Em 2015, escrevi neste espaço que o mito de Madame Satã resiste a desconstruções. Na época ainda não havia o bolsonarismo oficial, e o cancelamento não era a última palavra nos debates e discussões das redes sociais.
Eu deveria ter prestado mais atenção ao comentário de um leitor indignado, para quem Madame era “infame” (bela rima) e uma figura que só despertava interesse dos “intelectuais que veem nele uma vítima da sociedade”. Pois agora o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, é quem investe contra o cidadão João Francisco dos Santos, morto em 1976, chamando-o de “triplo homicida”.
Como o órgão federal sob a responsabilidade de Camargo tem por atribuição valorizar a produção de negros brasileiros e combater o racismo, ele não tem o que fazer. Diverte-se retirando nomes de uma lista de homenageados: a ex-senadora Benedita da Silva, a escritora Conceição Evaristo, a cantora Elza Soares, os compositores Gilberto Gil, Milton Nascimento, Martinho de Vila.
Nem nos anos 30, quando atuava na Lapa e tinha fama de ter enfrentado no braço e na pernada uma patrulha inteira da Polícia Especial, Madame Satã era unanimidade. Diziam que ele não chegava aos pés de outros malandros históricos: Meia-Noite, Tinguá, Sete-Coroas, Miguelzinho Camisa Preta.
Depois de passar mais de 27 anos no presídio da Ilha Grande, a liberdade lhe entristeceu, pois havia encontrado na cadeia um lar. Foi recebido como herói-marginal da contracultura, deu entrevista ao Pasquim, posou para fotos de chapéu panamá, visitou os bares da moda, publicou uma autobiografia ficcional. Em pouco tempo a esquerda festiva enjoou dele: “Ih, lá vem a bicha velha”. Só o cartunista Jaguar foi amigo até o fim.
Camargo logo despontará para o anonimato. Madame será lembrado pelos séculos dos séculos. Para aplicar uma banda, é preciso ciência.
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