No final de janeiro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, assinou um acordo de cooperação com a Agência Internacional de Energia para acelerar a transição energética no país e no mundo. O Brasil, no entanto, ainda não tem uma data como meta para abrir mão dos combustíveis fósseis.
Apesar de ter assumido junto à ONU (Organização das Nações Unidas) o objetivo de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050, o país não definiu nem mesmo prazos intermediários para a redução do uso e produção dessas fontes de energia.
A meta climática brasileira (conhecida como NDC, sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada), por exemplo, traça cenários de corte em emissões para toda a economia, sem tratar de prazos para setores específicos.
Além disso, o Plano Clima (Plano Nacional sobre Mudança do Clima), que deveria nortear ações de combate à crise climática, está defasado. Lançado em 2008 —muito antes do Acordo de Paris, de 2015—, o documento previa ações até 2017 e nunca foi atualizado. Um novo plano está sendo elaborado pelo governo federal, mas só deve ser lançado em 2025.
Durante o último Fórum Econômico Mundial, o ministro Alexandre Silveira disse apostar "que o petróleo ainda vai ser uma fonte energética importante entre 20 e 30 anos". Essa perspectiva, porém, não integra oficialmente uma meta brasileira.
"Não há ninguém que possa bater o martelo em quanto tempo a transição energética se dará de forma efetiva", afirmou também em Davos.
Nesse cenário, diz Natalie Unterstell, presidente do think tank climático Instituto Talanoa, "a nossa política hoje não é de transição energética". "Ela ainda é, principalmente até 2030, de expansão desses combustíveis."
Ela ressalta que o Novo PAC demonstra essa disparidade. A maior parte dos R$ 565,4 bilhões previstos no eixo de transição e segurança energética do programa é destinada a combustíveis sujos: 64% do total devem ir para a indústria de petróleo e gás, enquanto apenas 12% para a geração de energia limpa.
Além disso, pelo programa, a grande maioria dos recursos para petróleo e gás deve vir do Estado, enquanto a totalidade das verbas previstas para renováveis seria de origem privada.
"Há uma retórica da transição energética, mas não tem recurso, não tem estratégia de investimento", afirma a especialista.
Os combustíveis fósseis são a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no mundo. O setor de energia (que compreende, entre outras coisas, transporte e eletricidade) correspondeu a 75% de todo o carbono lançado na atmosfera em 2020.
No Brasil, as principais fontes de emissões são o desmatamento e a agropecuária, com a energia ocupando o terceiro lugar.
Isso acontece porque a energia elétrica brasileira vem majoritariamente de fontes renováveis (87% em 2022, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética). Esse índice cai para 47% quando se olha para a matriz energética como um todo —mas, ainda assim, é muito superior às médias mundiais.
No planeta, apenas 28% da eletricidade e 15% da matriz energética total vinham de fontes renováveis em 2021, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia.
Porém, o Brasil é hoje o oitavo no mundo na produção de petróleo, 27º de gás e 29º de carvão —e planeja ir além. O plano energético brasileiro prevê que a produção de petróleo cresça 63%, e a de gás, 124% entre 2022 e 2032, segundo relatório de 2023.
"É uma contradição brasileira, porque o Brasil avança bem na matriz elétrica, mas também não quer se comprometer com o abandono dos fósseis", afirma Ricardo Baitelo, gerente de projetos no Iema (Instituto Energia e Meio Ambiente).
Ele destaca que a vantagem de ter uma matriz mais limpa deveria ser aproveitada para avançar ainda mais nessa frente, ao invés de investir em fontes poluentes.
"Já tem cenários mostrando que o Brasil poderia chegar a 100% renováveis na geração de eletricidade em 2035, que é uma missão basicamente de tirar o gás natural da matriz —tanto que o Brasil está com 93% de renováveis no momento", diz, se referindo a um estudo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, que apontou geração recorde de energia elétrica limpa em 2023.
Em nota, o MME (Ministério de Minas e Energia) afirma que a política climática nacional será detalhada no Plano Clima e que "a transição energética não é um processo de ruptura, de modo que o mundo ainda precisará de petróleo pelas próximas décadas".
A pasta diz, ainda, que entende que os recursos da atividade petrolífera são finitos e devem ser usados tanto para financiar projetos de transição e eficiência energética quanto para a manutenção das atividades econômicas, como saúde e educação. O ministério destaca também que foram feitos investimentos em programas de expansão dos biocombustíveis e leilões de transmissão de energia elétrica.
"Desde 2023, o MME vem aperfeiçoando e implementando políticas aliadas a esses compromissos climáticos, sem perder de vista que esse processo não pode comprometer a segurança energética do país e impor um custo elevado da energia para a população e a economia", diz o texto.
O problema está longe de ser exclusividade nacional, já que diversos países —especialmente os economicamente dependentes de petróleo, carvão e gás natural— resistem a se comprometer com esse tipo de meta.
No entanto, outros lugares têm adotado políticas que poderiam servir de modelo. A Espanha, por exemplo, determinou que a produção de combustíveis fósseis em seus territórios se encerre até 2042. Para garantir que isso aconteça, novas permissões de exploração e produção foram suspensas, subsídios ligados aos fósseis foram restringidos e a venda de veículos movidos a combustão será banida a partir de 2040.
Outro país que vem sendo bem-sucedido é o Chile, que se comprometeu a acabar com a geração de energia em termelétricas a carvão até 2040 e vem fechando suas usinas fósseis mesmo em meio a uma demanda crescente por energia.
Em tese, esse tipo de estratégia poderia estar contida no novo Plano Clima, que está sendo elaborado pelo Comitê Interministerial de Mudança do Clima, presidido pela Casa Civil e composto por 18 pastas. Serão apresentados 8 planos setoriais de mitigação (redução de emissões) e 15 planos setoriais de adaptação climática.
"Teremos planos de todos os setores, inclusive o setor energético, para mostrar como é que a gente quer chegar nessas metas", diz a secretária nacional de mudanças do clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni.
"É importante dizer que o Brasil foi um dos primeiros países em desenvolvimento a assumir metas da economia como um todo, assim como é a obrigação dos países desenvolvidos. Então, o Brasil está à frente de muitos países em desenvolvimento [nessa postura]."
Até 2025, no entanto, o país continua sem essa estratégia abrangente para definir medidas, investimentos e políticas climáticas, enquanto os investimentos em fósseis seguem avançando.
Unterstell aponta que o argumento de usar os lucros obtidos com combustíveis fósseis para financiar a transição energética não faz sentido —principalmente, porque isso ainda não está acontecendo.
"É um grande sofisma", opina, ressaltando que o setor vem tendo lucratividade recorde desde o início da Guerra da Ucrânia, mas esse dinheiro não se reverteu em investimentos massivos em energias limpas.
"Essa discussão não é sobre justificar a abertura de novas fronteiras exploratórias para financiar, num futuro incerto, a transição energética. Esse debate é sobre o presente. Se esse argumento fosse real, ele estaria acontecendo agora. Todas as petroleiras estariam pegando esse lucro para investir na transição e isso não está ocorrendo", afirma.
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