quarta-feira, 20 de março de 2013

Oportunidade histórica para o biodiesel


Carlo Lovatelli *
O Brasil tem uma chance histórica de mudar para melhor a sua matriz de combustíveis. Todas as condições estão dadas para o governo ampliar, imediatamente, de 5% para 7% a mistura de biodiesel ao diesel mineral e estabelecer um porcentual bem mais elevado para 2020. Desde 2010, o índice de 5% de mistura obrigatória de biodiesel ao diesel consumido no mercado doméstico não evolui, apesar de a oferta de matérias-primas ser muito superior à demanda.

Em 2013, pela primeira vez, o Brasil será o maior produtor mundial de soja em grão, deslocando os EUA dessa posição. O País deverá produzir mais de 82 milhões de toneladas de soja, dos quais 38 milhões serão processados em fábricas esmagadoras. Com isso, haverá disponibilidade recorde de 7,4 milhões de toneladas de óleo de soja, suficiente para garantir o aumento da participação de biodiesel na matriz de transportes brasileira, sem prejuízo do consumo alimentar, industrial ou das exportações.

Atualmente, cerca de 76% do biodiesel produzido no Brasil tem a soja como matéria-prima, seguida de 17% de sebo bovino e 4% de óleo de algodão. Há, ainda, melhor aproveitamento de resíduos, como nos casos do óleo de fritura usado e do sebo bovino. Como se sabe, o biodiesel polui substantivamente menos do que o diesel mineral, e o impacto inflacionário de um aumento do porcentual na mistura seria mínimo. Quando consumido no Brasil, o biodiesel de soja é responsável por reduções superiores a 70%, em comparação com o diesel mineral europeu, segundo estudo da Delta CO2, empresa ligada à Esalq-USP.

Do ponto de vista da inflação, estudos mostram que o aumento do uso de biodiesel geraria alterações imperceptíveis nos índices de preços IPCA, IGP-M e IPA. A adoção imediata do B7 (7% de biodiesel misturado ao diesel mineral) provocaria um aumento próximo a R$ 0,01 nos preços das passagens de ônibus urbanos. A mesma evolução no porcentual de mistura (B7) elevaria o custo da cesta básica nacional em algo como R$ 0,20/unidade.

Em termos de dependência energética, constata-se que, ao menos no curto e no médio prazos, a maior inserção do biodiesel reduziria a necessidade de importação de diesel mineral. Hoje essas importações representam cerca de 20% do consumo interno de diesel. Outra vantagem é a oportunidade de contribuir para o desenvolvimento da agricultura familiar, que forneceu para a produção de biodiesel quase 2 milhões de toneladas em matérias-primas em 2011.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, mais de 100 mil famílias brasileiras que produzem biodiesel estão vinculadas à agricultura familiar. Em 2011, cada família recebeu, em média, R$ 14.500 no âmbito do PNPB, além de assistência técnica especializada. O setor gerou cerca de 86 mil empregos naquele ano.

Grandes instalações, com capacidade de produção de mais de 700 mil m³, devem iniciar operações de produção de biodiesel nos Estados de MT, PR, SC e RS ainda em 2013. A capacidade industrial nacional de produção gira em torno de 7,40 milhões de m³/ ano. Em 2012 o País produziu 2,71 milhões de m³ e, em 2011, 2,67 milhões de m³. Temos, pois, condições de assegurar o abastecimento, se a mistura passar a ser o B7, apenas utilizando a capacidade não utilizada.

O setor de biodiesel reúne 61 empresas autorizadas a comercializar biodiesel, das quais 70% operam ativamente nos leilões bimestrais promovidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Em termos agregados, o setor movimentou, só nas vendas dos leilões ANP, cerca de R$ 6 bilhões, em 2011 e em 2012. Esse é o mercado predominante no País. Mas há ainda vendas a frotas cativas, por exemplo, em projetos de ônibus urbanos movidos a B20, em São Paulo e Curitiba.

O Brasil é o quarto maior produtor mundial do biocombustível, atrás de EUA, Argentina e Alemanha, e tem plenas condições de assumir a liderança mundial nesse mercado, seguindo sua tradição de incentivo às energias renováveis. A sociedade brasileira ganha com o incentivo ao uso de mais biodiesel na mistura com o diesel mineral.

* Carlo Lovatelli é presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais.

Vale tudo? (sobre o vale cultura)


Sérgio Augusto
SÃO PAULO - Vale Cultura ou Vale-Cultura? Antes fosse o hífen a única dúvida a respeito do mais novo benefício lulista à classe trabalhadora. Depois do transporte, da refeição, do gás e não sei do que mais, o lazer e a cultura. Com ou sem hífen, o programa não teria sido aceito de bom grado pelos setores da oposição que nas iniciativas do governo só enxergam a demagogia populista e a matreirice eleitoreira. É sempre bom desconfiar das intenções de qualquer governo, mas ainda não consegui ver nada que desabone esse estímulo ao consumo cultural pelas classes sociais de baixo poder aquisitivo. 

Quem pode ser contra a inclusão (estimada) de quase 20 milhões de brasileiros no mercado consumidor de bens e serviços criativos? Quem pode ser contra uma injeção de R$ 11,3 bilhões na cadeia produtiva cultural e a geração de novos empregos em teatro, cinema, livrarias, etc.? Quem pode ser contra uma medida que, em tese, deverá contribuir para a formação de novos apreciadores e produtores de cultura? Essa é a visão mais otimista. Ou a mais romântica e ingênua, na opinião de alguns céticos cascudos, que se recusam a dissociar o aprimoramento do espírito de uma boa formação escolar. 

Recapitulando: os trabalhadores que ganham até cinco salários (R$ 3.390, quando a lei entrar em vigor, daqui a quatro meses) receberão das empresas que aderirem ao programa um cartão magnético pré-pago, no valor de R$ 50, para gastos com "despesas culturais", descontando 10% em folha. Quem recebe mais de cinco salários terá desconto proporcional. A adesão é facultativa. Para empregados e patrões. Estes abatem no imposto de renda e os empregados podem acumular "pontos": quem só gastar a metade do cartão num mês, terá assegurado um saldo de R$ 75 no mês seguinte. 

Reivindicação antiga do pessoal do cinema e do teatro, tomou dois anos de conversas do Minc com a Receita Federal e o Ministério da Fazenda. Receita e Fazenda afinal concordaram que o vale não significaria despesa, mas investimento, com reflexo não só na economia como até nas próximas aparições do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano. Aprovado pela presidência em dezembro, o projeto de lei foi enviado à Câmara dos Deputados, para as emendas cabíveis. 

"Dinheiro público não pode ser usado em baile funk", bradou um parlamentar, sem esclarecer se fizera uma objeção estética, do tipo "funk não é cultura", ou econômica: bailes funk, de tão populares, dispensariam incentivos do governo. Funk é cultura, gostemos dele ou não. O vale-cultura cobre apenas a compra (de ingressos, produtos culturais, até de instrumentos musicais), não a produção ou promoção do que quer que seja. Só não será possível adquirir ingressos para bailes funk com o cartão se algum limite for imposto ao elenco de diversões favorecidas pelo programa. Num fórum na internet, um engraçadinho, partindo do princípio de que "sexo também é cultura", perguntou se compras em sex shops e ingressos em motéis terão cobertura do cartão. 

Marta Suplicy, que, ao contrário do que se previa, não entrou com o pé esquerdo no ministério (em poucas semanas sustou a demolição do prédio do Museu do Índio, no Rio, anunciou uma digitalização em massa de salas de exibição cinematográfica, e, de lambujem, espinafrou a eleição do deputado federal e pastor Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias do Congresso Nacional), até agora só tropeçou duas vezes na promoção do vale-cultura. 

Ao alardear que o programa será para o segundo mandato de Dilma o que o Bolsa Família foi para a reeleição de Lula, arriscou dar ao vale um labéu eleitoreiro. Ao acenar com a inclusão de pacotes de TV por assinatura entre os benefícios do cartão, atraiu a ira de quem tenta sobreviver com a venda de artefatos culturais sem um centésimo do apelo popular da Net e da Sky TV. 

"O vale-cultura foi pensado para dar ao cidadão acesso a instrumentos culturais dos quais esteja excluído, e a televisão não é um deles", reagiu de pronto um porta-voz da comunidade teatral. "O cidadão que assina um pacote de canais contando com o dinheiro do vale-cultura se compromete imediatamente a pagar aquele mesmo valor ao longo de muitos meses, ficando sem dinheiro para outro bem cultural; menos ainda para o livro", ponderou Sônia Jardim, presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros. 

Como o baile funk, canal a cabo também é cultura. Sua inclusão, aliás, já fora insinuada pelo ex-ministro Juca Ferreira quando ao divulgar sua cria, em julho de 2009, observou que "menos de 20% dos brasileiros estão incorporados nas atividades culturais que não venham da TV aberta". Em linguagem mais simples: cerca de 80% dos brasileiros ainda não tinham acesso à TV paga, quatro anos atrás. E muitos dos que já assinam a Net ou a Sky estão inadimplentes. 

Os maiores beneficiários da inclusão de canais a cabo no pacote seriam as operadores de TV por assinatura. Daí a vibração de seus representantes, cujo argumento de que é preciso atender aos brasileiros que têm a televisão "como única fonte de informação e entretenimento" é uma falácia. Por que estimular o estreitamento de horizontes, já tão estreitos, dos nossos trabalhadores? 

O cineasta Cacá Diegues, em artigo publicado no jornal O Globo, em 9 de março, colocou a questão em outra perspectiva. A televisão paga no Brasil, escreveu Diegues, "só tende a crescer, como signo de mobilidade social e ascensão de classe", mas esse crescimento, "por enquanto, só favorece a produção audiovisual estrangeira, a maioria absoluta de sua programação."

Três dias depois, a ministra voltou atrás e excluiu das benesses a TV por assinatura. Fez bem, até porque os nossos canais a cabo e por satélite já não se distinguem dos abertos e gratuitos. A má qualidade é a mesma: filmes dublados e repetidos ad nauseam, comerciais em profusão, pacotes caros e engessados, fora outros abusos propiciados pela falta de concorrência. Dos cento e poucos canais que minha assinatura da Sky cobre, quase 90% me são absolutamente dispensáveis, mas não há como me livrar deles sem perder alguns fundamentais. Ainda bem que a televisão continua sendo a minha última fonte de informação e entretenimento.

A reparação


Inovadora, a microcirurgia reconstrutiva faz milagres, mas não dá conta da imprudência do brasileiro

16 de março de 2013 | 16h 33

Mônica Manir - O Estado de S. Paulo
Numa visão micro, digamos assim, uma artéria, três veias, dois músculos flexores, um músculo extensor, três nervos e o revestimento cutâneo esperavam seus complementos no braço que Alex Siwek atirou em um córrego da Av. Ricardo Jafet, em São Paulo, no domingo passado. Numa tomada macro, ansiavam no Hospital das Clínicas a equipe médica e o dono do braço extirpado, David Santos Sousa, o ciclista de 21 anos abalroado na Paulista por um carro aparentemente tão embriagado quanto Alex. A parte não encontrou o todo. David continuou amputado. E uma das doutoras do HC não se aguentou no Facebook: "Estávamos prontos para tentar o reimplante e infelizmente a polícia, juntamente com os bombeiros, não conseguiram encontrar o braço no rio". Rachel Baptista, a médica, ainda substantivou o motorista de "monstro", expressão que mais tarde apagou.
Em foco. Intervenções são longas, com remuneração precária e não proporcional à sofisticação - Stela Murgel
Stela Murgel
Em foco. Intervenções são longas, com remuneração precária e não proporcional à sofisticação
Rachel é colega de Marcus Castro Ferreira, cirurgião plástico pioneiro em microcirurgia reconstrutiva no Brasil e na América do Sul. Em 1972, usando um microscópio emprestado da neuro, um instrumental adaptado da oftalmo e fios de náilon 8-0, ele reconectou a mão direita de uma jovem que perdeu o membro numa guilhotina de cortar papel. Alguns dias depois, eis Ferreira em outro caso de mão reimplantada, desta vez a esquerda, e num caso rumoroso. Dizia-se que o paciente havia patrocinado a laceração para receber um seguro das arábias.
Na época corria-se contra os ponteiros, já que o reimplante tinha de ser feito entre 6 e 12 horas depois da lesão. Em 50 anos de vida, a microcirurgia reconstrutiva ganhou materiais sofisticados e pessoal de ponta – "é uma das áreas da cirurgia que mais cresceram nos últimos anos", afirma Ferreira –, mas continua atada a esse tempo restrito de sucesso. O membro amputado, em especial os maiores, precisam chegar ao hospital o quanto antes e em bom estado de conservação.
"Ou seja, limpos e a cerca de 4ºC", diz o ortopedista Rames Mattar Jr., chefe da disciplina de trauma, mão e microcirurgia reconstrutiva do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da USP. Na dificuldade para medir o bom estado de conservação e os 4 graus, Mattar recomenda lavar com cuidado o membro para tirar a contaminação grosseira. Depois envolvê-lo em um tecido limpo e zarpar para um pronto-atendimento onde houver um médico. Ali se espera que sejam usadas substâncias antissépticas, uma compressa estéril na parte cruenta, um saco plástico estéril em volta do membro e, por fim, uma geladeira ou isopor com água e gelo. "Somos um país tropical e o calor acelera o problema", destaca. Há casos na literatura com 40 horas de amputação de dedo, mas foi um trauma de esqui – temperatura glacial, portanto.
O que se pretende é evitar a isquemia. Porque, nesse estado de falta de circulação de sangue, o tecido muscular começa a produzir ácido láctico. Quando se refazem os vasos no reimplante e se solta o clamp para o sangue entrar no membro amputado, o sangue da volta pode provocar uma acidose metabólica e levar à parada cardíaca do paciente. "Quando a parte amputada inclui muito tecido muscular, o tempo de isquemia é absolutamente crítico", diz Mattar.
Se o membro chegou a tempo de os médicos fixarem o osso com placa e parafusos e fazerem artéria e veia, começam os detalhamentos musculares, neurais e vasculares, que podem tomar 10 horas, 12, até mais de 20. Quanto mais distal, mais na extremidade, maior a dificuldade técnica – as artérias chegam a milímetros de espessura. Numa amputação de oito dedos causada por uma prensa, duas equipes do HC levaram 22 horas para o reimplante. Por isso a cirurgia só é feita com o paciente clinicamente estável.
Não era o caso imediato de Mariana Vasconcelos Arena, de 32 anos, professora de educação infantil. Há uma década, num acidente gravíssimo e sem cinto de segurança, ela perdeu o polegar, que ficou preso embaixo do banco do passageiro. "Foi uma perda por avulsão." Por arrancamento, em suma. Os policiais recuperaram o polegar, mas os médicos titubearam para fazer o reimplante porque ela também havia fraturado a mão em várias partes e também a bacia. Uma vez estável, passou pela reimplantação, depois pela fisioterapia e hoje tem o dedo quase perfeito, apenas sem a sensibilidade original. Precisa atentar para os quentes e cortantes.
Acidentes de carro são notórios, mas não encabeçam a lista dos que provocam amputação ou esmagamento de membros. No topo estão os acidentes de trabalho, nos quais sofrem especialmente os dedos. Pelo Anuário Estatístico da Previdência Social de 2011, entre 711 mil ocorrências naquele ano, os dedos são os mais afetados (134 mil casos), seguidos de mãos (40 mil), antebraços (19 mil) e braços (18 mil). Na maior parte das vezes eles ficam sob prensas – seja por falta de manutenção da máquina, seja por falta de atenção de quem a manuseia. Já nos acidentes domésticos, os cirurgiões perceberam que impera a economia informal e temerária das serras e cortadoras, o descaso com fios desencapados e a estética beligerante dos anéis, que levam consigo os dedos em enganchamentos bobos.
Acidentes com motos estão subindo nas pesquisas das mutilações, especialmente por falta de atendimento correto. "Somente em São Paulo se faz a reconstrução de pernas e pés, então no resto do Brasil se amputa", afirma Marcus Ferreira. "Por isso o Ministério da Saúde está querendo fazer uma portaria sobre centros de trauma de membros, que virou um problema de saúde pública."
Mattar vai na mesma linha quando mostra um levantamento sueco revelando que há cerca de 14 amputações de membros superiores a cada milhão de habitantes. "Se o Brasil fosse a Suécia, seriam 2.800 vítimas de amputações de membro superior com indicação para reimplantes por ano, mas a situação deve ser bem pior", presume. "A absoluta maioria desses pacientes, em geral gente humilde, não receberá atendimento especializado adequado, desenvolverão sequelas graves e engrossarão a fila dos incapacitados do País."
Numa comparação de valores, enquanto o transplante hepático recebe R$ 82 mil do SUS por cirurgia, o Centro de Microcirurgia Reconstrutiva e Cirurgia de Mão do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da USP, criado em 2010 e o único com atendimento gratuito 24 horas, ganha R$ 300 por intervenção com uma semana de internação, equipe médica, alimentação, enfermagem e medicamento. "Qual hospital quer fazer reimplante?", questiona Mattar. Ele lembra que, não por outro motivo, cirurgiões plásticos brasileiros preferem seguir a carreira da estética, e ortopedistas optam por cuidar de coluna e joelho. Seguem o dinheiro.
Em termos de reimplante, as atenções hoje se voltam para o uso de membros de cadáver. O nome para isso é Pedro Cavadas, cirurgião valenciano que, em 2011, fez o primeiro transplante duplo de pernas do mundo. O paciente era um rapaz que sofrera um acidente de trânsito severo. Sobraram-lhe 15 centímetros de extremidades em cada perna, o que, a priori, impossibilitaria a adaptação às próteses. Cavadas também foi o pioneiro no transplante de face que incluiu mandíbula e língua, em 2009, e deve vir ao Brasil em maio para um simpósio sobre avanços da microcirurgia no Hospital Sírio-Libanês. É quando se saberá se o rapaz bi-reimplantado conseguiu responder às novas pernas.
O transplante de membros de cadáveres é controverso não só por questões éticas (há casos de rejeição psíquica a uma aparência que não a própria), mas também em termos de prognóstico de vida saudável. O rapaz terá de tomar imunossupressores até o fim da vida, talvez por 70 anos. "Seria alterar a biologia do corpo por muito tempo, e não sabemos as consequências disso para a pessoa", reflete Ferreira. Mas a possibilidade de voltar a sentir uma região amputada encanta, algo que as próteses ainda não oferecem.
Uma das últimas cirurgias de Cavadas foi num menino de 10 anos chamado David, que perdeu os dois pés numa autovia. O menino recebeu os próprios membros de volta e está em fase de readaptação. Já o David brasileiro não teve a mesma chance, sequer da dúvida do sucesso. Reimplantes numa amputação acima do cotovelo ainda não apresentam ótimos resultados como os de mãos e dedos. Não raro os especialistas sugerem próteses mioelétricas como as oferecidas ao ciclista por empresas de plantão, e também não raro muitos amputados abandonem a prótese e repassam todas as tarefas ao braço que ficou.
Enquanto isso, David Santos Sousa ensaia escrever com a mão esquerda e luta contra a dor na extremidade que não existe mais. "Estatisticamente, a dor fantasma no membro superior é mais intensa que a no membro inferior, mas ela pode ser usada em exercícios fantasma, para exercitar um músculo que está abandonado", diz o médico Marco Antonio Guedes, do Centro Marion Weiss, ele mesmo um usuário de prótese de perna desde a época da faculdade, quando sofreu um acidente de moto. O que fica é a sensação. "Sou um amputado há 35 anos e ainda sinto isso. Você não sente o seu pé? Eu também às vezes sinto o meu. É normal."