Um aforismo sempre repetido assevera que se pode medir o grau de civilização de uma sociedade pela forma como ela trata seus presos. Não discordo. Verificar como um corpo social cuida dos que teriam se insurgido contra suas regras é uma métrica interessante. Mas penso que uma visita ao sistema tributário tende a ser uma régua ainda mais reveladora, já que a estrutura dos impostos captura as preferências e vieses de uma sociedade em múltiplas dimensões.
À luz dessa ideia, podemos dizer que a recém-aprovada reforma tributária representa um marco. Na leitura mais chã, estamos em vias de aposentar um sistema que se notabiliza por uma complexidade exasperante, que estimula a guerra fiscal e a judicialização, e de substituí-lo por algo mais em linha com o que fazem outros países. É um passo formidável. Não há como deixar de destacar a importância de estarmos prestes a abandonar o que muitos chamam muito apropriadamente de manicômio tributário brasileiro.
Numa interpretação mais granular, porém, a reforma não esconde que somos uma sociedade injusta, patrimonialista e corporativista, na qual cada grupo se esmera em tentar arrancar privilégios e repassar a conta para os outros. Quem tem bom acesso a parlamentares ou grita mais convincentemente conseguiu para si uma benesse tributária. Mas, como lobbies não têm o poder de alterar a matemática, o resultado global desses movimentos é que, para compensar as várias generosidades, a alíquota de IVA que recairá sobre os contribuintes "normais" será uma das maiores do mundo.
E sou pessimista em relação aos próximos passos. Há mais chances de a reforma ser piorada do que melhorada na fase de detalhamento em que entrará agora.
Essa lógica do "vou tentar garantir o meu" não é irracional, mas é pouco compatível com os níveis de solidariedade e confiança entre os vários atores políticos e sociais que caracterizam as nações mais desenvolvidas.
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