Por José Goldemberg*
Os países industrializados estão encontrando sérias dificuldades para cumprir os compromissos de redução das emissões de gases de efeito estufa que assumiram no Acordo de Paris. A guerra na Ucrânia interrompeu o fluxo de gás natural da Rússia e aumentou a insegurança dos mercados de petróleo e gás natural. O que se vê, em consequência, é o ressurgimento de um novo “nacionalismo energético” em que cada país trata de se tornar independente em suprimento energético, mesmo tendo de voltar ao uso de carvão.
Neste panorama há uma busca desenfreada por novas soluções tecnológicas, como o uso de automóveis elétricos (com eletricidade armazenada em baterias) ou hidrogênio verde, produzido pela decomposição da água, em lugar de produzi-lo a partir de gás natural, que é um combustível fóssil. Essas soluções ainda enfrentam sérios problemas tecnológicos e econômicos.
Em contraste com esse quadro pessimista, a opção que o Brasil fez em 1975, lançando o programa do etanol de cana-de-açúcar, ganha uma relevância especial.
É no Estado de São Paulo que se concentraram a produção e o consumo do etanol cuja produção em grande escala teve início em 1975, após a crise do petróleo de 1973, para reduzir as importações de derivados de petróleo e salvar a indústria de açúcar, produto do qual o Brasil era o principal produtor mundial e que atravessava grave crise na época.
Desde então, contudo, questões ambientais adquiriram grande importância e os cientistas brasileiros identificaram na produção de etanol da cana-de-açúcar – e seu uso para substituir a gasolina – grandes vantagens ambientais. A principal delas é a redução da poluição local produzida pelas emissões resultantes do uso da gasolina, responsável pela má qualidade do ar nas grandes cidades. O etanol da cana-de-açúcar, um produto derivado da atividade agrícola, é renovável e emite pouco CO2 (dióxido de carbono) – o principal responsável pelo aquecimento global –, em contraste com a gasolina, que, como derivado do petróleo, é um combustível fóssil.
Existem hoje, no estado de São Paulo, 172 usinas de álcool e açúcar, que produzem cerca de 10 bilhões de litros de etanol por ano. Desde o início da produção em larga escala, foram produzidos em São Paulo cerca de 300 bilhões de litros de etanol, e o seu uso evitou o lançamento de aproximadamente meio bilhão de tonelada de CO2 na atmosfera.
Como consequência, 59% de toda a energia consumida no estado de São Paulo é renovável. Essa porcentagem é uma das mais elevadas do mundo. Na Índia, combustíveis fósseis representam 92% do total; na China, 87%; nos Estados Unidos, 70%; e, no Brasil, 55%. Em São Paulo, o etanol substitui 50% da gasolina, além da eletricidade gerada com o bagaço da cana.
Apesar desse desempenho impressionante, 41% do consumo total de energia provém ainda de combustíveis fósseis, principalmente gasolina e diesel. A produção de etanol deixou de crescer desde 2015 e os esforços para exportá-lo para outros países não prosperaram.
Com o aumento das preocupações com as emissões de CO2, essa situação está mudando e estamos diante de uma oportunidade para resolver esses problemas, desde que o etanol se torne mais competitivo e que o País consiga viabilizar créditos de carbono pela produção de um combustível renovável.
É, portanto, necessário dar um passo à frente, e o estado de São Paulo deve aproveitar essa oportunidade. Há duas opções a seguir:
- Estimular o caminho seguido pela Raízen, que está tendo sucesso na produção de etanol com bagaço de cana (e, eventualmente, outros produtos vegetais não comestíveis), o que aumenta sua produtividade.
- Converter as atuais usinas de açúcar e etanol em unidades duais, capazes de utilizar milho como insumo nos meses em que a cana-de-açúcar não é disponível. O uso de milho já está sendo feito com sucesso nos Estados Unidos há muitos anos, mas exige a utilização de gás natural como combustível. Em Mato Grosso, o combustível usado é madeira de eucalipto, uma fonte de energia renovável, como a cana-de-açúcar e, portanto, com muito menor emissão de CO2 que o gás natural. Além disso, a proteína animal é um subproduto do uso de milho na produção de etanol. Sendo usado como suplemento alimentar para bovinos, dos quais existem cerca de 10 milhões em São Paulo, numa área de pastos de 6,8 milhões de hectares.
O que se propõe para São Paulo é o uso de áreas degradadas e pastos para lançar um grande programa de reflorestamento (que atuaria por si só como captador de carbono) e usar a madeira nas usinas para produzir etanol de milho. Estudos da Fundação Florestal identificaram um valor mínimo de 3,9 milhões de hectares (e 9,1 milhões de hectares máximos) que poderiam ser reflorestados, além da área de pastos que poderia ser liberada adensando a criação de bovinos.
Um programa como este permitiria aumentar a produção de etanol, ampliando seu uso no Brasil, bem como exportá-lo para Europa e Estados Unidos, onde é mais caro e difícil de produzi-lo.
* José Goldemberg foi secretário do meio ambiente do estado de São Paulo entre 2001 e 2006
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