Com 52 anos, me pego relembrando o passado, conduzido por rostos e eventos que, por razões meio misteriosas, continuam vivos em mim. E talvez por cultivar uma certa melancolia e por já sentir alguns incômodos da idade, acabo às vezes emaranhado em pensamentos sobre viver e morrer, mas não de maneira depressiva.
À medida que a morte se aproxima, algumas pessoas se interessam mais pela espiritualidade. Elas retomam práticas religiosas da família ou se aventuram em experimentos novos, como visitar terreiros de umbanda, aceitar convites para igrejas, meditar, ou até buscar entendimentos fazendo constelação familiar ou experimentando substâncias psicoativas.
Conheço gente que não acredita em vida após o corpo, mas cria algo parecido com uma prática espiritual. Lembro de alguém que dedicou a vida ao trabalho e à família e, agora aposentado, está mudando: reconhece erros, pede desculpas, elogia de um jeito que nunca conseguiu antes e fala sobre sentimentos, mesmo que meio atrapalhado.
Este ano, reencontrei um amigo antigo, um cara forte que trabalhava com construção, e hoje mal consegue andar cem metros. Parou de trabalhar porque está perdendo a visão e tem medo de operar a catarata. Às vezes, a cabeça da gente se entrega e leva junto o corpo.
O espiritismo kardecista fala sobre as consequências de tirar a própria vida, porque o espírito do suicida vagaria entre mortos e vivos. Mas e as pessoas que, ao acumularem problemas de saúde e solidão, se entregam e morrem de tristeza? Não seria esta também uma forma de suicídio?
Escolher viver e atravessar tormentas interiores pode conduzir a experiências transformadoras. Uma vez sonhei que estava cego e, nesse sonho, senti uma tristeza sem fim até perceber, estando cego, o amor real que amigos e familiares tinham por mim - um amor que a visão não me deixava ver.
A proximidade da morte também pode trazer vida. Uma amiga foi diagnosticada com câncer agressivo depois de realizar o sonho de montar uma pousada num lugar bonito, perto da floresta. A vida conspirou a favor dela: familiares ajudaram nos detalhes práticos do tratamento, e ela buscou a cura em todos os tratamentos possíveis. Agora, ela está mais ligada às pequenas epifanias que a vida traz.
O protagonista do romance "Todos os Homens São Mortais", de Simone de Beauvoir, é um homem imortal que, depois de rodar o mundo e viver aventuras, tenta sem sucesso se matar prendendo a respiração. E tem pesadelos com o dia em que ele estará sozinho no planeta deserto.
Não sei se é certo ou errado perguntar sobre Deus ou se as máquinas um dia pensarão como nós. Mas, mesmo sem querermos, a vida e a morte estão aí. O grande mistério, sempre surpreendente, nos cerca, mesmo quando escondidos debaixo da cama ou fingindo não ver.
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