Letícia Pimentel e Marcelo Miterhof
Causaram forte repercussão os dois decretos presidenciais, publicados no último dia 5, que mudam a regulamentação do novo marco legal do saneamento.
As principais mudanças foram: 1) estender prazos relativos a condicionantes para acesso a recursos da União; 2) permitir que distintas formas de prestação dos serviços convivam, inclusive retirando o limite para PPPs (parcerias úblico-privadas); e 3) abrir a possibilidade de as companhias estaduais de saneamento básico (Cesbs) regularizarem contratos de programas (estabelecidos sem licitação) com municípios de sua área de atuação.
Em especial o último ponto foi entendido como uma forma de dar sobrevida indevida às Cesbs e desestímulo ao setor privado. Porém, a medida visou a reforçar a segurança jurídica do setor.
O governo anterior vetou o artigo 16 da lei 14.026 (o novo marco) —crucial para sua aprovação no Congresso Nacional—, que permitia que as Cesbs estabelecessem pela última vez contratos de programa com municípios em que atuassem.
Seu veto, sem a previsão de mecanismos transição, criou insegurança jurídica para prestadores e municípios. Essa pode ser uma das explicações para a queda de investimentos em 2020 e 2021 (último dado disponível) em comparação (descontada a inflação) a 2019, ano anterior à promulgação do novo marco.
Agora as Cesbs poderão regularizar os contratos onde prestam os serviços. O tempo do contrato regularizado é limitado pelo prazo para o atingimento das metas fixadas na lei (2033). É uma transição de dez anos, bem inferior aos trinta anos originalmente negociados no artigo vetado.
Vale notar que os grandes projetos licitados (Rio de Janeiro, Alagoas, Amapá e Ceará) não decorreram da vedação aos contratos de programa, pois começaram a ser estruturados antes da lei 14.026. Mesmo a privatização da Corsan, iniciada após a edição da lei, não teve na situação de seus contratos de programa, em grande parte regulares, uma grande motivação.
A nova regulamentação não desestimula novos projetos de concessão e PPPs —até porque a vedação ao contrato de programa permanece—, mas permite que sejam combinados com a prestação pública, quando esta tiver capacidade e os entes federativos desejarem fazê-lo. O objetivo segue sendo universalizar, mas os modelos possíveis agora são diversos.
Outra crítica tem sido sobre os novos decretos extrapolarem as funções do Executivo. A fronteira entre as atribuições da lei e do decreto nem sempre é precisa, e já vinha sendo testada desde as primeiras regulamentações, ainda no governo anterior.
Essas regulamentações também buscavam dirimir inseguranças jurídicas e preencher vazios do texto legal, principalmente em relação às concessões vindouras à época. Foram fixados prazos de transição e excepcionalidades que não estavam presentes na lei original.
Por fim, a esfera legal nunca foi e não será suficiente para promover o avanço necessário ao saneamento. Para buscar a universalização, é preciso estruturar novos projetos, privados ou públicos.
Também é preciso capacitar as agências reguladoras subnacionais, tanto para fiscalizar e punir prestadores públicos que há décadas prestam serviços ruins quanto para garantir que as concessões feitas recentemente entreguem as metas contratadas.
É urgente olhar para o saneamento rural e para as favelas, que não podem ficar de fora no atingimento das metas. Mais do que reabrir o debate legislativo, o setor precisa se concentrar nesses pontos de agora em diante.
O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.
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