Bolsonaro é uma espécie de Midas reverso: tudo em que ele toca estraga. Sempre que o presidente se aproximou de algum debate sobre políticas públicas, a posição que abraçou terminou associada ao charlatanismo populista e à anticiência. Isso interditou debates públicos fundamentais sobre a segurança das urnas eletrônicas e a reabertura das escolas.
Desde a campanha presidencial, Bolsonaro estimula a desconfiança no processo eleitoral. Sem apresentar qualquer tipo de evidência, alegou que as urnas eletrônicas foram fraudadas e que sua vitória teria sido maior do que efetivamente foi. A postura irresponsável de fazer uma acusação grave sem provas e organizar uma campanha de descrédito do sistema eleitoral levou os atores políticos a repudiar a posição do presidente.
Mas essa compreensível repulsa terminou bloqueando um debate que precisa ser feito. Há muitos anos uma parcela da comunidade acadêmica critica a abordagem de segurança adotada pela urna eletrônica: da opção de manter o código fechado à tecnologia de ciframento. Nos testes de segurança que são periodicamente conduzidos pelo TSE, esses acadêmicos têm apontado vulnerabilidades relevantes.
Há também argumentos muito razoáveis em defesa do voto impresso, que permitiria uma auditoria não digital, como é feito em muitas democracias que adotam urnas eletrônicas. Isso tudo, evidentemente, não quer dizer que as eleições foram fraudadas nem que o sistema não seja confiável —apenas que ele pode ser mais seguro.
Situação semelhante acontece com o debate sobre a reabertura das escolas. A postura do presidente Bolsonaro de minimizar a gravidade da Covid e se opor ao fechamento do comércio levou a justificadas críticas em defesa de uma saúde pública negligenciada.
Mas isso impediu também um debate nuançado sobre a reabertura das escolas que equilibrasse os riscos à saúde com outros riscos trazidos pela adoção integral do ensino à distância. Como muitos especialistas têm mostrado, o ensino à distância apresentou resultados limitados, e a perda de um ano letivo vai gerar deficits de aprendizagem que devem aumentar a evasão escolar, ampliar a desigualdade social e reduzir a produtividade do trabalho. É por esse tipo de motivo que, mesmo no rígido lockdown europeu, as escolas seguem abertas.
Um dos piores efeitos da polarização política é que ela compromete nossa independência de raciocínio e nossa postura crítica, gerando comportamentos reflexos. Não precisamos, de maneira automática e irrefletida, ser sempre contra aquilo que Bolsonaro defende.
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