15 de novembro de 2020 | 03h00
Foi só na semana passada que as pessoas parecem ter acordado para o fato de que hoje tem eleição. Nos últimos dias, três debates tiraram a campanha de São Paulo da clandestinidade imposta pela pandemia e pela omissão de quem a usou como desculpa para se esquivar do seu dever de promover a discussão como combustível da democracia.
O que esses debates e as pesquisas mostraram é que, mesmo driblando as restrições do ano do vírus e privado de informações, o eleitor parece ter chegado à conclusão de que é preciso votar com a cabeça, e não com o fígado ou com o coração. As disputas municipais vão resgatando a política, feita de bode expiatório em 2018, e escanteando a nova política estridente e feita de lacração nas redes sociais.
Com o pesadelo que é aguentar Jair Bolsonaro e sua Presidência buliçosa todos os dias há quase dois anos, depois de dois governadores eleitos na sua aba defenestrados, seu partido implodido e seus náufragos boiando dispersos por legendas amorfas, parcela significativa do eleitorado que votou nele (porque votaria até no demônio para não votar no PT) parece ter acordado do transe psicótico.
No outro lado, também sumiu da praça o eleitor negacionista dos descalabros do PT, aquele que fez ouvidos moucos para uma série de revelações baseadas em fatos e provas que mostravam que houve um assalto sistemático ao Orçamento público e ao patrimônio de estatais como forma de perpetuar um projeto de poder.
Isso era razão para se eleger um deputado ligado a milícias, com a família inteira empregada na política e se locupletando dela na forma de desvio de recursos de gabinetes para engordar patrimônio, defensor de tortura, assassinato de Estado, apologista do estupro e da homofobia? Certamente não. Portanto podem guardar o blablablá da falta de simetria porque não é disso que eu falo.
Justamente porque os ventos da política sopram rápido, a rápida corrosão da imagem fake do justiceiro minou as chances de simulacros de Bolsonaro de Norte a Sul do País. O presidente, ainda enebriado por aquela popularidade transitória do auxílio emergencial no meio do ano, achou que seria bom cabo eleitoral e se jogou no palanque.
Não satisfeito em conspurcar todas as instituições em 23 meses, enfiou mais o pé na jaca ao fazer lives diárias para promover seus candidatos. O resultado? Esses e os que levaram o capitão à TV viram suas chances minguarem. Enquanto isso, o centro, humilhado nas urnas em 2018, parece ter voltado a ser um lugar de conforto para um cidadão traumatizado por morte, doença, desemprego, inflação e falta de perspectiva.
Políticos experimentados, sem histrionismo, e uma nova esquerda não-petista avançam em capitais e cidades importantes.
A lição para partidos e lideranças de centro será clara: é pela via da política que o Brasil construirá uma saída para seu impasse, como fizeram os Estados Unidos.
Não se trata de correr para achar um dublê de Joe Biden, ou perder tempo nas redes sociais com a discussão ridícula de se vai ter frente ampla ou não, e quem pode entrar nela. Mas de reconhecer a emergência de se construir pontes para o dissenso democrático, que reconheça adversários e suas pautas como legítimos e representativos de parcelas da sociedade.
É só assim que o legado de destruição do tecido social, institucional e civilizatório de Bolsonaro poderá ser superado em 2022. Ele não é carta fora do baralho, e tem dois anos para tentar construir sua sobrevivência, a depender da economia. Além disso, eleição municipal nem sempre é prévia de nacional.
Com todas as ressalvas, é alentador que tenha sido o eleitor, quietinho numa campanha quase fantasma, a apontar o caminho para superar essa distopia. A bola agora está com os políticos.
*EDITORA DO BR POLÍTICO E APRESENTADORA DO PROGRAMA RODA VIVA, DA TV CULTURA
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