Eram 11h e eu estava sentada numa sala de espera. Ao meu redor, paredes brancas descascadas e brinquedos sujos, alguns quebrados demais para serem brincados. Chegamos às 9h na emergência do hospital público mais próximo da minha casa, na região Leste de Londres. Quarenta minutos depois de dar entrada na recepção, fomos chamados por uma enfermeira que mediu a temperatura e verificou os batimentos cardíacos do meu filho de um ano.
"Agora pode entrar ali na sala de espera que o médico vai chamar." Ela disse apontando para a porta que ficava ao final do corredor.
"Sabe mais ou menos quanto tempo deve demorar?" Perguntei em tom triste, já sabendo a resposta, mas perguntando mesmo assim. Como se a pergunta em si, acompanhada do olhar de súplica, fosse capaz de acelerar o processo.
"Algumas horas." Ela respondeu, em tom seco.
"Algumas horas?" Repeti.
"Sim." Ela rebateu, e ainda adicionou para não deixar dúvida: "Não vai ser rápido".
Não foi. Como previsto, ficamos lá por horas. Ele engatinhando pelo chão sujo, brincando com os brinquedos velhos e tentando chamar a atenção de outras crianças igualmente encatarradas. Estávamos ali porque ele tinha tossido sangue no dia anterior. Tinha passado o dia letárgico, sem energia, dormindo e acordando no meu colo, gemendo de dor.
Enquanto esperávamos pelo médico e meu filho coletava mais amostras de outros vírus diferentes daquele que nos havia trazido até ali, abri o meu telefone.
Passeei meus dedos por notícias cotidianas, uma ponte que cai, gente que morre, político que rouba. Coisas que acontecem tanto que não comovem mais como deveriam. Até que cheguei numa notícia que me pareceu de fato nova. A chamada, acompanhada de uma foto de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, dizia que o bilionário estaria construindo um projeto secreto no Havaí. A empreitada com valor estimado em mais de US$ 200 milhões (R$ cerca de R$ 975 milhões) incluiria diversos prédios, duas mansões e um bunker subterrâneo com mais de 1.500 metros quadrados.
Levantei meus olhos por um momento, assimilando o contraste do conteúdo da notícia com as paredes descascadas ao meu redor e fui automaticamente consumida por um ódio que costumo tentar evitar.
Quantas paredes descascadas US$ 200 milhões são capazes de pintar? Quantas macas, remédios, ambulâncias, equipamentos, US$ 200 milhões são capazes de custear? Quantos médicos, enfermeiros, socorristas?
"O dinheiro é dele" dirão aqueles curiosos seres de classe média que cultivam um apego peculiar à classe bilionária. "Ele ganhou, tem direito de usar como quiser."
Sim, Mark tem seus méritos. Eu mesma não estaria aqui se não fosse pelo Instagram. Mas há algo de paradoxal e podre nessa lógica. As plataformas da Meta (especificamente o Facebook, o Instagram e o Whatsapp) têm sabidamente cumprido um importante papel na ascenção da extrema-direita negacionista, na proliferação de discursos de ódio e na disseminação de movimentos anti-ambientalistas. Mark, por sua vez, resiste a regular de forma mais contundente suas plataformas e segue evoluindo seu algoritmo para privilegiar a exposição a esse tipo de conteúdo. Afinal, radicalização gera engajamento e engajamento dá lucro.
Acordo do meu transe de ódio com a enfermeira chamando o meu nome. "A doutora está pronta para atendê-los."
Chego em outra sala, pequena, com as paredes igualmente descascadas e adesivos de bicho com pedaços do corpo faltando. A médica com rosto cansado nos atende com gentileza. Pergunta os sintomas, examina meu filho e dá o diagnóstico. Amigdalite. Prescreve o antibiótico que podemos retirar gratuitamente na farmácia da minha rua. Sinto alívio. Antes de irmos, ela pede para esperar. Volta com um brinquedinho e diz que é um presente de Natal por ele ter se comportado tão bem.
Ao sair do hospital e andar na chuva até o ponto de ônibus, penso em como sou privilegiada por ter acesso a tudo isso. E então sinto o ódio voltar. É o mínimo e ainda assim é tanto. Privilégio devia ser outra coisa.
Enquanto o mundo lá fora pega fogo, tem gente lucrando vendendo querosene. E usando o dinheiro para construir mansões à prova de apocalipse. E a gente se sentindo privilegiado por, depois de uma manhã de espera numa sala caindo aos pedaços, ouvir o médico dizer que vai ficar tudo bem.
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