam o processo de construção".

Ao lado da opção por um processo de montagem baseado em sistemas estruturais pré-fabricados e componentes arquitetônicos industrializados - painéis de concreto pré-fabricados, estruturas metálicas (pilares, vigas e lajes), esquadrias e painéis de fechamento de fachadas em PVC ou chapa dobrada e paredes de gesso cartonado, entre diversos materiais modernos -, a equipe do arquiteto Toledo também procurou dotar os projetos modulares de espaços próprios para atividades comerciais e de prestação de serviços, que possam complementar a renda das famílias. Pensando nisso, foram criados pilotis nos prédios para agregar espaços de comércio e lazer às construções.

Este é um outro olhar inovador sobre as HIS lançado pelo Ippu/UFRJ, explica a arquiteta Verônica Natividade, integrante da equipe: "Procuramos responder ao desafio de um melhor aproveitamento da infraestrutura urbana, atribuindo às unidades um papel ampliado, que vá além do fornecimento do abrigo", explica, lembrando que "se adotou como premissa que as HIS podem e devem ter um papel relevante na organização espacial de aglomerações que surgiram, cresceram e se consolidaram sem nenhum tipo de planejamento".