Começar a empreender depois dos 50 anos é hoje uma realidade para muitos brasileiros. São profissionais que buscam realizar o sonho de abrir o próprio negócio depois de anos de trabalho ou que, muitas vezes, enfrentam barreiras para se manter no emprego pela pressão do etarismo, a discriminação por causa da idade.
"São pessoas que estão ativas, que ainda têm muito potencial para oferecer, mas infelizmente o mercado de trabalho fica muito mais difícil para elas", afirma Ana Fontes, fundadora da RME (Rede Mulher Empreendedora) e colunista da Folha.
A população brasileira está envelhecendo, o que significa que as pessoas devem ficar ativas por mais tempo. Indivíduos com 65 anos ou mais já representam 10,9% do total de habitantes do país, segundo o Censo Demográfico 2022.
O percentual é o maior desde o primeiro recenseamento, em 1872, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Dados da última pesquisa Global Entrepreneurship Monitor, feita em parceria com o Sebrae em 2022, indicam que a taxa de empreendedorismo inicial entre aqueles que têm de 55 a 64 anos cresceu 64% em relação ao ano anterior. Não é possível afirmar se os números refletem uma maior adesão dessa faixa etária ao empreendedorismo ou uma reacomodação da economia no pós-pandemia, explica André Spinola, gerente de gestão estratégica do Sebrae.
"Mas o que a gente pode dizer é que o foco dessa fatia é, em primeiro lugar, a complementação de renda e, em segundo, a realização de um propósito. Muitos já cumpriram seu papel de sustentação econômica e agora podem construir algo com mais propósito a partir do seu trabalho."
Segundo Spinola, há alguns tipos de negócio que podem funcionar bem para quem deseja começar a empreender nesse momento da vida. É o caso das franquias, que oferecem suporte e já vêm com planejamentos feitos, mas demandam investimento inicial.
Outra opção é trabalhar com vendas online, revendendo produtos em marketplaces, por exemplo. Vale também aproveitar todo o conhecimento adquirido em anos de carreira para oferecer serviços de consultoria e mentoria. Ou ainda é possível explorar um hobby.
É fundamental estudar e se planejar. "O pior que pode acontecer é o empreendedor achar que, só por saber algo, vai dar certo abrir uma empresa, sem entender se o mercado está aquecido, se tem demanda, se a forma como presta o serviço é o ideal, se tem concorrência", diz Spinola.
"Se você for empreender com o que gosta e as pessoas não quiserem comprar, não vai adiantar nada. Então, você precisa tentar combinar as duas coisas", afirma Fontes, que recomenda que os profissionais se conectem a redes de empreendedores e busquem apoio de mentorias —a RME, por exemplo, tem mais de 800 mentoras voluntárias.
Ela reforça que as franquias são uma possibilidade, mas exigem atenção. "Também tem risco, também pode fechar. Você conta, sim, com o apoio de um franqueador, mas isso não significa que não pode dar errado", diz.
Aos 55, Marilusa Pontini pediu demissão da companhia onde trabalhou por quase três décadas para abrir uma franquia da Bibi, de calçados infantis, em um shopping em Vila Velha (ES). Na época, em 2008, ela já estava aposentada havia dois anos, mas nunca passou pela cabeça dela parar.
"Percebi que o meu ciclo na empresa tinha se fechado. Foi um presente começar uma vida nova, um novo desafio", diz. Em um primeiro momento, ela chegou a pensar em empreender no ramo de alimentação, mas logo mudou de ideia. "Para você ter uma franquia, precisa entender de alguma forma do negócio e eu não entendia nada dessa área. Nem gosto de cozinhar."
Mas, de calçados, Pontini entende. Em uma empresa do setor, começou no chão de fábrica, foi supervisora de vendas, passou por vários departamentos e chegou à direção.
Além disso, nunca parou de estudar. Formada em ciências sociais, fez pós-graduação em recursos humanos e em marketing, entre outros cursos. "Isso tudo me deu base. Mas você também acaba adquirindo uma expertise pelo tempo que você viveu. Sempre fui uma pessoa de fazer as coisas acontecerem."
Segundo a empresária, uma das vantagens de empreender com franquia é se sentir menos solitária na hora de tomar decisões, mas isso não significa ter menos responsabilidades. Hoje, aos 70, faz questão de estar presente no dia a dia da loja, que tem quatro funcionários. "Só faz um ano que eu me dei o direito de não trabalhar mais aos domingos", diz.
Para quem ainda está inserido no mercado de trabalho e pensa em empreender, o ideal é começar o quanto antes, recomenda Mauro Wainstock, fundador do Hub 40+, consultoria que atua com diversidade etária.
Para isso, ele orienta que o profissional comece aos poucos, com uma atividade que não exija um investimento tão alto nem tantas horas de dedicação. Ele pode, por exemplo, prestar consultoria na sua área de atuação ou iniciar um negócio online.
Além disso, o especialista ressalta a importância de participar de eventos e abrir os horizontes para além da companhia onde se trabalha.
Outro ponto que Wainstock destaca é que empreendedores com mais de 50 anos podem ser tão inovadores quanto os jovens. Afinal, há ideias de negócio que só uma pessoa com mais experiência vai ter.
Após trabalhar anos como consultor de tecnologia em grandes empresas e atuar no mercado logístico portuário, Luiz Simões decidiu criar, aos 51 anos, uma startup nessa área. Ele percebeu uma oportunidade para desenvolver um software que controlasse todo o processo de exportação de cargas como celulose e grãos.
Fundou a HXtos, em Santos (SP), em junho de 2021, depois de já ter aberto uma consultoria de tecnologia com um sócio em 2015, quando tinha 45.
Sem experiência com startups, buscou o Cubo, hub de inovação do Itaú. Depois de fazer uma apresentação, foi selecionado para integrar a comunidade, em janeiro de 2022. Desde então, já participou de eventos importantes do setor, caso do Web Summit Lisboa, em Portugal.
Entre os clientes da HXtos estão as fabricantes de celulose Suzano e Bracell. A startup atua nos portos de Santos e de Itaqui (MA), com metas de expansão para outras localidades no país e no exterior.
"Esse mundo de startup está muito ligado ao universitário, ao jovem nerd, ao cara que está começando a carreira. E fui na contramão disso", afirma Luiz, hoje aos 54 anos.
"Trabalhei em grandes empresas que me ajudaram a crescer profissionalmente. Se eu tivesse montado um negócio com 20 anos, não sei se daria certo. Provavelmente eu enfrentaria dificuldades, porque não teria experiência."
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