Depois de anos de agonia pública, o bar Mercearia São Pedro enfim encerrou as atividades na Vila Madalena.
O sentimento, mesmo entre frequentadores antigos e fiéis, é de um certo alívio. O que se passou nos estertores da Merça não foi nada bonito.
Eu era um frequentador antigo, mas de modo algum fiel.
Vejo amigos e conhecidos postando memórias saudosas do boteco que transformou suas vidas. Sabe-se lá quantos casamentos da elite intelectual da zona oeste paulistana começaram naquele lugar encardido.
O que torna um bar especial não é a qualidade da comida nem a temperatura da cerveja.
A Mercearia São Pedro, convenhamos, nunca se destacou pela cozinha. A cerveja vinha gelada, mas o ambiente era rústico no limite do tolerável.
Isso não interessa.
O que interessa para os órfãos da Merça são as pessoas que a frequentavam, os causos e os mitos que nasceram nas mesas ensebadas e cadeiras desconfortáveis da rua Rodésia.
Eu, que não sou escritor marginal nem cineasta pernambucano, era um voyeur dessa história.
Eu, que não sou roqueiro australiano nem fiz ensino médio em Alto de Pinheiros, sentia-me deslocado na Merça.
Eu, que convivia com esses personagens a trabalho e a lazer, poderia ter-me esforçado para participar da panelinha. Não o fiz porque não tive vontade. Escolha minha.
Assim como foi escolha de um dos donos da Mercearia vendê-la para ser demolida por uma incorporadora. Culpa-se a especulação imobiliária, mas quero ver o que fariam diante de uma oferta polpuda. Tenho amigos, frequentadores da Merça, que fizeram a mesmíssima coisa com suas casas ajardinadas.
O problema é que só um dos donos escolheu vender o bar. O outro, que além de tudo é irmão do primeiro, queria continuar. Instalou-se uma briga familiar escancarada.
O ambiente da Merça ficou pesado. Os frequentadores típicos, que não se importavam com a comida meia-boca e as instalações precárias, fugiram do clima azedo. Foi-se a alma do bar, sobrou só uma carcaça que nunca havia sido grande coisa.
Eu, que jamais fui cliente raiz, sinto alguma melancolia com a partida da Merça. É um sentimento um tanto egoísta, mas não é saudosismo.
Penso, inclusive, que a memória da Mercearia São Pedro merecia um desfecho menos degradante –algo possível apenas se o fechamento do bar tivesse ocorrido há alguns anos, sem lavagem pública de roupa suja.
A melancolia decorre do desaparecimento gradual da Vila Madalena que eu conheci e gostava. O bairro vai bem, eu é que estou ficando velho, com tendência a desaparecer também.
Chega de lamúrias, pois preciso responder à pergunta do título deste texto: para mim, a velha Vila Madalena sobrevive em dois estabelecimentos que mantêm o viço na idade avançada.
Um é o restaurante Martin Fierro, tocado magistralmente pela argentina Ana Massochi. Estou lhe devendo uma visita, eternamente adiada pelas condições de meu poder aquisitivo.
O outro é o bar São Cristóvão. Saiu da insuportável rua Aspicuelta e foi para um canto mais sossegado, onde antes havia o Sabiá. Segue mandando bem na comida e no ambiente temático de futebol, lotado todas as noites.
São dois lugares frequentados há muito tempo por gente que hoje está madura. Dois exemplos de que, nesse ramos de bares e restaurantes, dá para envelhecer bem –o que definitivamente não foi o caso da Mercearia São Pedro.
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