Sérgio Augusto
SÃO PAULO - Vale Cultura ou Vale-Cultura? Antes fosse o hífen a única dúvida a respeito do mais novo benefício lulista à classe trabalhadora. Depois do transporte, da refeição, do gás e não sei do que mais, o lazer e a cultura. Com ou sem hífen, o programa não teria sido aceito de bom grado pelos setores da oposição que nas iniciativas do governo só enxergam a demagogia populista e a matreirice eleitoreira. É sempre bom desconfiar das intenções de qualquer governo, mas ainda não consegui ver nada que desabone esse estímulo ao consumo cultural pelas classes sociais de baixo poder aquisitivo.
Quem pode ser contra a inclusão (estimada) de quase 20 milhões de brasileiros no mercado consumidor de bens e serviços criativos? Quem pode ser contra uma injeção de R$ 11,3 bilhões na cadeia produtiva cultural e a geração de novos empregos em teatro, cinema, livrarias, etc.? Quem pode ser contra uma medida que, em tese, deverá contribuir para a formação de novos apreciadores e produtores de cultura? Essa é a visão mais otimista. Ou a mais romântica e ingênua, na opinião de alguns céticos cascudos, que se recusam a dissociar o aprimoramento do espírito de uma boa formação escolar.
Recapitulando: os trabalhadores que ganham até cinco salários (R$ 3.390, quando a lei entrar em vigor, daqui a quatro meses) receberão das empresas que aderirem ao programa um cartão magnético pré-pago, no valor de R$ 50, para gastos com "despesas culturais", descontando 10% em folha. Quem recebe mais de cinco salários terá desconto proporcional. A adesão é facultativa. Para empregados e patrões. Estes abatem no imposto de renda e os empregados podem acumular "pontos": quem só gastar a metade do cartão num mês, terá assegurado um saldo de R$ 75 no mês seguinte.
Reivindicação antiga do pessoal do cinema e do teatro, tomou dois anos de conversas do Minc com a Receita Federal e o Ministério da Fazenda. Receita e Fazenda afinal concordaram que o vale não significaria despesa, mas investimento, com reflexo não só na economia como até nas próximas aparições do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano. Aprovado pela presidência em dezembro, o projeto de lei foi enviado à Câmara dos Deputados, para as emendas cabíveis.
"Dinheiro público não pode ser usado em baile funk", bradou um parlamentar, sem esclarecer se fizera uma objeção estética, do tipo "funk não é cultura", ou econômica: bailes funk, de tão populares, dispensariam incentivos do governo. Funk é cultura, gostemos dele ou não. O vale-cultura cobre apenas a compra (de ingressos, produtos culturais, até de instrumentos musicais), não a produção ou promoção do que quer que seja. Só não será possível adquirir ingressos para bailes funk com o cartão se algum limite for imposto ao elenco de diversões favorecidas pelo programa. Num fórum na internet, um engraçadinho, partindo do princípio de que "sexo também é cultura", perguntou se compras em sex shops e ingressos em motéis terão cobertura do cartão.
Marta Suplicy, que, ao contrário do que se previa, não entrou com o pé esquerdo no ministério (em poucas semanas sustou a demolição do prédio do Museu do Índio, no Rio, anunciou uma digitalização em massa de salas de exibição cinematográfica, e, de lambujem, espinafrou a eleição do deputado federal e pastor Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias do Congresso Nacional), até agora só tropeçou duas vezes na promoção do vale-cultura.
Ao alardear que o programa será para o segundo mandato de Dilma o que o Bolsa Família foi para a reeleição de Lula, arriscou dar ao vale um labéu eleitoreiro. Ao acenar com a inclusão de pacotes de TV por assinatura entre os benefícios do cartão, atraiu a ira de quem tenta sobreviver com a venda de artefatos culturais sem um centésimo do apelo popular da Net e da Sky TV.
"O vale-cultura foi pensado para dar ao cidadão acesso a instrumentos culturais dos quais esteja excluído, e a televisão não é um deles", reagiu de pronto um porta-voz da comunidade teatral. "O cidadão que assina um pacote de canais contando com o dinheiro do vale-cultura se compromete imediatamente a pagar aquele mesmo valor ao longo de muitos meses, ficando sem dinheiro para outro bem cultural; menos ainda para o livro", ponderou Sônia Jardim, presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros.
Como o baile funk, canal a cabo também é cultura. Sua inclusão, aliás, já fora insinuada pelo ex-ministro Juca Ferreira quando ao divulgar sua cria, em julho de 2009, observou que "menos de 20% dos brasileiros estão incorporados nas atividades culturais que não venham da TV aberta". Em linguagem mais simples: cerca de 80% dos brasileiros ainda não tinham acesso à TV paga, quatro anos atrás. E muitos dos que já assinam a Net ou a Sky estão inadimplentes.
Os maiores beneficiários da inclusão de canais a cabo no pacote seriam as operadores de TV por assinatura. Daí a vibração de seus representantes, cujo argumento de que é preciso atender aos brasileiros que têm a televisão "como única fonte de informação e entretenimento" é uma falácia. Por que estimular o estreitamento de horizontes, já tão estreitos, dos nossos trabalhadores?
O cineasta Cacá Diegues, em artigo publicado no jornal O Globo, em 9 de março, colocou a questão em outra perspectiva. A televisão paga no Brasil, escreveu Diegues, "só tende a crescer, como signo de mobilidade social e ascensão de classe", mas esse crescimento, "por enquanto, só favorece a produção audiovisual estrangeira, a maioria absoluta de sua programação."
Três dias depois, a ministra voltou atrás e excluiu das benesses a TV por assinatura. Fez bem, até porque os nossos canais a cabo e por satélite já não se distinguem dos abertos e gratuitos. A má qualidade é a mesma: filmes dublados e repetidos ad nauseam, comerciais em profusão, pacotes caros e engessados, fora outros abusos propiciados pela falta de concorrência. Dos cento e poucos canais que minha assinatura da Sky cobre, quase 90% me são absolutamente dispensáveis, mas não há como me livrar deles sem perder alguns fundamentais. Ainda bem que a televisão continua sendo a minha última fonte de informação e entretenimento.
Quem pode ser contra a inclusão (estimada) de quase 20 milhões de brasileiros no mercado consumidor de bens e serviços criativos? Quem pode ser contra uma injeção de R$ 11,3 bilhões na cadeia produtiva cultural e a geração de novos empregos em teatro, cinema, livrarias, etc.? Quem pode ser contra uma medida que, em tese, deverá contribuir para a formação de novos apreciadores e produtores de cultura? Essa é a visão mais otimista. Ou a mais romântica e ingênua, na opinião de alguns céticos cascudos, que se recusam a dissociar o aprimoramento do espírito de uma boa formação escolar.
Recapitulando: os trabalhadores que ganham até cinco salários (R$ 3.390, quando a lei entrar em vigor, daqui a quatro meses) receberão das empresas que aderirem ao programa um cartão magnético pré-pago, no valor de R$ 50, para gastos com "despesas culturais", descontando 10% em folha. Quem recebe mais de cinco salários terá desconto proporcional. A adesão é facultativa. Para empregados e patrões. Estes abatem no imposto de renda e os empregados podem acumular "pontos": quem só gastar a metade do cartão num mês, terá assegurado um saldo de R$ 75 no mês seguinte.
Reivindicação antiga do pessoal do cinema e do teatro, tomou dois anos de conversas do Minc com a Receita Federal e o Ministério da Fazenda. Receita e Fazenda afinal concordaram que o vale não significaria despesa, mas investimento, com reflexo não só na economia como até nas próximas aparições do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano. Aprovado pela presidência em dezembro, o projeto de lei foi enviado à Câmara dos Deputados, para as emendas cabíveis.
"Dinheiro público não pode ser usado em baile funk", bradou um parlamentar, sem esclarecer se fizera uma objeção estética, do tipo "funk não é cultura", ou econômica: bailes funk, de tão populares, dispensariam incentivos do governo. Funk é cultura, gostemos dele ou não. O vale-cultura cobre apenas a compra (de ingressos, produtos culturais, até de instrumentos musicais), não a produção ou promoção do que quer que seja. Só não será possível adquirir ingressos para bailes funk com o cartão se algum limite for imposto ao elenco de diversões favorecidas pelo programa. Num fórum na internet, um engraçadinho, partindo do princípio de que "sexo também é cultura", perguntou se compras em sex shops e ingressos em motéis terão cobertura do cartão.
Marta Suplicy, que, ao contrário do que se previa, não entrou com o pé esquerdo no ministério (em poucas semanas sustou a demolição do prédio do Museu do Índio, no Rio, anunciou uma digitalização em massa de salas de exibição cinematográfica, e, de lambujem, espinafrou a eleição do deputado federal e pastor Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias do Congresso Nacional), até agora só tropeçou duas vezes na promoção do vale-cultura.
Ao alardear que o programa será para o segundo mandato de Dilma o que o Bolsa Família foi para a reeleição de Lula, arriscou dar ao vale um labéu eleitoreiro. Ao acenar com a inclusão de pacotes de TV por assinatura entre os benefícios do cartão, atraiu a ira de quem tenta sobreviver com a venda de artefatos culturais sem um centésimo do apelo popular da Net e da Sky TV.
"O vale-cultura foi pensado para dar ao cidadão acesso a instrumentos culturais dos quais esteja excluído, e a televisão não é um deles", reagiu de pronto um porta-voz da comunidade teatral. "O cidadão que assina um pacote de canais contando com o dinheiro do vale-cultura se compromete imediatamente a pagar aquele mesmo valor ao longo de muitos meses, ficando sem dinheiro para outro bem cultural; menos ainda para o livro", ponderou Sônia Jardim, presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros.
Como o baile funk, canal a cabo também é cultura. Sua inclusão, aliás, já fora insinuada pelo ex-ministro Juca Ferreira quando ao divulgar sua cria, em julho de 2009, observou que "menos de 20% dos brasileiros estão incorporados nas atividades culturais que não venham da TV aberta". Em linguagem mais simples: cerca de 80% dos brasileiros ainda não tinham acesso à TV paga, quatro anos atrás. E muitos dos que já assinam a Net ou a Sky estão inadimplentes.
Os maiores beneficiários da inclusão de canais a cabo no pacote seriam as operadores de TV por assinatura. Daí a vibração de seus representantes, cujo argumento de que é preciso atender aos brasileiros que têm a televisão "como única fonte de informação e entretenimento" é uma falácia. Por que estimular o estreitamento de horizontes, já tão estreitos, dos nossos trabalhadores?
O cineasta Cacá Diegues, em artigo publicado no jornal O Globo, em 9 de março, colocou a questão em outra perspectiva. A televisão paga no Brasil, escreveu Diegues, "só tende a crescer, como signo de mobilidade social e ascensão de classe", mas esse crescimento, "por enquanto, só favorece a produção audiovisual estrangeira, a maioria absoluta de sua programação."
Três dias depois, a ministra voltou atrás e excluiu das benesses a TV por assinatura. Fez bem, até porque os nossos canais a cabo e por satélite já não se distinguem dos abertos e gratuitos. A má qualidade é a mesma: filmes dublados e repetidos ad nauseam, comerciais em profusão, pacotes caros e engessados, fora outros abusos propiciados pela falta de concorrência. Dos cento e poucos canais que minha assinatura da Sky cobre, quase 90% me são absolutamente dispensáveis, mas não há como me livrar deles sem perder alguns fundamentais. Ainda bem que a televisão continua sendo a minha última fonte de informação e entretenimento.
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