"Políticas de cotas, se bem desenhadas, podem ajudar a selecionar os melhores dentro dos distintos subgrupos populacionais e a resgatar o que se convencionou chamar de mérito", escreveu Michael França na ótima divergência que abriu em relação à minha coluna do último dia 15. É um debate importante. Vale a pena esticá-lo mais um pouco.
Minha primeira objeção diz respeito ao "se bem desenhadas". Especialmente no Brasil, essa é uma condição difícil de materializar-se. A Folha mostrou que, diante da dificuldade para preencher as vagas reservadas a cotistas, o Ministério Público Federal cogita de derrubar a exigência da nota de corte nesses concursos. Não penso que isso conte como política "bem desenhada".
A segunda objeção é ontológica. Como já escrevi aqui, a meritocracia, entendida como um sistema que recompense de forma justa indivíduos por seus talentos e esforços, é um mito. A Gisele Bündchen não fez nada para nascer bonita —um feliz acidente da loteria genética. Mesmo a disciplina que exibiu para ter sucesso como modelo é ela própria resultado da combinação de genes com características ambientais sobre as quais temos pouco controle.
Concursos públicos não devem, assim, ser vistos pelo prisma da lógica retributiva, mas sim da pragmática. Não selecionamos candidatos com bom desempenho para fazer justiça, mas para proporcionar aos cidadãos a melhor prestação possível de serviços. Outros objetivos, como a diversidade, podem entrar, mas subsidiariamente. É mais fácil justificá-los em ambientes formativos, como o ensino, do que nas atividades-fim.
A tragédia brasileira é que continuamos a dar pouca atenção à educação infantil e à básica. Como França sabe melhor que eu, é a janela mais favorável para intervenções. Deveriam ser nossa obsessão. Se há chance de tornarmos as competições da vida um pouco menos viciadas, ela passa por um ensino de qualidade nessas fases.
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