A imprensa tem se referido a um tipo novo de advogado em Brasília, o "falador", que dirige aos holofotes uma algaravia totalmente contrária às ações e pretensões dos clientes. Acontece principalmente nos discursos de defesa dos civis e militares implicados no imbróglio dos regalos sauditas. A descrição coincide com a divulgação do best-seller de autoajuda intitulado "O Poder de Manter a Boca Calada num Mundo Infinitamente Barulhento" (Dan Lyons). Palavroso, o título é praticamente um oxímoro para o sentido visado pelo autor, mas gira em torno da virtude de não falar demais.
"Se as palavras queimam a boca, a cura é o silêncio". Este aforismo nagô é antigo e recomendável. Mas também o pensamento ocidental sempre teve um pé atrás com o que chamava de verbalismo, entendido como o caráter vazio do discurso, da profusão de palavras sem conteúdo. No palavreado que constitui a linguagem de todo mundo está o poder da compreensão instantânea, mas também o risco de inautenticidade da expressão.
Daí sustentar Mark Twain que "a verdade é mais estranha do que a ficção, porque esta é obrigada a se agarrar a possibilidades, enquanto a verdade não é". Ou seja, não é preciso falar muito para dizer a verdade. E ele ainda garante que, "se os animais pudessem falar, o cachorro seria um sujeito franco, mas boquirroto, ao passo que o gato teria a graça rara de nunca dizer uma palavra demais".
Sábios, filósofos e até os animais têm muito a ensinar sobre o falatório, reiterando que falar não significa descarrego fonético, e sim articulação simbólica com o entorno humano por meio de representações significativas. E o sentido, sempre histórico e mutável no diálogo, implica abertura, por discurso e ações, do laço socialmente coesivo.
Disso se ressente o circuito da fala nas redes sociais, onde o senso comum se perde no êxtase da palavra instantânea, aproximando-se do psitacismo, a fala do papagaio. No automatismo das proposições insensatas, desaparece a condição de poder afirmar algo como verdadeiro. Com o sentido fora de lugar, o sujeito fala para si mesmo,
Aos ouvidos da nação, Brasília é hoje, tanto quanto as redes, a capital federal do delírio linguístico, que varia da arlequinada legislativa às rabularias judiciais. Vale atentar a alguns ministros supremos, cujos votos sem coerência semântica se reprovariam como palavrório em qualquer prova de redação do Enem.
É que, na pós-era do "notável" saber jurídico, resta-lhes o poder monocrático de dar corda, como num relógio, a uma linguagem declamatória de si próprios: magistrados-palestrantes. No Terceiro Reich, mecanizavam-se as condutas, falando sem dizer. Entre nós, a crise pública do sentido é a corrupção das palavras pela repetição descerebrada de boquirrotos.
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