"No fim, um pequeno começo." Dos tantos trocadilhos feitos sobre a controversa redação do compromisso final da COP28, encerrada na última semana em Dubai, o enunciado do diário alemão Süddeutsche Zeitung ilustra bem a interpretação dominante que restou na mídia de Europa e EUA. O acordo é obviamente insuficiente, mas sinaliza pela primeira vez a necessidade de encerrar a produção e o consumo de combustíveis fósseis. Esse passo já é histórico.
A imprensa brasileira foi bem mais cética. Diante das mesmas conclusões, ressaltou tons diferentes. Em análise na Folha, Marcelo Leite escreveu que a conferência "pariu um rato". Sem citar a COP ou a questão ambiental, Solange Srour mostrou por onde anda a discussão no país em coluna sobre valorização das commodities, maldição ou bênção: "No caso do petróleo, a produção crescerá de forma significativa nos próximos anos. Segundo previsão da Empresa de Pesquisa Energética, o aumento será de 80% nos próximos sete anos".
"Bênção", respondeu em entrevista à Folha Alexandre Silveira, o ministro que festejou a entrada do Brasil na Opep+ em plena conferência do clima. Faltou perguntar se ele combinou com os termômetros.
Em sinal evidente dos humores por aqui, a decisão da cúpula na manhã de quarta-feira (13) chegou à manchete dos principais sites jornalísticos, porém por pouco tempo. Logo as chamadas para a sabatina de Flávio Dino e Paulo Gonet tomaram o espaço, ainda que sem produzir novidade naquele momento. Era uma agenda importante, por certo, mas até então só uma agenda.
No dia seguinte, a decantação do noticiário devolveu a transição energética à prateleira mais alta no impresso da Folha, exceção entre os grandes jornais brasileiros. Não era uma escolha difícil. Como aconselha um surrado raciocínio de Redação, sacado em momentos assim, notícia seria Dino e Gonet gongados.
A coerência durou pouco. Na noite de quinta (14) e no impresso de sexta (15), na saraivada de vetos do governo Lula derrubados pelo Congresso, o jornal optou por dar maior destaque à desoneração da folha. A exceção coube, desta vez, a O Estado de S.Paulo, que impôs a reabilitação do marco temporal na sua versão física.
De novo, não era uma escolha difícil. De um lado, um pleito corporativista, de condução constrangedora por parte da imprensa; de outro, uma disputa econômica e social que ilustra em tintas fortes o momento do país. Judicializada, degenerará ainda mais o ambiente entre STF e Congresso.
Mais do que isso, opõe conceitos em nada desconhecidos deste jornal, um dos poucos da chamada grande mídia a ter uma colunista indígena e a dar amplo espaço a vozes e manifestações dos povos originários, com direito a custosas coberturas de Ambiente e capas da Ilustrada, por exemplo. Nem a bancada ruralista ignora o peso da decisão, que terá repercussão internacional e representará custo para o país, direto ou difuso.
Lembra da história de que a preservação ambiental é muito mais efetiva em terras indígenas? É assunto antigo por aqui, mas saiu há algumas semanas no jornal The New York Times. Tempos, leituras e percepções são diferentes, não apenas na COP. Que tal confrontar os congressistas?
O setor energético faz isso agora diante da descarada criação de jabutis nos projetos de lei em discussão na área, com a devida repercussão na Folha.
Grandes questões econômicas têm a atenção do jornal, não há mal nisso, pelo contrário. Grandes demandas sociais também têm, mas talvez não com o mesmo empenho ou no volume esperado pelos envolvidos. A diferença incomoda.
BAD COP
Das tantas hipocrisias escancaradas na COP28, a animada adesão brasileira ao cartel do petróleo conferiu ao país a distinção "fóssil do dia" na primeira semana da conferência. Uma forma bem-humorada de reconhecer quem rema contra o planeta na crise climática.
A vigilância foi forte e não poupou nem mesmo o jornalismo global. Segundo levantamento publicado por The Intercept e The Nation, as agências Reuters e Bloomberg, os jornais The New York Times, Financial Times e The Washington Post, a revista The Economist e o site Politico são os veículos preferidos da indústria de combustíveis fósseis para abrigar conteúdo patrocinado, aqueles que têm formato de notícia, mas são publicidade. Apenas o Times faturou US$ 20 milhões em três anos, a maior parte da Saudi Aramco.
Sim, a Folha não está sozinha quando apanha por veicular publicidade incômoda, como as iniciativas edulcoradas da Prefeitura de São Paulo ou o debate torto sobre cigarro eletrônico da ex-Souza Cruz.
Sozinho está o inglês The Guardian, que recusa conteúdos que vê como danosos à sociedade, como combustíveis fósseis e apostas esportivas. Às vezes é bom ser a exceção.
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