sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Estudo aponta caminhos para a gestão de resíduos sólidos urbanos, Agencia Fapesp

 José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Apenas a cidade de São Paulo produz cerca de 20 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) todos os dias, sendo 12 mil domiciliares e 8 mil da limpeza urbana, decorrentes de atividades de varrição, recolhimento de restos de feiras, podas e capinas. Considerando somente as 12 mil toneladas produzidas nas residências, isso dá uma média de aproximadamente 1 quilo de lixo por habitante ao dia.

O padrão nacional de composição dos RSU é de 50% de matéria orgânica, 35% de recicláveis e 15% de rejeitos. Se houvesse um manejo adequado – com o orgânico sendo aproveitado para produção de adubo e biogás, o reciclável sendo efetivamente reciclado e até mesmo parte do rejeito sendo utilizada mediante soluções criativas –, o país reduziria sua taxa de emissão de gases de efeito estufa e teria uma fonte adicional de receita, graças à prática da economia circular, que transforma resíduos em recursos. Mas a taxa de reaproveitamento dos RSU no Brasil ainda é extremamente baixa, de apenas 2,2%.

“Caso sejam adotadas ações de melhoria, como tecnologias que integrem compostagem, reciclagem e o aproveitamento do metano dos aterros para a geração de bioenergia, as emissões produzidas pelos sistemas municipais de gestão de resíduos sólidos poderão ser reduzidas de 6%, segundo uma perspectiva bem conservadora, a 70%, em uma mais otimista. Isso corresponderia a uma redução de 4,9 a 57,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente, aportando benefícios econômicos anuais de US$ 44 milhões a US$ 687 milhões em créditos de carbono”, diz o pesquisador Michel Xocaira Paes, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Ele é o primeiro autor de um estudo sobre o tema publicado no periódico Habitat International.

O artigo é fruto da pesquisa de pós-doutorado de Paes, financiada pela FAPESP. Também recebeu apoio por meio de um projeto coordenado por seu então supervisor, José Antonio Puppim de Oliveira.

“Nós estudamos o manejo dos RSU em seis cidades brasileiras. E escolhemos quatro delas para exemplificar, no artigo, caminhos diversos para a inovação na gestão. Essas cidades são Harmonia [RS], São Paulo [SP], Ibertioga [MG] e Carauari [AM]. São todas muito diferentes sob vários parâmetros: regiões, territórios, populações, índices de desenvolvimento humano etc. São diferentes também em seus sistemas de gestão dos RSU. Mas cada uma delas apresenta pelo menos um elemento inovador muito interessante. Por isso, decidimos estudá-las”, conta Paes à Agência FAPESP.

Segundo o pesquisador, tanto Harmonia quanto Ibertioga apresentam percentuais muito altos de reaproveitamento dos resíduos – de 56% e 67%, respectivamente. Harmonia realiza ainda a compostagem doméstica e desvia quase metade dos resíduos orgânicos dos sistemas de coleta e tratamento dos RSU. Porém, enquanto em Harmonia a gestão é feita pela iniciativa privada, com forte destaque para a educação ambiental e a participação social da população na separação dos RSU e na compostagem doméstica para a produção de alimentos orgânicos, em Ibertioga toda a operação é pública e foi observada uma expressiva capacidade de governança local, além de importante apoio do governo estadual para a implementação das unidades de triagem e compostagem nas cidades do Estado. Os resultados são bem positivos em ambos os casos.

Já São Paulo e Carauari constituem dois mundos à parte. A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é a quinta mais populosa do mundo, e a capital concentra mais da metade dessa população. Na escala paulistana, tudo é grande: os problemas e as soluções. “Embora acima da média nacional, o percentual de aproveitamento de resíduos ainda é baixo em São Paulo: somente 3%. Por outro lado, a cidade apresenta importantes inovações: forte e importante atuação das cooperativas de catadores de materiais recicláveis; duas centrais mecanizadas para separação do material reciclável; unidades de compostagem para o tratamento dos resíduos orgânicos; e a cogeração de energia a partir do metano gerado nos aterros sanitários”, afirma Paes.

Os RSU da cidade vão para três aterros sanitários, dois privados e um sob concessão: o Aterro Sanitário Caieiras, o terceiro maior do mundo, que atende o agrupamento Noroeste da capital; a Central de Tratamento de Resíduos Leste (CTL), que atende o agrupamento Sudeste; e o Centro de Disposição de Resíduos (CDR) Pedreira, que recebe apenas os resíduos provenientes dos serviços de limpeza pública.

O Aterro Sanitário Caieiras possui uma usina termelétrica própria movida a biogás, na qual o metano (CH4) gerado pela decomposição dos resíduos orgânicos é utilizado como combustível para a produção de energia elétrica por meio de geradores. Já na Central de Tratamento de Resíduos Leste, parte do biogás gerado é queimada, para transformar metano em dióxido de carbono e vapor de água (já que o CH4 é 21 vezes mais poluente do que o CO2), e parte é direcionada para uma usina termelétrica parceira, para geração de energia elétrica. Quando realizado o estudo e os trabalhos de campo, em 2019, os dois aterros que recebiam os resíduos domiciliares possuíam capacidades instaladas de 8 e 29 megawatts (MW).

Mais uma inovação importante são os ecopontos, que já somam atualmente 125 unidades de coleta distribuídas pela cidade. O atendimento é gratuito e os resíduos aceitos incluem material reciclável (papel, papelão, plástico, vidros e metais); podas de plantas e árvores domiciliares; entulhos de construção civil; e objetos volumosos, como móveis velhos. “Outro dado positivo são as parcerias com várias associações de catadores, que atuam na coleta seletiva, separação e processamento parcial de resíduos reutilizáveis ou recicláveis. Em 2019, a cidade de São Paulo contava com 24 cooperativas, com aproximadamente 900 catadores, e mais 1.400 catadores autônomos cadastrados na Autoridade Municipal de Limpeza Urbana”, acrescenta Paes.

Além das inovações mencionadas no estudo, iniciativas novas, ainda de pequeno porte, mas com potencial de serem replicadas, têm aparecido na cidade. É o caso da Realixo, empresa criada por jovens com formação universitária engajados em práticas de preservação ambiental, economia circular e sustentabilidade. Mediante pagamento mensal, a empresa recolhe semanalmente resíduos orgânicos ou recicláveis nos domicílios dos usuários. E, depois da triagem, destina os materiais a instituições parceiras, para compostagem ou reciclagem.

Na outra extremidade do espectro urbano, Carauari é um município amazônico com apenas 28 mil habitantes: 21,5 mil na área urbana e 6,5 mil nas áreas rurais e florestais. Localiza-se à margem do rio Juruá, a duas horas de avião ou cinco dias de barco de Manaus. “Mas a distância engana. Em vez de uma população desassistida, o que encontrei lá foi uma população muito organizada, empoderada e engajada no manejo comunitário dos recursos naturais e em iniciativas de bioeconomia, economia circular e sustentabilidade. Há um forte protagonismo das associações e organizações locais em parceria com organizações não governamentais, universidades, governos e iniciativa privada”, relata Paes.

Publicado no periódico Nature, o estudo feito em Carauari apresentou informações detalhadas sobre as atividades das comunidades locais, baseadas principalmente na pesca e manejo do pirarucu e na extração de sementes para a produção de óleos vegetais. Integrados por meio de economia circular, os resíduos gerados em uma atividade, em vez de impactarem o meio ambiente, são convertidos em recursos para implementar outra atividade (leia mais em: agencia.fapesp.br/36692).

As cascas das sementes empregadas na produção de óleos vegetais são encaminhadas para compostagem. E há um aproveitamento quase integral do pirarucu: além da carne do peixe, que é o objetivo principal da pesca, as vísceras são convertidas em ração para alimentar tartarugas, as escamas fornecem material para a confecção de joias e a pele é utilizada na fabricação de bolsas, roupas e calçados.


Manejo do pirarucu em Carauari (foto: Michel Xocaira Paes)

“Não existe varinha mágica para resolver o problema dos resíduos. Mas encontramos, nas quatro cidades, boas práticas, que podem ser sintetizadas em um projeto abrangente, apoiado sobre quatro pilares: capacidade técnica e política local; educação ambiental e participação social da população; colaboração entre os três níveis de governo [federal, estadual e municipal]; e parcerias locais para inovação”, resume Paes.

E acrescenta: “Desses pilares derivamos a proposta de criação de um fundo nacional de crédito de carbono, a ser gerenciado pelo governo federal com a participação dos estados e municípios. Esse fundo poderia financiar as iniciativas de redução da geração dos resíduos [por meio, por exemplo, da compostagem doméstica]; transformação de resíduos em recursos, por meio de economia circular; e desenvolvimento e implementação de tecnologias locais, como a compostagem, reciclagem e o aproveitamento do biometano dos aterros. Tudo isso sob a ótica da redução das emissões de gases de efeito estufa e do estímulo à economia circular e de baixo carbono. É um modelo que não só poderá ser implantado no Brasil, mas também inspirar soluções semelhantes em outros países em desenvolvimento, na América Latina, África, Ásia e BRICS [grupo de países de mercado emergente, entre eles o Brasil]”.

O artigo Waste management intervention to boost circular economy and mitigate climate change in cities of developing countries: the case of Brazil pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0197397523002503?via%3Dihub.
 

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