Estudo sobre impacto de mulheres no desempenho científico, do campus de Abu Dhabi da Universidade de Nova York, levantou uma tempestade nas redes sociais. Algumas pesquisadoras exigem nada menos que a retração —um “cancelamento” editorial— pelo periódico Nature Communications.
O artigo “A associação entre mentoria informal em colaborações acadêmicas de início de carreira e desempenho do autor júnior” saiu na terça-feira (17). Dois dias depois a revista lhe agregou nota para registrar as críticas e anunciar que há investigação em andamento.
A revolta se concentra nesta afirmação do texto: “Nosso estudo [...] sugere que protegidos do sexo feminino que permanecem na academia colhem mais benefícios quando recebem mentoria de homens do que de mulheres com igual impacto”. Benefícios, no caso, são quantidade de citações de trabalhos posteriores.
Será uma pena se o trabalho terminar censurado. Por antipática que seja sua conclusão (e é), os autores deram respostas copiosas aos quatro revisores convocados e alteraram bastante o manuscrito original, obtendo concordância do quarteto para publicação.
Cumpriu-se, assim, o procedimento aperfeiçoador da revisão por pares. Recomenda-se ler a íntegra da troca de comentários e réplicas para formar ideia mais concreta de como a ciência avança —com minúcia, objetividade e transparência. Parece injusto jogar todo o trabalho no lixo.
Dito isso, não há como dar-se por satisfeito com suas conclusões, aceitá-las como definitivas e parar de criticá-las. O maior problema está na causalidade pressuposta e na mensagem que pode ficar para mulheres que se iniciam na pesquisa: busque mentores do sexo masculino se quiser ter sucesso na carreira.
Seria a lição mais simples, óbvia e errada a extrair do estudo.
Os autores escolheram investigar o que chamam de “mentoria informal”, não a que se estabelece de modo institucional entre orientador e orientado. Para tanto, supuseram que pesquisadores sêniores e júniores aparecerem como coautores de estudos implica a oferta de conselhos e favores dos primeiros para os segundos.
Não cabe aqui detalhar a complicada metodologia montada para formar os 3 milhões de pares mentores/protegidos analisados. Soa improvável, porém, que amostra tão monumental não tenha captado facetas da realidade que ninguém gostaria de ver no radar.
São várias as limitações do levantamento, a começar pela identificação de coautoria com mentoria, e algumas foram explicitadas nas revisões e no texto. Acusá-lo de não iluminar as distorções sociais por trás da tendência detectada, contudo, ultrapassa o que se poderia exigir da análise quantitativa a que ele se propõe.
Até certo ponto, há algo de acaciano em constatar que —na média, note bem— pesquisadoras júniores que colaboram mais com suas colegas sêniores recebem menos citações quando se estabelecem como cientistas independentes. Todas, afinal, jovens ou maduras, são discriminadas ao longo da carreira.
Pesquisadoras enfrentam mais percalços do que homens quando têm filhos. São preteridas na concessão de cargos, títulos e recursos por puro sexismo. Isso não tem nada a ver com a qualidade real da mentoria oferecida por pesquisadoras de carne, cérebro e osso.
Do ponto de vista da ciência, só há duas reações aceitáveis para quem se incomoda com o artigo: refutar ou refinar suas conclusões com metodologia e dados melhores, ou então seguir lutando para modificar as condições que levam a elas.
Cancelamento não é uma opção.
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