Às vezes penso que não sou rico porque não quero. Se tivesse vocação para os negócios, já teria inaugurado uma clínica só para receber os infelizes do Natal. Quem são eles? Não, não são os verdadeiros infelizes —gente sem teto, sem família, sem emprego, que se acumula em tendas imundas nas calçadas da cidade. Consigo vê-los, todos os dias, quando saio e regresso a casa.
E não, não são as populações massacradas pela guerra, pela violência, pela perseguição, para quem o Natal não passa de uma memória distante. Um luxo a que não se podem permitir. Os meus infelizes são os meus amigos, conhecidos, colegas, contemporâneos.
Tudo gente de uma classe média fluente e afluente que, em fins de novembro, inícios de dezembro, entra em colapso com as "exigências" da quadra. Quais exigências? Estar com os outros. Estar com a família. Ofertar presentes. Receber.
O fenômeno é tão epidêmico que, todos os anos, mais ou menos por essa altura, a imprensa tem sempre algumas matérias sobre "como sobreviver ao Natal" —dicas de autoajuda, técnicas de meditação, às vezes fármacos de intensidade variada, para que o rebanho chegue a janeiro sem traumas.
Um amigo, usualmente são, vai longe: quando o fatídico dia 25 se aproxima, ele desaparece dos radares e faz questão de manter o celular desligado. Às vezes, viaja para o fim do mundo, só para não se confrontar com as nostalgias que a quadra sempre traz —amores perdidos, planos adiados, sonhos desfeitos. A vida que não se teve. A vida que tem. "É mais fácil assim", diz ele, como se falasse de um cataclismo natural.
Todos conhecemos pessoas que têm medo de palhaços. "Coulrofobia", eis o termo técnico. Mas medo do Papai Noel é um fenômeno só possível nas sociedades neuróticas em que vivemos. Será isto o "triunfo da terapêutica" de que falava o injustamente esquecido Philip Rieff (1922–2006)?
Talvez seja. Conta ele, no clássico "O Triunfo da Terapêutica", que nossos antepassados tinham as mesmas inquietações e misérias que nos afligem. Mas a cultura tradicional, no sentido amplo do termo, acolhia e dava significado a essa travessia inóspita.
Philip Rieff não falava apenas da religião, embora ela fosse parte central da experiência humana e fonte de consolação. Falava da própria vida em comunidade, que exigia de cada um a capacidade de sair de si próprio para ter os outros em consideração. Só esse movimento exógeno satisfazia e realizava o ser.
O "triunfo da terapêutica", com Freud e seguidores, quebrou esse movimento ao desmantelar a ordem tradicional que dava sentido à existência. O indivíduo passou a estar no centro do seu próprio drama existencial, sem o auxílio do velho patrimônio moral de outros tempos. Vantagens?
Algumas, sim. A valorização do bem-estar pessoal, a literacia dos sentimentos mais profundos, as mil possibilidades da autoexpressão —tudo isso são conquistas preciosas que ampliaram nosso conhecimento e revolucionaram as artes e as letras no século 20.
Mas a obsessão com o bem-estar, a intolerância aos sentimentos desconfortáveis e as frustrações da autoexpressão, que promete sempre mais do que entrega, confrontaram os contemporâneos com uma nova condição. Caminhar livremente, às vezes, também significa caminhar só.
Antigamente, vivia-se o Natal porque era o Natal, não nossos sentimentos perante ele, que importava. Hoje, sobrevive-se ao Natal porque as tribulações que projetamos na data são mais importantes do que a data.
Para usar as palavras de Rieff, passamos da igreja para o zoológico, onde cada um está fechado na sua jaula. Lambendo as feridas, acrescento eu. É por isso que a minha clínica faria sucesso no tratamento do estresse natalino. Os infelizes seriam recebidos de braços abertos e teriam duas opções de tratamento.
A primeira, rápida e indolor, seria uma anestesia profunda até janeiro. Quando acordassem, teriam sido poupados às angústias intoleráveis.
A segunda opção, mais demorada, seria uma combinação de vinho, música, conversa e, para os mais ousados, humor e perdão. Qual delas você escolheria?
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