Em uma de suas pensatas mais conhecidas, o jagunço-filósofo Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, diz que "aprender-a-viver é que é o viver". Escrever um romance é também aprender a escrevê-lo, e apesar de a escrita ser em geral um ato solitário, ela é também solidária. Dotada de uma peculiar solidariedade em mão dupla, a escrita literária se dá primeiro em um sentido que vai do universo (o ambiente, a sociedade) para o escritor, retornando depois como um gesto dadivoso com qual o autor oferece aos leitores um vislumbre de mundos possíveis. O escritor é, antes de tudo, um leitor.
O caminho de ida (o aprendizado), nessa solidariedade vibrante chamada literatura, costuma receber menos atenção do que o de volta (o livro), mais debatido e valorizado. Contudo, é precisamente por se dar naquele "aprender-a-viver" de que fala Riobaldo que o primeiro merece maior atenção. Construído a partir dos incontáveis gestos que ajudam a moldar o texto do escritor, a ele pertencem familiares, professores, amigos e desconhecidos, uma comunidade de influências que carregam em si as complexidades e contradições da vida, da política, do amor. O trabalho conjunto dessa comunidade converge, por meio do tecido da escrita e de sua reverberação na leitura, para o engendramento das mudanças.
Essa introdução inspira-se na experiência ainda fresca de ter conquistado o prêmio Jabuti, na nova categoria Escritor Estreante. Durante a cerimônia, na terça-feira (5), o escritor Pedro Bandeira, grande homenageado da 65ª edição do tradicional prêmio literário, fez um discurso contundente a favor da literatura infantil e juvenil, área que o consagrou, afirmando que, no Brasil, "essa literatura é mais importante que a literatura adulta, porque quem chegou à idade adulta e não é capaz de ler não vai se tornar um leitor".
O autor comentava os resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) de 2022, divulgados naquele mesmo dia. Apesar de apontar para uma estabilidade em relação a 2018, o relatório coloca o Brasil entre os 30 piores países na área "leitura". O cenário se agrava quando vemos que 50% dos jovens de 15 anos de idade que fizeram a prova não alcançaram sequer o nível 2, faixa que pressupõe identificar a ideia principal em um texto de extensão moderada e refletir sobre a sua forma e propósito. Não é arriscado dizer que essa metade dificilmente se tornará leitora; não são ainda os adultos de que falou Bandeira, mas já quase os perdemos.
Diante desses números, deveríamos parar tudo e questionar nossa própria capacidade de imaginar futuros —daí o apelo para que priorizemos diariamente o lado mais frágil daquela dupla solidariedade. Viver é perigoso, disse Riobaldo, mas enquanto vivermos repetindo os mesmos erros não formaremos nunca famílias, escolas, amigos e desconhecidos capazes de fomentar uma comunidade propositiva, que possa imaginar novos horizontes e, com eles, "aprender-a-viver" de forma mais pacífica e construtiva. O único risco que corremos ao investir na formação de leitores é que eles criem, como vislumbrou Pedro Bandeira no palco do Theatro Municipal de São Paulo, "uma nova geração tão poderosa que mudará o Brasil".
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