sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

André Roncaglia Desigualdade aumenta o gasto social em segurança patrimonial, FSP (definitivo)

 A América Latina é uma região violenta. Responsável por quase metade das vítimas de homicídio no mundo, ela detém pouco mais de 8% da população global. É também uma das regiões mais desiguais do planeta.

Estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que, além das dolorosas perdas familiares, a criminalidade inibe a acumulação de capital. Ao afugentar investidores temerosos de roubo e violência e elevar os custos de vida e de operação das empresas, a insegurança diminui a produtividade ao desviar recursos para investimentos menos produtivos, como a segurança residencial.

Vista da favela de Paraisópolis com o luxuoso bairro do Morumbi ao lado, em São Paulo - Eduardo Anizelli - 25.dez.20/Folhapress

O combate ao crime melhora a alocação de recursos, mas é importante atacar as suas causas mais profundas. Estudo de Daniel Hicks e Joan Hicks (2014) trouxe evidências de correlação entre criminalidade e desigualdade: regiões dos EUA em que havia maior consumo conspícuo (carros, joias, restaurantes caros etc.) também sofriam com maior criminalidade.

O Brasil é um dos países com maior desigualdade econômica no mundo. Aqui, R$ 20 de cada R$ 100 gerados correm para o 0,5% mais rico da população. A privação econômica, a concentração de riqueza e a sensação de insegurança impulsionam a necessidade de proteção patrimonial.

Pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que a insegurança cresce com o nível de renda. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública justificam o medo: crimes contra o patrimônio, como roubos e furtos, têm aumentado nos últimos anos no Brasil.

A concentração espacial de riqueza também se relaciona a taxas mais altas de crimes contra o patrimônio. Propriedades de alto valor se tornam alvos atrativos para criminosos, o que leva proprietários a investir em sistemas de segurança mais sofisticados. Isso inclui a contratação de seguranças particulares, a instalação de câmeras de vigilância e de sistemas de alarme, com segurança particular, blindagem de automóveis, camadas de segurança cibernética contra golpes e crimes financeiros e, a partir de 2019, com armas, muitas armas.

Um trágico evento recente exemplifica este padrão. Estimulado pela política de violência pública de Bolsonaro, o empresário paranoico com sua segurança residencial disparou suas duas pistolas contra uma policial civil e estimulou seu segurança privado a fazer o mesmo. Os três acabaram mortos.

A plataforma DataViva mostra que, entre 2003 e 2021, a renda mensal neste setor cresceu de R$ 400 milhões para R$ 2 bilhões, tendo o gasto mensal direto em atividades de segurança e vigilância variado de R$ 193 milhões para mais de R$ 1 bilhão, enquanto o número de empregos cresceu de 266 mil para 500 mil.

Para a maioria da população, contudo, esta proteção não é acessível. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua mostrou que, em 2021, cerca de 1,8 milhão de brasileiros foram vítimas de roubo (1,1% da população), dos quais 63,2% eram pretas ou pardas e 38,6% das vítimas tinham até o ensino médio incompleto. A riqueza concentrada no topo gera insegurança generalizada no andar de baixo.

Problemas comuns requerem atuação do Estado. Como na saúde e na educação, a política de segurança pública não pode ser terceirizada ao cidadão comum, sob pena de gerar mais insegurança às forças policiais, tragédias familiares e má alocação de recursos na economia.

O caminho mais efetivo para combater a criminalidade é reduzir a desigualdade de riqueza e ampliar a oferta de bens públicos, via tributação progressiva e crescimento econômico inclusivo.

A democratização das oportunidades diminui a oferta de mão de obra ao crime e cria um ambiente mais seguro e equitativo para todos, não apenas para quem pode pagar.


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