Dirigindo-se ao ministro Fernando Haddad, Lula disse: "Vamos desenrolar, pelo amor de Deus". Referia-se ao programa destinado a permitir a renegociação das dívidas de 37 milhões de pessoas que, segundo a estimativa oficial, estão com o crédito sujo.
Promessa de campanha, a ideia ganhou um nome Desenrola. A ideia dos marqueteiros não podia ser melhor. Faltava o programa.
Em fevereiro, Haddad informou que ele seria anunciado logo. Há dias o ministro revelou que "estamos com um problema operacional, que é fazer o software para o credor encontrar o devedor". À parte o fato de que o credor quase sempre sabe onde está o devedor, essa explicação parece insuficiente. Certo mesmo é que o simples anúncio da ideia estimulou o calote de quem prefere esperar o alívio.
O professor Delfim Netto já resumiu a essência da arte de administrar:
"Você tem que abrir a quitanda de manhã, colocar as berinjelas no balcão e conferir o caixa para ver se há troco para as freguesas".
O governo promete uma nova âncora fiscal e uma reforma tributária. Na lógica de uma quitanda, quer reformular a lista de fornecedores e refazer o cálculo dos preços que cobra. Berinjelas, nem pensar.
Na segunda-feira, quando Lula pediu a Haddad que desenrole o Desenrola, a íntegra de sua fala foi logo distribuída. Como o pedido veio num momento de improviso, um problema operacional deixou de registrá-lo.
Encantado com sua própria voz, Lula repetiu que "o Brasil voltou". De fato, o país vive novos tempos, mas por serem novos não são necessariamente eficientes.
É nos improvisos de Lula que estão as surpresas. Ele citou o caso de uma empresa que está se instalando perto do aeroporto de Brasília, podendo vir a congestionar o trânsito de caminhões. Dirigindo-se ao ministro Márcio França, de Portos e Aeroportos, pediu: "É importante que essa empresa habilmente seja convidada a procurar outro trajeto". Como? França manda nos aeroportos, quem manda na empresa é o empresário, e na malha de Brasília manda o governador do Distrito Federal.
Lula fica à vontade quando volta a reclamar da taxa de juros. Essa é sua zona de conforto desde os primeiros dias. Afinal, a Selic é fixada pelo Banco Central e ele é autônomo. Em 2003, durante os seis primeiros meses de seu primeiro governo, o Banco Central não tinha autonomia legal e a Selic ficou acima dos 25%. Naquele ano, a taxa média do juro real foi de 13%. Bem acima dos 8% de hoje. Só quem reclamava era o vice-presidente José Alencar.
Seria um exagero dizer que o governo não tem rumo. Ele o tem e, pelas intenções, é bom. Seu problema está no excesso de confiança em suas promessas. Lula, em particular, investiu-se de uma autoridade imperial. Dirige-se aos ministros em reuniões públicas como um mestre-escola. Afinal, uma empresa instalando-se perto do aeroporto de Brasília não é assunto para uma reunião com 37 ministros. Essa postura serve para enrolar quem acredita na boa intenção do presidente e se convence de que os problemas estão no funcionamento da máquina.
O programa Desenrola é uma boa ideia. A enrolação veio do próprio governo, anunciando prazos irreais. Felizmente, até agora ninguém sugeriu que ele está travado por culpa do Banco Central.
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