Em meio à expectativa de que os jornais dissequem vida e obra de candidatos em períodos eleitorais, é esperado que o leitor que é também eleitor olhe com desconfiança para o tratamento jornalístico dedicado a seus escolhidos.
Mas, desde o início da campanha, no fim de setembro, recebi mais comentários de leitores que não entenderam os motivos de a Folha ter escolhido acompanhar as eleições em Jaboticabal, cidade do interior paulista, do que reparos à abordagem das candidaturas à Prefeitura de São Paulo.
Essa quase calmaria, em comparação a eleições anteriores na capital, foi quebrada poucas vezes, a maioria delas envolvendo a novidade à esquerda, o candidato Guilherme Boulos (PSOL).
No caso mais recente, na quinta (26), Boulos e o atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), foram sabatinados pelas jornalistas Thaís Oyama, do UOL, e Luciana Coelho, da Folha, em conversas de 45 minutos—eclipsadas pelo desfecho de uma delas.
Faltando 44 segundos para o fim da sabatina com Boulos, Oyama fez uma extensa (e mal formulada) pergunta, deixando-o com sete segundos para responder e apresentar as suas considerações finais, o que, obviamente, não foi possível. O candidato foi cortado, a jornalista agradeceu a participação e Boulos sorriu, sem graça.
Uma carta com mais de 130 assinaturas encaminhada à ombudsman destacou a assimetria no tratamento dos candidatos e afirmou, entre outros pontos, que as suspeitas que recaem sobre o vice de Covas, Ricardo Nunes (MDB), foram "tocadas suavemente".
Um leitor chegou a dizer que o ocorrido lembraria a edição do famoso debate de 1989 entre Lula e Collor.
Calma lá. Em 1989, o último debate antes das eleições ocorreu nos estúdios da TV Bandeirantes e foi transmitido por um pool formado pelas principais emissoras de televisão do país.
Para a sua programação do dia seguinte, a Rede Globo selecionou parte do material e foi criticada por apresentar o que seriam os melhores momentos de Collor, dando mais tempo a ele na edição. A partir deste episódio, a Globo decidiu não editar debates políticos.
Na sabatina UOL/Folha, o final constrangedor foi marcado mais pela desorientação do que por uma ação (ou omissão) deliberada para prejudicar Boulos, algo que a presença de um diretor (inexistente) teria resolvido.
O conservadorismo do vice de Covas, assim como as suspeitas que recaem sobre ele, foi tratado. Foram outros os pontos da sabatina que fizeram a balança pender para Covas.
O tópico mais tenso com Boulos, sobre a possibilidade de aumento de impostos em São Paulo, é abordado um pouco depois de três minutos de conversa, e, entre idas e vindas, só vai se resolver aos quase 12 minutos, quando Oyama diz a Boulos que o programa dele está mal escrito.
No caso de Covas, o ponto de maior tensão se insinuou quando lhe foi perguntado o que faria de modo diferente para evitar as mortes em São Paulo durante a pandemia. Covas insistiu que os números precisavam ser relativizados e, a despeito de uma tentativa de interrupção, falou por mais de três minutos.
Ao final, disse Oyama com deferência: "O senhor tem toda a razão sobre a necessidade de relativizar os números, mas não se trata disso. Só estava querendo saber se, de acordo com essa experiência, com o aprendizado de nove meses que a gente teve na pandemia, o senhor à frente da prefeitura, se o senhor poderia dizer se, do alto desse aprendizado, o que poderia ter sido diferente", disse. "Ninguém aqui está acusando o senhor de omissão, não."
Acentuando o contraste, na pergunta final para Covas, foi pedido que contasse qual foi o momento mais difícil no tratamento que faz contra um câncer. Sem sustos, Covas teve 44 segundos para falar sobre uma questão que tem apenas efeitos emocionais sobre os eleitores.
Vinicius Mota, secretário de Redação da Folha, diz que os erros objetivos nas sabatinas foram reconhecidos publicamente, como é o compromisso editorial das duas casas jornalísticas. "Cabe esclarecer que Boulos falou por 31 minutos e 24 segundos e ouviu as jornalistas por 12 minutos e 55 segundos. Bruno Covas falou por 30 minutos e 11 segundos, mais 1 minuto de pausas, e ouviu as jornalistas por 13 minutos e 46 segundos".
Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL, diz que Oyama errou ao fazer pergunta longa e incorreta (Boulos lidera não apenas entre jovens de classe média alta, como disse a jornalista, mas entre todos os jovens) e que a produção do programa errou ao seguir friamente o regulamento. O diretor também se compromete a garantir o mesmo tempo de fala aos candidatos nas próximas eleições, independentemente da duração das intervenções dos jornalistas.
Sabatinas curtas e debates com banco de minutos são formatos que conseguiram renovar o interesse do eleitor, embora mereçam ser aperfeiçoados.
Da parte de jornalistas, o papel muitas vezes oscila entre a reprodução anódina de perguntas sorteadas e uma agressividade seletiva e desmedida com o objetivo de mera desconstrução de candidatos.
Como disse um leitor, a mídia tem responsabilidade de melhorar o debate político. Não fazendo isso, acaba ajudando a produzir a degradação dele.
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