Dentro de mil anos pode não existir ciência, mas religião com certeza existirá.
A religião é eterna enquanto durar a humanidade, a ciência é efêmera em comparação a "longue durée" da religião —"longa duração", conceito do historiador francês Fernand Braudel, do século 20.
Para a religião basta um homem sonhando. Dois, então, é uma multidão. A ciência necessita de uma parafernália técnica, industrial e financeira gigantesca.
Aviso: não perca nosso tempo tentando tachar essa discussão de "negacionismo" —uma das palavras da moda herdada da pandemia. Trata-se apenas de uma discussão de teoria da ciência, historiografia e psicologia da religião.
Somos mais facilmente religiosos do que cientistas. Você pode ter uma carreira profissional ligada à ciência e à racionalidade moderna, como médico, advogado ou engenheiro, e ser profundamente religioso. Crer em Deus, espíritos, reencarnação, destino, temas similares e tipicamente religiosos e ser juiz.
Uma pessoa pode praticar o método científico no trabalho —na empresa, no laboratório, num órgão público— e ser um fiel de alguma denominação religiosa.
Ela pode ser uma pessoa excepcionalmente dotada de inteligência muito acima da média, articulada, com repertório vasto em literatura ou ensaística de interesse geral, e crer profundamente na vida depois da morte.
Por outro lado, alguém pode ser um ateu convicto e ser burro como uma porta. Ignorante, sem repertório, sem articulação lógica no uso da linguagem e ter clara certeza do caráter inútil da condição religiosa.
Um ateu pode ser ateu seguindo os passos de gigantes como Marx, Freud, Feuerbach, Nietzsche, Comte, e ainda assim ser incapaz de uma gota de gentileza ou sensibilidade, o que nenhuma teoria brilhante pode ser capaz de prover. Ao mesmo tempo, você pode encontrar um ateu "mais cristão" que muitos cristãos.
Um fiel pode ser explorado por ministros picaretas, acreditar em seres imaginários, se colocar em risco por uma fé irracional e permanecer religioso contra toda tentativa de mostrar, para o bem psicológico, econômico e físico dele, que aquilo ou a pessoa em que ele crê é puro lixo retórico.
Um teólogo pode ser sofisticado em sua fé e em sua religião e, ao mesmo tempo, entender e respeitar a posição do ateu e permanecer um crente profundo. E vice-versa. Você pode ser muito rico ou muito pobre e ter fé ou não, nos dois casos.
Decorre desses exemplos que não há régua clara para vincular inteligência, repertório ou articulação de pensamento ao ateísmo ou à fé. Podemos encontrar capacidades ou incapacidades, e atitudes semelhantes nas duas margens desse rio. Ainda assim, a religião tem prevalência histórica e psicológica sobre as pessoas.
Ela é pré-histórica, não há dúvida. Não estou entrando em detalhes técnicos sobre a definição de religião, porque este texto não é uma tese de doutorado. Ela é presente em todas as culturas conhecidas das mais diversas formas de vivência e práticas. Sobreviveu a Freud, Marx, Nietzsche e Feuerbach. Habita consultórios e corações de uma infinidade de psicanalistas e jornalistas.
A ciência, por outro lado, não sobreviveria a um cataclisma econômico ou social. Desaparecia como método institucionalizado em pouco tempo.
A política, que às vezes faz pose de parceira da ciência, sempre viveu bem com a religião. Continua, na maioria dos lugares do mundo, a fazê-lo, e continuaria a viver do mesmo jeito. O xamã e o líder, lado a lado, ou a mesma pessoa.
A humanidade viveu quase toda sua vida, até hoje, sem ciência, e poderia voltar a fazê-lo se assim fosse obrigada. Sem religião, ela não passou um dia sequer.
Essa constatação pode chocar o tique nervoso dos modernos: somos os seres mais bem informados, inteligentes e racionais que o mundo já conheceu. O futuro é nosso. Doce ilusão.
Os deuses e demônios nos espreitam pela fresta da porta, nos poços vazios dos nossos corações e nos momentos decisivos da nossa existência.
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