O Brasil encerra o ano com a menor taxa de desemprego desde 2015 — números do IBGE. Nas contas da Fundação Getúlio Vargas, a inflação deverá ser de 4,2% e a taxa de crescimento do PIB, de 2,9%. Outras instituições estimam que pode passar de 3%. Tanto FMI quanto OCDE calcularam o PIB brasileiro deste ano maior do que o do Canadá, listando o país como nona maior economia mundial, não longe da Itália, que é a oitava. O resultado é melhor do que previam a maioria dos economistas quando o ano começou. Mais do que isso: no balanço, é o melhor conjunto de números desde 2013. E, ainda assim, as pesquisas mostram que politicamente o brasileiro está no mesmo lugar em que andava há um ano. Houve mudança real na economia, mas a agulha não moveu. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está mais popular.
O PT começa a descobrir o que a literatura de ciência política já vinha dizendo faz um tempo, mas o partido não acompanha. As regras do jogo mudaram de uma forma profunda.
A lógica que James Carville definiu na campanha à presidência de Bill Clinton, ‘é a economia, estúpido’, está suspensa.
Quais são as lições que o PT tira do fato de que a economia cresceu, a inflação caiu, o desemprego também, e Lula segue com essencialmente o tamanho que tinha antes? Nos dias 8 e 9, o partido realizou uma grande conferência para debater as eleições do ano que vem. Reuniu cinco mil filiados no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, o maior e mais central espaço de eventos da capital federal. Encheu o lugar, gente que não acaba mais, com seus crachás pendurados. O tamanho do encontro tem utilidade. Anima a militância por um lado, e animação será necessária na briga eleitoral. Por outro, demonstra força para que os outros partidos vejam. Nenhuma legenda reúne gente como o PT ainda consegue fazer. Em política, isso é força.
E, no entanto, de que serve essa força? As pesquisas que encomendou, que tem nas mãos, sugerem que por todo o Brasil a tendência é de reeleição dos prefeitos que já estão no poder. Desde o último ano do governo Bolsonaro, o Centrão vem irrigando de dinheiro os cantos do país que lhe dão poder. No Brasil de 2024, haverá muito menos espaço onde o PT possa brigar por espaço. A escolha é apostar na eleição de vereadores e priorizar 14 capitais. No resto do Brasil, onde for estratégico, o jeito é compor, tentar encaixar uns vices.
Enquanto conformam-se com bem menos do que já tiveram, os líderes do partido procuram pistas para entender a “resistência a Lula” na classe média e nas periferias urbanas, que foram perdidas. Tanto o deputado Rui Falcão quanto o ministro Alexandre Padilha apresentaram o que chamam de “diagnóstico” para o problema com o objetivo de “capitalizar” a percepção de melhoria de vida.
Afinal, este é um ponto chave captado tanto pelo Datafolha quanto pelas pesquisas do partido. Não é só que os números da economia foram todos na direção certa. As pessoas também reconhecem que suas vidas estão melhores. Só não fazem a conexão. Só não atribuem a melhora ao Planalto. Ou, com outras palavras: ainda que no íntimo atribuam, isto não muda a opinião de quem não gosta de Lula.
A tese de quem tem a missão de explicar essa desconexão, dentro do partido, tem duas pernas. A comunicação ainda não ‘acertou o tom’ e as políticas públicas têm seu ‘tempo de maturação’.
Quer dizer: o Estado é lento. As pessoas só vão começar a perceber que a ação do governo mudou ali na ponta nos primeiros meses do ano que vem e, se a mensagem publicitária acertar, as pesquisas de percepção do Planalto mudam.
Já há dois filmes circulando nas redes e TVs com a nova mensagem. Em um, uma família se encontra para o Natal. Há um recém-nascido entre eles e um mal-estar entre os dois irmãos — o que acaba de se tornar pai e o jovem tio. Ali o tom é de reencontro do afeto marcado por uma frase do tio para o pai. “Eu me imunizei”, ele diz, como quem fala que não traz risco para a criança.
No outro filme, uma mãe angustiada se queixa na farmácia do preço que ela não pode pagar de um remédio de asma para a filha. Ela veste uma camisa da Seleção por baixo de outra, de mangas compridas. Outra mãe se aproxima, com a filha que usa o mesmo medicamento. As duas sorridentes. “Mas esse remédio é de graça se você tem a receita”, ela diz. “Achei que não era para todos”, responde aliviada a outra, enquanto tenta esconder a camiseta amarela. A mãe patriota é branca, a lulista é negra.
O ministro Paulo Pimenta, secretário de Comunicação do Planalto, apresentou as peças com a esperança de que promovam a ideia de um governo para todos — mesmo para os não governistas. Além disso, os planos para 2024 são de que Lula viaje bem menos para fora e bem mais pelo país, inaugurando obras, fazendo discurso. É um papel do qual o presidente sempre gostou. Ele cresce com a presença de plateia.
Mas discursos de Lula, filmes publicitários com este tipo de roteiro, aumento do salário mínimo que desponta logo no início do ano, programas de governo que realmente se tornaram mais eficazes pós-Bolsonaro, nada disso vai mudar o humor da sociedade.
O PT reconhece que o problema existe e tem um diagnóstico. Ocorre que o diagnóstico está errado — e está errado porque, é o que mostra sua ação, o PT está desinformado. Há conhecimento que se acumula na academia sobre a transformação que vivemos, mas as notícias não parecem ter chegado ao partido.
O que mobiliza o eleitorado não é, como foi, a economia. Não é que James Carville estava errado. Ele estava certo — apenas ocorre que ele descrevia outro mundo. Um mundo no qual Lula governou por dois mandatos. Mas o processo de mudança atropelou Dilma Rousseff e, desde a eleição de Jair Bolsonaro, já vivemos noutra realidade. O que mobiliza o eleitorado são valores.
Nem é a economia do discurso de luta de classes que mobiliza a militância de esquerda — é, agora, a luta contra o opressor branco das muitas minorias. Como não é a economia que mobiliza o eleitorado, hoje muito mais ativo, da direita. É a ameaça percebida à família tradicional, a ameaça à propriedade privada principalmente no campo, é a religião e uma lista de outros valores. Valores mobilizam. Estes valores são expressos em pautas que servem mais como símbolos do que como problemas concretos. O banheiro dos trans, o porte de armas, as cotas, o aborto, a legalização da maconha, a vacina. São símbolos aos quais as pessoas se abraçam para demarcar no que se diferem umas das outras.
Porque, fundamentalmente, as pessoas querem diferir. Não há o que o governo Lula possa fazer com, talvez, uma única exceção. Parar de inflar a briga. Só que, aí, esfria também o seu lado da torcida.
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