Em artigo recente, saudei a chegada de uma iniciativa de simplificação da linguagem jurídica, sobretudo no que ela ainda conserva de ornamental (uso de vocabulário raro, adjetivação excessiva, acúmulo de palavras extensas e de latinismos, entre outros artifícios). Embora a ideia tenha tido boa acolhida, há quem imagine que se pretenda submeter a linguagem dos magistrados a algum tipo de rebaixamento. Por certo, a intenção não terá sido essa. O interessante nas discussões sobre escrita e linguagem, no entanto, é que dificilmente terminam em um bom acordo.
Recentemente, testemunhei um debate em rede social sobre o uso dos termos "ademais", "outrossim" e "destarte". Alguns tratavam essas palavras como arcaísmos, jurando que ninguém mais as emprega. De minha parte, sempre duvido de quem usa "ninguém" como argumento de autoridade, mas um dos debatedores, mais diligente, já tinha feito uma pesquisa em corpora de língua portuguesa e, com base nisso, afiançava que as palavras permanecem vivas. Diante disso, a discussão não se encerrou, mas mudou de rumo. Partiu-se, então, para o terreno das recomendações.
Essa é outra questão que, de tempos em tempos, ressurge no debate. Afinal, qual é a melhor forma de escrever um texto? Escrever é cortar palavras? O mistério até hoje ainda foi não desvendado, talvez porque, entre outras razões, não haja uma maneira única de ser bem-sucedido nessa tarefa. Há obras escritas nos mais variados estilos que nos impressionam igualmente. Por isso mesmo é que a almejada "receita de bolo" ainda não foi descoberta por humanos.
Enquanto isso, a inteligência artificial vem fazendo um trabalho de uniformização dos textos, muito útil para redigir bulas de remédio e manuais de instrução, mas inútil para expressar o que se passa nos recônditos da alma humana, onde deve morar o nosso vocabulário. Lá, em algum lugar, estão as palavras que nos vêm à mente na hora de compor um texto.
"Ademais", "outrossim" e "destarte", nos dias que correm, mais descansam que trabalham, embora vivam e gozem de boa saúde, mas, na pena de alguns escribas, estão a postos para entrar em ação a cada novo parágrafo. Aí é que mora o problema.
Quem já tenha tido contato com redações de vestibulares e, sobretudo, do Enem divulgadas como exemplares certamente já terá visto nelas essas três palavrinhas com surpreendente frequência. Serão os jovens vestibulandos usuários corriqueiros desses termos ou estariam crentes na sua força impulsionadora rumo à nota máxima?
O mais provável é que, como na redação do Enem, em particular, é pontuado o uso de operadores argumentativos que articulem explicitamente os parágrafos, muitos estudantes sejam orientados a usar conjunções no início deles. Até aí, tudo bem, mas, ao que tudo indica, as "dicas" para escrever esse tipo de texto são um pouco mais específicas.
Há sites que oferecem modelos de redação pré-fabricados, mas, convenhamos, é difícil adivinhar qual vai ser o tema escolhido pela banca examinadora. A estratégia deles é oferecer ao estudante "opções seguras" de conectivos, como "ademais" e "outrossim", que servem apenas para acrescentar informações, sem estabelecer entre elas relações mais complexas (condição, finalidade, concessão, proporção, oposição, causa e efeito etc.) – vale lembrar que o uso incorreto do conectivo acarreta perda de ponto. "Destarte", por sua vez, serve para a conclusão do texto e, por incrível que pareça, ainda se alterna com "diante dos argumentos supra apresentados".
O fato de redações exemplares, por vezes, embora nem sempre, conterem esses conectivos não significa que tal uso tenha sido premiado. Não se trata de uma relação de causa e efeito, mas de uma relação de concessão: tiraram nota máxima não por causa desses "cacoetes", mas apesar deles. Nada contra os termos em si, vamos reiterar. Afinal, é por demais deselegante desejar a morte alheia, mesmo em se tratando de palavras.
A arte de escrever bem está menos em suprimir palavras ou expressões (por quaisquer que sejam os motivos) do que em dominar o máximo de recursos linguísticos. Valem todas aquelas que exprimem nossas ideias e sentimentos com liberdade. O excesso de ornamentação deixa o texto empolado; linguagem muito simples, por outro lado, tem limites; repetições são enfadonhas, mas, às vezes, são enfáticas ou meramente necessárias. Enfim, é muito difícil dizer qual é o melhor caminho, porque há muitos caminhos bons ou, pelo menos, viáveis. Uma coisa, porém, é certa: quanto mais conhecimento, melhor.
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