domingo, 15 de novembro de 2020

Análise: O PCC nas eleições e a nova sintonia dos gravatas, FSP

 Marcelo Godoy*, O Estado de S.Paulo

15 de novembro de 2020 | 05h00

A ideia nasceu em 2001. A facção dizia então ser capaz de reunir de 300 mil a 500 mil votos para levar ao Congresso o seu representante. Os bandidos do Primeiro Comando da Capital (PCC) se referiam à organização como “o partido”, demonstrando desde o começo as suas intenções. Um advogado então despontava como o candidato do "partido do crime" para "defender o direito ao voto dos presos e lutar contra as injustiças do sistema prisional brasileiro". Escutas da Polícia Civil em 2002, às vésperas das eleições, detectaram pela primeira a vez a facção indicando para a sua clientela o voto em candidatos, quase sempre para se vingar de quem contrariara seus interesses.

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Criada no interior de São Paulo, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) se expandiu e está presente em todo o Brasil e em alguns países da América do Sul Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Nas eleições seguintes, o PCC continuou usando advogados como candidatos. Todos eles eram, segundo a polícia, pombos-correio da facção e integrantes da chamada Sintonia dos Gravatas, o chamado departamento jurídico da organização criminosa investigado pela Operação Ethos, do Ministério Público, que valeu para Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, mais uma condenação a 30 anos de cadeia por organização criminosa. O esquema da Sintonia dos Gravatas não mais comportava as relações do PCC com o mundo político. A mudança foi consequência da decisão da cúpula da facção de investir no tráfico internacional de drogas.

Foi em 2008 que Wagner Roberto Raposo Olzon, o Fusca, foi enviado à Bolívia e ao Paraguai para acertar os primeiros detalhes do que se tornaria a Sintonia do Tomate, o setor do tráfico internacional de drogas da facção. A aliança com máfias e cartéis internacionais faria o PCC e seus traficantes mudarem de patamar - a Operação Sharks chegaria à conclusão de que o PCC se transformara em uma organização bilionária. O dinheiro passava a ser lavado por doleiros por meio do dólar-cabo, a mesma estrada por onde passa o dinheiro da corrupção. Os integrantes da facção começaram a se apresentar como empresários e mudaram de universo para lavar o dinheiro do tráfico. Surgiu aí um novo mundo, o dos contratos com o poder público, apropriados pelos bandidos que financiam campanhas e ameaçam os políticos concorrentes. À gravata dos tribunais, a facção acrescentou a da política. O PCC virou um partido, cuja ideologia é a do lucro.

* É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADÃO


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