SÃO PAULO
Deu no Painel que parlamentares querem pegar carona no caso Faustão para fazer avançar um projeto de lei que prevê o consentimento presumido para a doação de órgãos. Se a norma vingar, todos os cidadãos seriam considerados doadores a menos que especificassem o contrário.
Em tese, não haveria muito como não apoiar a iniciativa. Trata-se, afinal, de uma norma perfeitamente racional e com a perspectiva de ampliar a oferta de órgãos, salvando ou melhorando a vida de milhares de indivíduos e reduzindo gastos do SUS. É o regime vigente em vários países europeus.
O problema é que, não muito tempo atrás, entre 1997 e 2001, vigorou no Brasil a doação presumida e os resultados foram opostos aos esperados. Houve corrida de cidadãos aos postos de emissão de documentos para mudar o registro para não doador. Também aumentaram os casos de famílias que se opuseram à retirada dos órgãos. Ainda que a lei a permitisse, os hospitais não iriam iniciar uma guerra com parentes enlutados e eventualmente ter de chamar a PM. O remédio foi emendar a legislação, deixando a decisão para as famílias.
Efeitos rebote como esse não são incomuns na literatura da economia comportamental e da psicologia social. Se nos anos 1990, quando rumores e paranoias eram mais raros, a reação foi essa, não é absurdo imaginar que ela seria ainda mais exacerbada em tempos de redes sociais e fake news. Não digo que não devamos passar a um regime de doação presumida, mas é preciso proceder com calma, testando cada passo antes de torná-lo definitivo.
A chave para o sucesso é que as equipes médicas encarregadas de abordar as famílias conquistem sua confiança. Sem confiança, nada dá certo. Antes da pandemia, alguns estados brasileiros, que investiam em grupos especializados para esse primeiro contato, conseguiam índices equiparáveis aos dos países europeus que mais transplantam. A Covid, porém, deixou sequelas também aí.
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