terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A mulher que goza, Manuela Cantuária, FSP

 Uma mulher em busca do próprio prazer. É isso mesmo que você leu. O objetivo dela não é salvar a humanidade, encontrar um grande amor, cuidar de um filho, vingar-se de alguém, conseguir o emprego dos sonhos, tornar-se uma estrela.

Essa mulher não quer provar nada para ninguém. E sim gozar, pura e simplesmente. Seu desejo é soberano. E esse desejo não a submete, pelo contrário, a liberta.

Essa é a história de Bella Baxter, a protagonista de "Pobres Criaturas", filme de Yorgos Lanthimos adaptado do livro homônimo de Alasdair Gray.

Na coluna da semana passada, me propus a responder se o filme é ou não é feminista —e falhei. Antes, precisava endereçar uma polêmica mais grave e espalhafatosa: a acusação de que a trama faria apologia da pedofilia. Colocados os pingos em cada "I", podemos voltar à vaca fria.

Uma das críticas ao filme é sobre o fato de a protagonista ser invenção de um homem. Sendo Bella Baxter um experimento de um cientista (interpretado por Willem Dafoe), estamos falando de uma mulher que não existiria se não fosse pela audaciosa iniciativa de um personagem masculino.

Desenho de cena do filme Poor Things
Ilustração de Silvis para coluna de Manuela Cantuária de 19 de fevereiro de 2024 - Silvis/Folhapress

Ora, o filme é uma alegoria perfeita da condição feminina. Em uma sociedade patriarcal, o conceito de "mulher" é, de fato, uma invenção masculina. O ideal de feminilidade foi forjado, durante milhares de anos, por homens, na tentativa de controlar mulheres. Não por acaso, Bella se rebela contra seu criador, da mesma forma que Eva caiu de boca no fruto proibido.

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Aqui temos uma deixa para a controvérsia em torno da liberdade sexual de Bella —que em algumas críticas é tachada de ninfomaníaca. Sob a ótica masculina, uma mulher livre seria uma mulher que nunca diz não. Da minha perspectiva, acredito que, em um sistema repressor, nada pode ser mais libertador do que uma mulher que prioriza o próprio prazer.

O que uma feminista enxerga como objetificação, outra pode enxergar como emancipação. No final das contas, não dá para saber se o diretor tira um sarro da imagem feminina idealizada pelos homens ou se foi extremamente habilidoso em manejá-la. E, honestamente, não me importa.

As respostas são menos importantes do que os questionamentos levantados pelo filme.

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