O advogado e economista Adolfo Sachsida, de 50 anos, foi um dos poucos integrantes da equipe do ex-ministro Paulo Guedes que ficou no governo Bolsonaro do começo ao fim. Primeiro, no próprio Ministério da Economia, como secretário de Política Econômica (janeiro/2019 a fevereiro/2022) e chefe da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos (fevereiro a maio/2022). Depois, como colega de Guedes na Esplanada dos Ministérios, à frente da pasta de Minas e Energia (maio a dezembro/2022).
Ao deixar o governo, seu caminho natural seria voltar para o Ipea (Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada), do qual é funcionário desde 1997, mas decidiu pedir licença do órgão, que é ligado ao Ministério do Planejamento, para seguir novos rumos na iniciativa privada. Ele conta que recebeu propostas para comandar o departamento de economia de instituições financeiras, mas preferiu atuar na área de tecnologia, como presidente do conselho da TecKey Solutions. Voltada ao desenvolvimento de ferramentas para desburocratização de processos, agilização de operações de crédito e identificação de tentativas de golpes virtuais, a empresa é uma startup criada pela Tecnobank, que presta serviços de registro digital de contratos aos bancos.
Nesta entrevista ao Estadão, a primeira desde que deixou o governo, Sachsida diz que, se o ex-presidente Jair Bolsonaro tivesse conseguido se reeleger, a Petrobras seria privatizada. Ele fala também sobre a mudança na política de preços da estatal, a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e os planos da empresa para voltar a investir no exterior. Confira a seguir os trechos da entrevista de Sachsida relacionados à Petrobras.
Como o sr. vê a mudança da política de preços da Petrobras e o abandono na prática do PPI (preço de paridade de importação), que vinculava os preços do petróleo no País aos praticados no mercado internacional?
O atual governo tem uma visão de mundo muito diferente da nossa. Quando fui ministro de Minas e Energia, sempre procurei colocar um norte muito claro para cada uma das áreas que estavam sob minha direção. Nos setores de petróleo e gás, o meu norte era gerar competição. Vou até dar uma nova informação aqui: nós iríamos privatizar a Petrobras se o presidente Bolsonaro ganhasse a eleição. Embora muita gente não acreditasse que isso fosse possível, a privatização da Petrobras estava sendo preparada pelo governo. Nós iríamos trazer, no espaço de um ano e meio, muita competição aos setores de petróleo e gás no Brasil.
Como seria feita essa privatização?
Havia várias propostas de como privatizar a Petrobras na mesa, mas nós estávamos estudando uma maneira de fazer a privatização gerando competição nos setores de petróleo e gás. A gente não iria trocar um monopólio estatal por um monopólio privado. Isso iria facilitar e melhorar muito a vida dos brasileiros. No caso da PPSA (Pré-Sal Petróleo S/A), o processo já estava mais adiantado. Nós chegamos a enviar ao Congresso um projeto de lei para vender os recebíveis de trinta anos da PPSA, que era uma maneira de privatizar a empresa. Na época, pelos nossos cálculos, isso renderia cerca de R$ 390 bilhões, mas, como o preço do petróleo caiu um pouco de lá pra cá, hoje esse valor ficaria em torno de R$ 300 bilhões.
Qual era a posição do presidente Bolsonaro em relação à questão? O sr. tinha o sinal verde do presidente para tocar a privatização da Petrobras?
Quando ele me chamou para ser ministro, no meio daquela discussão toda sobre a alta dos preços dos combustíveis, eu falei: “Presidente, existem maneiras estruturais de diminuir os preços da gasolina e do diesel no País”. Entre os pontos que eu listei para ele estava a realização dos estudos para a privatização da Petrobras. Eu disse: “Tem de ser assim. Nós temos de gerar competição nesse mercado e só isso é que vai diminuir os preços dos combustíveis e melhorar o atendimento”. Então, ele falou prontamente: “Vai adiante”. Eu perguntei: “Tenho o seu okay?”. Ele afirmou: “Tem”. No dia seguinte, antes de eu tomar posse no ministério, escrevi o que iria falar sobre essa questão no meu discurso e fui mostrar para ele. Antes de eu dizer o que era, ele já disse: “Sachsida, você tem a minha confiança”. Eu insisti: “Não, presidente, isso aqui é sério, e eu vou ler para o sr. o que eu vou falar. Eu quero saber se eu posso falar que nós vamos iniciar os estudos para a privatização da Petrobras”. Aí, ele respondeu: “Pode fazer e vamos em frente.”
O sr. acreditava que, se o presidente ganhasse a eleição, isso realmente seria levado adiante?
Você sabe como é política. Se a gente tivesse ganho a eleição, eu teria de continuar como ministro, né? E você nunca sabe qual vai ser o arranjo político. Agora, pelo entendimento que eu tive com ele até o fim do governo, tinha sinal verde para tocar a privatização da Petrobras. Tanto é que ela foi tocada. Não foi só da boca para fora. O primeiro passo foi pedir ao PPI (Programa de Parceria de Investimentos) para começar os estudos sobre a privatização e o conselho do PPI aprovou o nosso pleito. Meu primeiro ato oficial foi solicitar ao ministro Paulo Guedes, a quem o PPI era subordinado, para incluir a PPSA e a Petrobras no processo de privatização. Então, eu acredito que teria o apoio do presidente para dar continuidade ao processo, caso ele ganhasse a eleição. Só que, agora, tudo mudou. O presidente Lula determinou a exclusão da Petrobras, da PPSA e de mais seis empresas, como os Correios, a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) e o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), do PPI.
Voltando à nova política de preços da Petrobras, qual é a sua posição nessa questão?
Dada a minha preferência por ideias pró-mercado, eu discordo dessa política, que desconsidera os preços praticados lá fora para balizar os preços dos combustíveis aqui. Acredito que ela vai levar a um aumento excessivo no endividamento da Petrobras, que foi bem reduzido desde 2019, e a outros problemas que nós já vimos no passado. Vai afetar a rentabilidade e reduzir os dividendos, cuja maior fatia vai para o governo, como principal acionista da companhia. Estão querendo também parar com a venda das refinarias, que foi objeto de um acordo feito pela empresa com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O atual governo não apenas está contestando o acordo com o Cade, para tentar manter as refinarias atuais, como pretende construir novas refinarias. Eu respeito essas ideias, mas discordo delas. Acho que o melhor para o Brasil é desconcentrar o setor, trazer competição e diminuir a intervenção do Estado na economia. Agora, nós temos de respeitar quem ganhou a eleição – e quem ganhou a eleição disse com todas as letras na campanha eleitoral que iria mudar a política de preços da Petrobras. Então, eu vejo isso tudo como resultado natural de alguém que ganhou eleição executando o que prometeu.
Qual a sua avaliação sobre a reoneração dos combustíveis, que tiveram os impostos reduzidos na sua gestão no ministério?
Eu acredito que combustíveis e energia elétrica são insumos básicos para a sociedade. Toda vez que você tributa combustíveis e energia elétrica está onerando toda a cadeia produtiva. Isso é ruim para o País como um todo. Por isso, sempre fui favorável à redução de tributos tanto sobre energia como sobre combustíveis. Os Estados reivindicavam uma compensação para a perda de receita que tiveram no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), com a desoneração. O próprio projeto de lei aprovado pelo Congresso já previa a compensação caso houvesse queda na receita, mas havia divergências em relação ao marco inicial do cálculo. Então, sob a liderança do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), foi fechado um acordo da União com os Estados que, na minha visão, ficou bom para todo mundo. Ficou bom para os Estados e preservou melhorias que haviam sido feitas, ao definir o pagamento de um valor fixo pela União, de R$ 27 bilhões, a ser quitado em parcelas, até 2026. A gente tem de elogiar quando acha que as coisas estão certas.
Recentemente, o Ibama negou o licenciamento para a Petrobras realizar a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O caso gerou uma grande discussão dentro e fora do governo e ainda não foi definido. O que o sr. pensa sobre isso?
Em primeiro lugar, eu discordo desse nome “foz do Amazonas”. Esse nome tecnicamente pode até fazer sentido. Só que a margem equatorial está a mais de 200 km da costa, em alto mar. Tem muito pouco a ver com a foz do Amazonas. Dito isso, nós temos de entender que a margem equatorial vai ser explorada, de um jeito ou de outro. Se não for pelo Brasil, será pela Guiana. Aliás, várias empresas petrolíferas já estão perfurando para extrair petróleo na Guiana. O mundo todo está de olho na margem equatorial porque são reservas de valor significativo. Então, a única escolha que o Brasil tem é se quer participar ou não desse processo. Como ministro de Minas e Energia procurei olhar os grandes exemplos do resto do mundo. A França, por exemplo, explora petróleo na margem equatorial. Se a França pode fazer isso, acho justo que o Brasil também possa. Acredito que não podemos perder essa oportunidade. O Brasil tem de se dar a chance de ser rico. Quando você fala da margem equatorial, está falando de um montante enorme de recursos, que vai beneficiar vários Estados do Norte e Nordeste. Eu respeito quem pensa diferente, mas acredito que nós temos de dar ao povo brasileiro a chance de ter acesso a esses recursos.
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Agora, há uma preocupação dos ambientalistas de que isso possa gerar um problema sério, ameaçar a biodiversidade da Amazônia. Como o sr. vê essa preocupação?
Nós temos de olhar a nossa própria experiência. Vamos olhar o pré-sal. Até agora não houve nenhum acidente no pré-sal. Além da experiência, nós temos a regulação necessária para extrair esse petróleo de maneira ambientalmente segura. De novo, se o Brasil não aproveitar essa oportunidade, as empresas vão se deslocar um pouquinho e explorar a margem equatorial a partir da Guiana. No caso da mineração, há receio também de que possa causar problemas ambientais. Agora, a nossa legislação sobre cavidades permite que, com pequenos avanços, a gente possa dar um grande salto na mineração brasileira. Nós tínhamos encaminhado um decreto sobre cavidades, mas o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, achou que estava muito agressivo. Respeito. Acredito que é um bom ponto. Mas é possível trabalhar nesse decreto para eliminar os excessos, satisfazer os órgãos ambientais e ainda assim trazer um grande ganho para a mineração no País.
Como o sr. vê a perspectiva de volta dos investimentos da Petrobrás na África, na América Latina e em outras regiões?
É como eu disse: eu tinha na minha cabeça um modelo privado para a Petrobras, com competição no mercado. Sendo privada, ela poderia fazer o que quisesse com o dinheiro dela. Assim, o cidadão brasileiro estaria protegido contra quaisquer riscos de perdas que possam afetar o caixa da empresa. Agora, sendo pública, é preciso tomar alguns cuidados na utilização dos recursos. Mas essa é uma decisão que cabe a quem ganhou a eleição e defende esse modelo.
Hoje, há uma grande discussão entre a Petrobras, o Ministério de Minas e Energia e os especialistas do setor sobre a reinjeção de gás nos poços de petróleo. Um grupo defende a reinjeção nos moldes atuais, alegando que permite melhor aproveitamento das reservas do País, e outros acham que ela deve ser reduzida, para sobrar mais gás, para que haja uma redução nos preços cobrados do consumidor. Qual a sua posição nessa questão?
Essa discussão apareceu quando eu fui ministro. Sempre acreditei que a minha função como ministro era melhorar os marcos legais. É o empresário que sabe qual é a melhor decisão econômica. Não é o ministro, não é o burocrata. Então, o que nós precisamos é de marcos legais que garantam o melhor uso dos recursos. Neste sentido, precisamos aprovar o projeto de lei do livre acesso, que eu encaminhei ao Congresso, permitindo que quem quiser escoar o gás, sem reinjetá-lo nos poços, possa fazê-lo. Agora, essa decisão de reinjetar ou não reinjetar deve ser deixada para a empresa. Por isso, sempre favoreci a competição. Com competição, quem tomar as melhores decisões, ou seja, quem melhor atender ao consumidor brasileiro vai ter sucesso.
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) está querendo tornar a BNDESPar (empresa de participações da instituição) uma empresa independente, para poder aumentar os empréstimos para a Petrobras. Assim seria possível, em tese, contornar a determinação do Banco Central que limita em 25% do patrimônio a exposição dos bancos a um mesmo grupo econômico, incluindo participações acionárias e financiamentos. Como o sr. analisa isso?
Quando a gente estava no governo, sempre achei mais importante que o BNDES estivesse mais próximo das pequenas empresas, das empresas de tecnologia, do setor privado, da montagem das privatizações, das concessões, da transição energética, do agronegócio. Nós já vimos isso no passado. A pergunta é: deu certo? Foi bom? Nós não podemos cometer os mesmos erros.
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