Há cerca de 80 anos um engenheiro canadense concebeu a idéia de formar um lago artificial no planalto paulista cuja água poderia ser lançada serra abaixo onde poderia gerar eletricidade a baixo custo. Lançando 70 metros cúbicos por segundo poder-se-ia gerar 800 Megawatts no pico e 400 MW na média. Surgiu assim o reservatório Billings e a Usina Hidroelétrica Henry Borden, uma das mais simples e eficientes do mundo.
Os riachos que alimentam este reservatório tem uma vazão de aproximadamente 10 metros cúbicos/segundo (10 m3/s) sendo necessário bombear água do rio Tietê através do canal do Pinheiros para acumular toda a água necessária para que a Usina Borden funcionasse a plena carga. Isto não era um problema, no passado, quando a água destes cursos d’água era limpa.
Sem esta água o Reservatório Billings geraria uma quantidade pequena de energia e, aos poucos, devido à evaporação de água e perdas, acabaria por secar. Mesmo sem gerar regularmente, como ocorre hoje, são bombeados para ele cerca de outros 10 metros cúbicos por segundo, em média, durante o ano, do canal do Pinheiros, para ajudar no combate às enchentes, na época das enchentes; nesta época das enchentes este número é mais de dez vezes maior.
A única razão pela qual durante muitos anos – até 1992 – a Henry Borden foi capaz de gerar energia foi captando o esgoto que era lançado no Tietê e Pinheiros, o que agora não é mais permitido.
Cerca de 50 m3/s de esgotos são lançados nos rios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). A solução para o problema é tratar os esgotos antes de lançá-los “in natura” nos córregos que acabam no Tietê e Pinheiros.
Mas estamos muito longe disso. Na RMSP, com exceção da capital, todos os municípios lançam praticamente todo seu esgoto “in natura” nos reservatórios Billings e Guarapiranga ou nos riachos que os alimentam, apesar de terem rede urbana e coletarem boa parte deles.
Dos 50 metros cúbicos por segundo de esgotos da RMSP, apenas 12 são tratados, apesar da capacidade de tratamento da SABESP ser de cerca de 18 metros cúbicos por segundo. Vários dos Municípios se recusam a usar a capacidade ociosa de tratamento da SABESP por considerar caro o serviço prestado por ela, apesar de coletar de seus habitantes taxas para este fim.
De qualquer forma, mesmo após grandes investimentos em infra-estrutura, necessários para a coleta e tratamento da maior parte do esgoto gerado na região, provavelmente não atingirão a qualidade exigida para o retorno do bombeamento ao Reservatório Billings. Um tratamento complementar, aplicado às águas superficiais, será necessário.
O sistema de flotação é uma antecipação da etapa que objetiva a recuperação da qualidade das águas do Rio Pinheiros de forma a permitir seu bombeamento para o Reservatório Billings.
Do ponto de vista de engenharia o processo de flotação é simples e espera-se que funcione sem maiores problemas.
Este sistema de tratamento de águas abrange a combinação dos processos físico e químico, por meio dos quais promove-se a aglutinação dos sólidos, em suspensão, totais presentes nas águas poluídas (floculação), a sua ascensão pela insuflação de ar na forma de micro-bolhas (flotação) e a remoção do lodo pela superfície da água.
Esse tipo de sistema é utilizado em tratamento de águas residuais industriais, em alguns tipos de tratamento de água para abastecimento público e, ultimamente, de forma diferenciada, em tratamento de águas de rios, utilizando seus leitos como local de tratamento.
Exemplo disso são sistemas já implantados e em funcionamento nos canais de drenagem na Avenida Guadalajara e Rua Acre, na praia de Enseada no Guarujá, no córrego Pedra Azul, afluente do Lago do Jardim da Aclimação, no córrego do Sapateiro, afluente do Lago do Ibirapuera e no próprio canal do Rio Pinheiros (testes em 1998/1999) e, mais recentemente, tratando pequenas quantidades das águas deste rio para utilização na rega de plantas do Projeto Pomar.
Também, encontra-se em operação o sistema de flotação implantado pela SABESP no córrego Guavirutuba, afluente do Reservatório Guarapiranga e córrego Pedra Branca no Horto Florestal. Esse sistema também está sendo utilizado no tratamento das águas da Baía de Guanabara para alimentação do “Piscinão de Ramos”, das águas do córrego do Carioca no Aterro do Flamengo e dos rios Ressaca e Sarandi, principais contribuintes da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte.
No tratamento de esgotos, está sendo utilizado como pós-tratamento e tratamento terciário na ETE do bairro da Aclimação em Uberlândia – MG e em duas ETEs de Brasília, visando a remoção de fósforo para lançamento no lago Paranoá.
Para que a água tratada seja lançada na Billings é indispensável que ela atenda um determinado grau de pureza que resulta de resoluções do CONAMA e caberá à CETESB a última palavra sobre a viabilidade desta utilização da água. Em qualquer hipótese, contudo, o canal do Pinheiros será despoluído e este é o problema imediato que enfrentamos.
A etapa inicial do processo de flotação processará 10 metros cúbicos por segundo o que permitirá limpar 10 quilômetros do Canal do Pinheiros e esta é a etapa que se pretende testar.
Não interessa à EMAE que opera a usina Henry Borden fazê-lo com 10 metros cúbicos por segundo. Isto só seria feito se o sistema funcionasse a contento e se fosse possível bombear 50 metros cúbicos por segundo que é o regime em que a usina funcionava até 1992.
O que se trata de fazer, agora, é verificar se o processo funciona bem numa escala maior do que a dos sistemas em que operou até agora. As objeções técnicas levantadas à realização desta etapa de testes pelo Ministério Público dizem respeito aos eventuais riscos ambientais que resultariam deste teste; a concessão de liminar pelo Juiz da 13ª Vara da Fazenda pública foi baseada no “princípio da precaução”.
Ora, este argumento não tem sentido porque atualmente todos os anos são bombeadas para a Billings grandes quantidades da água dos rios “in natura” sem tratamento algum. Estamos, pois, diante de uma tempestade em copo d’água que possivelmente tem por objetivo embaraçar a administração do Estado.
O que o bom senso indica é que a Justiça deveria permitir o teste do sistema que já foi instalado, passando-se então a uma escala maior do projeto como já deseja a EMAE (50 metros cúbicos por segundo) ou abandonando o projeto, se ele não se desempenhar satisfatoriamente.
Do secretário do Meio Ambiente, José Goldemberg,
publicado no jornal ‘O Estado de S.Paulo’ em 02/09/2003/ L.S.
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