segunda-feira, 4 de setembro de 2023

José Gregori (13/10/1930-3/9/2023), Por José Renato Nalini, OESP

 Um tremor deve ter sacudido a terra quimérica das afeições. Tombou um soberbo jequitibá, cuja esplendorosa copa gerou inúmeros frutos, cujas sementes continuarão a germinar por várias gerações. Fortes raízes abeberaram-se no melhor do cristianismo, cuja coerente prática foi uma constante benfazeja.

Partiu para a eternidade aquele que a enxergava com otimismo e crença na perfectibilidade humana. O maior pregador dos direitos humanos foi aluno das Arcadas e orador de sua turma, a gloriosa plêiade que colou grau em 1954, o ano do Quarto Centenário de São Paulo.

Advogou para grandes empresas, “e, também, de gente desamparada ou perseguida”, como escreveu no livro de celebração dos 110 anos da Academia Paulista de Letras, onde tomou posse em 10 de novembro de 2011.

Era um apaixonado por Maria Helena, esposa com a qual chegou a comemorar Bodas de Ouro, em bela cerimônia no Mosteiro de São Bento. Nunca deixou de enaltecer sua família: “Casei com a mulher que idealizei desde sempre como a companheira perfeita: Maria Helena. Tive três filhas maravilhosas, com netos e uma bisneta que me encantam”. Era o seu depoimento em 2019, quando modestamente reconheceu sua trajetória de glória: “Fui Deputado Estadual, Secretário de Estado, Secretário do Município de São Paulo, Chefe de Gabinete de Ministros de Estado, Ministro de Estado da Justiça e Embaixador do Brasil em Portugal”.

Não foram os cargos que o enobreceram. Ele conferiu prestígio e respeito às funções que exerceu, todas elas em favor do Brasil e da edificação de uma sociedade humana e justa, o sonho da democracia ideal, pela qual sempre batalhou.

Política

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Tive o privilégio de conhecê-lo nas fervorosas orações proferidas em espaços como o Instituto Jacques Maritain, mantido por seu amigo Franco Montoro, na Faculdade de Direito da USP, em seminários e congressos pelo Brasil afora. Sempre entusiasta, a exaltar a natureza humana e a ensinar como é que os direitos humanos, tão decantados e universalizados nas últimas décadas, poderiam ser efetivamente implementados e estendidos a todas as criaturas racionais.

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Em almoços à mesa acolhedora e inesquecível de Paulo Bomfim, surgiu a ideia de levá-lo à Casa de Cultura por excelência do Largo do Arouche, a Academia Paulista de Letras. Conferiu-me a honra de saudá-lo, algo muito fácil e prazeroso, diante da exuberância de sua vida pública. No convívio acadêmico era a voz da tolerância, da compreensão, da pacificação e da esperança. Foi o único brasileiro que recebeu em Nova Iorque o Prêmio da ONU que comemorou o cinquentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O talento para fazer amigos, preservou-o até o final de seus dias. Participava de todas as reuniões online, em todas elas deixando suas observações generosas, encomiásticas e honestas. Era feliz, na santa alegria dos homens bons e puros de coração. As pompas da autoridade nunca obscureceram a singeleza do homem da melhor elite: a espiritual. Conviver com ele era renovar a convicção de que a humanidade tinha salvação e não fora um projeto fracassado.

Deixou um legado imperecível e um exemplo a ser seguido por sua descendência biológica, mas também por sua descendência afetiva e espiritual. Acolhia em seu enorme coração, todas as idades, todas as origens, todas as ideologias. Pois era provido de uma sapiência superior às mesquinharias que tanta vez comprometem o convívio.

Isso deixou claro em seus textos: “Parece-me que, depois do fracasso das ideologias e até que as religiões, um dia, quem sabe, consigam unir almas e mentes, caberá aos Direitos Humanos o papel de sentimento agregador. Especialmente se atingir o íntimo, lá bem no fundo, onde todos nós, pelo menos num momento, reconheçamos que o grande mistério da vida e da nossa finitude física nos faz iguais. Todos iguais. Irremediavelmente iguais”.

Não lutou em vão. Doando-se à causa dos direitos humanos, empregou prodigiosa longevidade a aprimorar a espécie. Professou “acreditar na vida, seu sentido e valor planetário e humano e que tudo se explique e avance aqui e depois daqui, com a naturalidade com que chega a primavera, que, nos infinitos fatores que a produzem, externaliza-se singelamente pelos perfumes, cores e formas. Não espero o Éden, mas um caminho que nos conduza à sagração da inteligência bondosa e justa”.

Por sua bondade e justiça, se existe alguém que merece o Jardim do Éden, com todas as honras, esse alguém se chama JOSÉ GREGORI.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras

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