domingo, 25 de fevereiro de 2024

Brasil não tem plano definido para abrir mão de petróleo e gás, FSP

 

SÃO PAULO

No final de janeiro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, assinou um acordo de cooperação com a Agência Internacional de Energia para acelerar a transição energética no país e no mundo. O Brasil, no entanto, ainda não tem uma data como meta para abrir mão dos combustíveis fósseis.

Apesar de ter assumido junto à ONU (Organização das Nações Unidas) o objetivo de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050, o país não definiu nem mesmo prazos intermediários para a redução do uso e produção dessas fontes de energia.

A meta climática brasileira (conhecida como NDC, sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada), por exemplo, traça cenários de corte em emissões para toda a economia, sem tratar de prazos para setores específicos.

Imagem de refinaria de xisto, que solta fumaça por uma chaminé
Refinaria de xisto em São Mateus do Sul (PR) - Divulgação/Petrobras

Além disso, o Plano Clima (Plano Nacional sobre Mudança do Clima), que deveria nortear ações de combate à crise climática, está defasado. Lançado em 2008 —muito antes do Acordo de Paris, de 2015—, o documento previa ações até 2017 e nunca foi atualizado. Um novo plano está sendo elaborado pelo governo federal, mas só deve ser lançado em 2025.

Durante o último Fórum Econômico Mundial, o ministro Alexandre Silveira disse apostar "que o petróleo ainda vai ser uma fonte energética importante entre 20 e 30 anos". Essa perspectiva, porém, não integra oficialmente uma meta brasileira.

"Não há ninguém que possa bater o martelo em quanto tempo a transição energética se dará de forma efetiva", afirmou também em Davos.

Nesse cenário, diz Natalie Unterstell, presidente do think tank climático Instituto Talanoa, "a nossa política hoje não é de transição energética". "Ela ainda é, principalmente até 2030, de expansão desses combustíveis."

Ela ressalta que o Novo PAC demonstra essa disparidade. A maior parte dos R$ 565,4 bilhões previstos no eixo de transição e segurança energética do programa é destinada a combustíveis sujos: 64% do total devem ir para a indústria de petróleo e gás, enquanto apenas 12% para a geração de energia limpa.

Além disso, pelo programa, a grande maioria dos recursos para petróleo e gás deve vir do Estado, enquanto a totalidade das verbas previstas para renováveis seria de origem privada.

"Há uma retórica da transição energética, mas não tem recurso, não tem estratégia de investimento", afirma a especialista.

Os combustíveis fósseis são a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no mundo. O setor de energia (que compreende, entre outras coisas, transporte e eletricidade) correspondeu a 75% de todo o carbono lançado na atmosfera em 2020.

No Brasil, as principais fontes de emissões são o desmatamento e a agropecuária, com a energia ocupando o terceiro lugar.

Isso acontece porque a energia elétrica brasileira vem majoritariamente de fontes renováveis (87% em 2022, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética). Esse índice cai para 47% quando se olha para a matriz energética como um todo —mas, ainda assim, é muito superior às médias mundiais.

No planeta, apenas 28% da eletricidade e 15% da matriz energética total vinham de fontes renováveis em 2021, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia.

Porém, o Brasil é hoje o oitavo no mundo na produção de petróleo, 27º de gás e 29º de carvão —e planeja ir além. O plano energético brasileiro prevê que a produção de petróleo cresça 63%, e a de gás, 124% entre 2022 e 2032, segundo relatório de 2023.

"É uma contradição brasileira, porque o Brasil avança bem na matriz elétrica, mas também não quer se comprometer com o abandono dos fósseis", afirma Ricardo Baitelo, gerente de projetos no Iema (Instituto Energia e Meio Ambiente).

Ele destaca que a vantagem de ter uma matriz mais limpa deveria ser aproveitada para avançar ainda mais nessa frente, ao invés de investir em fontes poluentes.

"Já tem cenários mostrando que o Brasil poderia chegar a 100% renováveis na geração de eletricidade em 2035, que é uma missão basicamente de tirar o gás natural da matriz —tanto que o Brasil está com 93% de renováveis no momento", diz, se referindo a um estudo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, que apontou geração recorde de energia elétrica limpa em 2023.

Em nota, o MME (Ministério de Minas e Energia) afirma que a política climática nacional será detalhada no Plano Clima e que "a transição energética não é um processo de ruptura, de modo que o mundo ainda precisará de petróleo pelas próximas décadas".

A pasta diz, ainda, que entende que os recursos da atividade petrolífera são finitos e devem ser usados tanto para financiar projetos de transição e eficiência energética quanto para a manutenção das atividades econômicas, como saúde e educação. O ministério destaca também que foram feitos investimentos em programas de expansão dos biocombustíveis e leilões de transmissão de energia elétrica.

"Desde 2023, o MME vem aperfeiçoando e implementando políticas aliadas a esses compromissos climáticos, sem perder de vista que esse processo não pode comprometer a segurança energética do país e impor um custo elevado da energia para a população e a economia", diz o texto.

O problema está longe de ser exclusividade nacional, já que diversos países —especialmente os economicamente dependentes de petróleo, carvão e gás natural— resistem a se comprometer com esse tipo de meta.

No entanto, outros lugares têm adotado políticas que poderiam servir de modelo. A Espanha, por exemplo, determinou que a produção de combustíveis fósseis em seus territórios se encerre até 2042. Para garantir que isso aconteça, novas permissões de exploração e produção foram suspensas, subsídios ligados aos fósseis foram restringidos e a venda de veículos movidos a combustão será banida a partir de 2040.

Outro país que vem sendo bem-sucedido é o Chile, que se comprometeu a acabar com a geração de energia em termelétricas a carvão até 2040 e vem fechando suas usinas fósseis mesmo em meio a uma demanda crescente por energia.

Vista aérea planta fotovoltaica, com diversos painéis solares em meio a paisagem desértica e montanhosa
Vista aérea de uma das primeiras plantas fotovoltaicas do Chile, em El Aguila, no norte do país - Martin Bernetti - 24.mar.2022/AFP

Em tese, esse tipo de estratégia poderia estar contida no novo Plano Clima, que está sendo elaborado pelo Comitê Interministerial de Mudança do Clima, presidido pela Casa Civil e composto por 18 pastas. Serão apresentados 8 planos setoriais de mitigação (redução de emissões) e 15 planos setoriais de adaptação climática.

"Teremos planos de todos os setores, inclusive o setor energético, para mostrar como é que a gente quer chegar nessas metas", diz a secretária nacional de mudanças do clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni.

"É importante dizer que o Brasil foi um dos primeiros países em desenvolvimento a assumir metas da economia como um todo, assim como é a obrigação dos países desenvolvidos. Então, o Brasil está à frente de muitos países em desenvolvimento [nessa postura]."

Até 2025, no entanto, o país continua sem essa estratégia abrangente para definir medidas, investimentos e políticas climáticas, enquanto os investimentos em fósseis seguem avançando.

Unterstell aponta que o argumento de usar os lucros obtidos com combustíveis fósseis para financiar a transição energética não faz sentido —principalmente, porque isso ainda não está acontecendo.

"É um grande sofisma", opina, ressaltando que o setor vem tendo lucratividade recorde desde o início da Guerra da Ucrânia, mas esse dinheiro não se reverteu em investimentos massivos em energias limpas.

"Essa discussão não é sobre justificar a abertura de novas fronteiras exploratórias para financiar, num futuro incerto, a transição energética. Esse debate é sobre o presente. Se esse argumento fosse real, ele estaria acontecendo agora. Todas as petroleiras estariam pegando esse lucro para investir na transição e isso não está ocorrendo", afirma.

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