Quando
o ano chega ao seu final é hora de fazer a faxina interna. Recomenda-se
vasculhar todos os cantos da moradia – como se fosse uma verdadeira devassa no
interior, um processo de despejo coletivo, procurando expurgar os fantasmas
persistentes e outros incômodos moradores, que ali habitam como posseiros.
Nestas horas coloca-se em ação a memória, que muitas vezes prega seus
inexplicáveis deslizes, tal como esquecer de cuidar da flor guardada há tanto
tempo e que hoje nada mais resta do que uma poeira de pétalas. Faz lembrar e
até dar razão para Gabriel Garcia Márquez quando solenemente profetizou que “a
vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda
para contá-la”.
Aquilo
que foi alcançado nada mais é do que o resultado da dedicação de cada um,
devendo ser preservado no interior de uma concha protetora e mantido como um
troféu, representando a conquista de um elevado projeto de vida. Daí é que
nasce o criador, o idealizador, o vitorioso. Aquele que não entope de promessas
os ouvidos carentes, mas preenche e sacia o vazio do coração e do corpo.
O
pouco que for extraído será significativo para cada um e para todos que o
cercam, fortalecendo o espírito corporativo e edificando o altruísmo coletivo.
Se o homem tiver a consciência de sua finitude será um construtor da obra
duradoura que poderá legar ao próximo, ressuscitando as potencialidades do
espírito e não vivendo como pequenos personagens no país imaginário de
Lilipute, do romance Viagens de Gulliver.
Assim,
nesta pirâmide ascendente - pois o homem é vocacionado para conquistas e
glórias apesar de sua efêmera existência – continua sendo ele o personagem
principal desta aventura maravilhosa chamada vida. E a cada ser humano,
portanto, responsável que é pelo espírito corporativo, são dirigidos os votos
para a edificação do altruísmo coletivo.
Dois
verbos utilizados no linguajar da economia tiveram perfeita adequação e
assimilação pelos consumidores, que ficaram gravados de forma indelével, principalmente
neste ano que se finda, até mesmo por aqueles desconectados da Última Flor do Lácio:
aproximar ou inserir. Falo aqui da movimentação do cartão para o pagamento na
máquina apropriada. Tão pequena como o cartão magnetizado. Mas ambos se
entendem quando estão cara a cara e a operação, quase sempre, é realizada com
sucesso, a não ser quando há a intromissão da inteligência artificial.
Mas,
voltando aos dois verbos, que determinam a realização da operação, a língua
portuguesa é tão rica e tão envolvente que, por mais que expresse a palavra, no
caso o verbo, não consegue retirar dela todo o seu conteúdo, pois, de tão
ampla, torna-se difusa. Não se trata de brincar com as palavras utilizando,
para tanto, não só o significado, mas também a linguagem de revelação, que é o
local indicado na máquina para identificar o cartão. Uma coisa é a linguagem da
máquina, a outra a humana.
Assim,
o verbo aproximar (appropinquare), do latim, assume o significado de avizinhar-se,
permitir o acesso, acercar-se, aconchegar, trazer o próximo para mais perto de
você, encurtar a distância e relacionar-se com ele.
Enquanto
que inserir, por sua vez, também de raiz latina (inserere), tem o
significado de fixar-se, incorporar, entrar dentro de, fazer com que algo
atinja seu interior, misturar-se com alguém de forma amistosa, ter uma
correspondência cordial, engajar-se, comprometer-se, empenhar-se com o outro.
Como
estamos em um momento para reetiquetar a vida, fica fácil a formulação de votos
de um ano novo com mais aproximação e inserção.
Eudes
Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, advogado.
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