Os recém-lançados "Jogo Justo" e "Anatomia de uma Queda" (ambos de 2023) apresentam mulheres emancipadas em confronto com maridos que se debatem com seu lugar no mundo. A refilmagem em formato de série de "Cenas de um Casamento" (2021) também troca os papéis habituais dos gêneros para enriquecer o questionamento sobre essas relações.
A queixa geral, sabemos, vai na contramão, apontando a falta de oportunidades iguais entre homens e mulheres, a diferença salarial em funções iguais e os filhos como um arrasto na carreira delas. Mais do que criar estranhamento na plateia, cansada de conhecer o sofrimento feminino, a mudança das habituais posições de gênero nessas obras parece responder a mais questões.
A dupla "homem provedor financeiro/mulher nos cuidados domésticos" nunca funcionou para a maioria absoluta da sociedade. Mulheres sempre tiveram que lutar pela sua sobrevivência, em primeiro lugar, por pura necessidade. Isso as coloca como parte do movimento feminista, concordem ou não. Não raro as que professam seu antifeminismo não abrem mão das conquistas que dele decorrem: ocupar o espaço público, escolher o marido, ter direito ao voto, ao divórcio, ao trabalho remunerado...
Já o homem é depositário "da ilusão de que ser homem bastaria", o que lhe dá a fantasia de não precisar questionar seu lugar no mundo. O trabalho masculino sempre foi árduo para quem não nasceu herdeiro, mas se trata de um campo pouco afeito a questionamentos sobre si, bastando seguir a cartilha dos homens que o antecederam.
Se as mulheres têm lutas muito diferentes entre si, com pautas bem específicas, o mesmo não se pode dizer do direcionamento. Estando por baixo, só resta a elas subir exigindo seus direitos.
Os homens, estando historicamente por cima, não sabem mais como se posicionar e se imaginam necessariamente descendo. Aqueles que pensam a relação como gangorra preveem que a ascensão de um implica na queda do outro, afinal, não existe dominador sem dominados. O prisma da subordinação inviabiliza a vida dos casais regidos pela competição, mesmo os homoafetivos
O homem, buscando escapar da zona de rebaixamento, usa de artimanhas conhecidas —como dobrar a aposta na violência de gênero, exemplarmente representada em "Jogo Justo", cujo final anuncia que o tempo de tolerar o intolerável acabou.
Em "Anatomia de uma Queda", temos a belíssima cena da discussão do casal, na qual assistimos ao velho truque de tentar fazer o outro de álibi para o próprio fracasso. No extremo dessa lógica de usar o parceiro como desculpa para os próprios equívocos, temos a fonte da qual bebem os que acreditam que a potência da mulher emascula o homem, típica do discurso incell e redpill.
Em "Cenas de um Casamento", o luto cumpre sua função de ajudar as partes a elaborarem os novos lugares a serem ocupados em uma relação que não seja baseada na hierarquia e na subordinação.
Mas existe um desafio a mais para os homens, um dos maiores gargalos dessa história toda, presente na comédia "O que os Homens Falam" (2012). Sem se perguntarem sobre si mesmos e sem o incentivo de compartilharem suas experiências mais íntimas uns com os outros, o homem cresce num limbo subjetivo. É capaz de passar pelos maiores tormentos sem confidenciar ao melhor amigo. Carente de repertório afetivo, só lhe resta sofrer e/ou causar sofrimento.
Daí que no jogo da vida e do amor, ao contrário do que dizem os que temem ser emasculados, quanto mais flexíveis e honestas as posições, maior o prazer compartilhado.
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