O ex-governador do Espírito Santo e presidente-executivo da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), Paulo Hartung, disse nesta segunda-feira (19) que um dos maiores desafios da transição energética no Brasil está na falta de pragmatismo na política de subsídios à indústria no Brasil.
"Sou a favor dos subsídios desde que a gente tenha foco e autocrítica das bobagens que a gente fez no passado. Que a gente não ache que vamos fazer política industrial para tudo e para todos. Senão não faz nada (...) Não vai funcionar", afirmou durante o segundo painel do seminário Energia limpa: a transição energética no Brasil, organizado pela Folha.
O evento faz parte das comemorações do aniversário de 103 anos do jornal.
Sentado ao lado de Luciana Costa, diretora do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), ele citou políticas de incentivo da instituição, acrescentando que é preciso aprender com os erros e focar apenas as empreitadas bem-sucedidas.
"A gente não pode brigar com a história", afirmou. "Tem que botar ciência e incentivar o que vai dar certo."
Segundo o ex-governador, o Brasil é um país de renda média que tem um endividamento significativo na proporção com o que produz. "A gente joga dinheiro fora de um país que não tem dinheiro para jogar fora."
As falas acontecem um mês depois de o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançar um novo programa de estímulo industrial, que prevê R$ 300 bilhões para o setor até 2026, com boa parte dos recursos vindos de financiamentos do BNDES.
Presente no painel, Rafael Tello, diretor de sustentabilidade da Ambipar, empresa especializada em gestão ambiental, concordou que é preciso haver incentivos corretos para que o país avance na pauta da transição energética e cresça com novos investimentos.
Ele citou o custo da emissão e argumentou que os governos precisam ter uma ideia clara sobre esse assunto, já que as mudanças para a energia limpa exigem um investimento inicial grande. "As novas tecnologias vão ser mais caras no começo."
Segundo ele, se não houver uma conscientização sobre a necessidade desse aporte inicial, os subsídios vão acabar sendo deslocados para o lado errado.
Alexandre Baldy, conselheiro especial da BYD do Brasil, empresa chinesa de carros elétricos, acrescentou discussão sobre a importância de o país focar esforços em matrizes industriais onde tem chance de obter escala global.
Segundo ele, em dado momento, a China cometeu erros no setor automotivo e resolveu dar um passo atrás para investir em ciência e pesquisa. Quando a eletrificação da frota ganhou força no mundo, disse, o gigante asiático saiu na frente dos demais atores globais.
"Com investimento em ciência e pesquisa, os chineses estão fazendo escalada global no setor automotivo que é impossível de evitar. Nós no Brasil não temos uma indústria automotiva brasileira, temos parques industriais de investidores estrangeiros que acreditaram e investiram no Brasil", afirmou.
Ele destacou ainda a importância de haver segurança jurídica para a atração de novos investimentos.
Adriana Waltrick, presidente da SPIC Brasil, empresa que opera a usina hidrelétrica São Simão, na divisa entre Minas Gerais e Goiás, e parques eólicos no Nordeste, acredita que esse é o grande desafio do Brasil na transição energética.
Segundo ela, o Brasil tem todos os componentes para liderar esse movimento, mas falta aos investidores conseguir entender as regras, a regulação e como a nova política industrial do país vai se dar no dia a dia.
"A gente gostaria de ver o marco do hidrogênio colocado. Como armazena, como transporta, como licencia e regulamenta essa nova indústria?"
"Precisa olhar o sistema de forma holística, inteira, precisa de coordenação e de boa governança. Com isso, o investidor vem. Aliás, o investidor já está aqui esperando para investir o próximo projeto."
Em relação à questão da governança, Tello, da Ambipar, acrescentou que é preciso boa governança não apenas interna, em cada organização, mas de forma sistêmica, já que as energias renováveis envolvem uma cadeia de geração, transmissão e distribuição. Essa boa governança precisa se dar em todo o sistema para que o processo seja bem-sucedido.
Já para Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES, o maior gargalo do Brasil não é regulação e governança, o que o país já tem muito bem construído. Para não perder a atual janela de oportunidades, afirmou, é preciso enfrentar a concorrência global.
Para a diretora do BNDES, o Brasil tem atualmente uma boa vantagem comparativa (recursos naturais, por exemplo) em relação a outros países, mas ressaltou que isso ainda não se traduziu em vantagem competitiva.
Para que o país chegue a esse ponto, ainda segundo ela, é preciso uma política global de mercado que precifique o aumento nos impostos sobre a indústria que tem grande impacto na emissão de carbono.
"Aqui é um país que cumpre contrato, que tem um ambiente regulatório estável (...). A gente precisa usar toda essa vantagem comparativa e gerar valor agregado. Vai ser com regulação, mas a gente vai ter que enfrentar essa concorrência global. Para mim, o grande desafio é essa concorrência global."
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