domingo, 22 de novembro de 2020

O mesmo deserto, J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo


22 de novembro de 2020 | 03h00

Quando o ex-presidente Lula foi solto há exatamente um ano, após ser condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro e ficar 18 meses na cadeia, muito se escreveu e se falou para tentar descobrir o que o futuro iria trazer para o Brasil. Com Lula de volta à vida política, pelo que então se presumia, “muita coisa” podia acontecer, embora ninguém se aventurasse a dizer com mais clareza que coisas seriam essas. A questão, em português claro, era a seguinte: Lula seria o grande nome, ou o único nome viável, para disputar com o presidente Jair Bolsonaro as eleições de 2020? E se fosse: poderia ganhar e levar?

Havia o inconveniente de Lula estar proibido por lei de se eleger para qualquer cargo público, após sua condenação penal em três instâncias, mas e daí? A questão iria para o STF e nenhum dos aliados do ex-presidente achava que isso poderia realmente ser um problema sério – até o imperador Nero, que matou a própria mãe, tocou fogo em Roma e crucificou São Pedro de cabeça para baixo, seria absolvido pelo STF se caísse na Turma certa. “Vamos para a briga”, disse Lula ao ser solto. Mas não aconteceu nada – e logo ficou claro que ele continuava do mesmo tamanho que tinha quando foi preso, ou menor ainda. Quer dizer: estava bichado como um rival para valer de Bolsonaro.

De lá para cá, por mais tumultos que o governo tenha gerado para si próprio, foi se tornando claro que há um deserto de candidatos capazes de encarar o projeto de reeleição do presidente com possibilidades reais de sucesso. Agora, com o resultado das eleições municipais, ficou ainda mais difícil olhar para o outro lado e fazer de conta que a questão não existe. Lula, após um ano em estado de coma político, não voltou ao mundo dos vivos. Ao contrário, seu PT saiu arrasado das urnas: dos 630 prefeitos que tinha em 2012, ficou com 179. Se ganhar todas as quinze disputas que vai ter no segundo turno, o problema fica igual.

O PT, que já teve as prefeituras de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte e de Fortaleza, corre o risco real de não eleger um único prefeito nas 27 capitais do Brasil. O candidato do Partido dos Trabalhadores em São Paulo, a cidade que tem o maior número de trabalhadores em todo o país, ficou em sexto lugar, com uma votação calamitosa – a pior de toda a sua história. Seus companheiros de “esquerda”, reais ou de fantasia, não fizeram melhor. O PSDB, que era inimigo e hoje tenta ser aliado, na suposição de “construir uma alternativa” para 2022, foi o pior de todos: conseguiu perder 273 das prefeituras que tinha, um recorde nacional. O PSB, que pretende ser um PT em embalagem premium, performou o terceiro maior desastre da eleição, perdendo 153 prefeitos. O PCdoB foi dizimado: ficou com metade das suas prefeituras. O PSOL, enfim, até pode dizer que dobrou de tamanho – mas isso significa que foi de dois prefeitos para quatro.

E o inimigo? Os candidatos de Bolsonaro, ou aqueles que usaram o seu nome na campanha, foram a pique nas grandes cidades, sobretudo em São Paulo – mas não é o deputado Celso Russomanno quem vai disputar a Presidência em 2022. Os quatro maiores partidos do Centrão – os que mais ganharam nessa eleição, levando em conjunto 600 prefeitos a mais do que tinham – não são aliados do governo. Mas também não são contra; aliás, não são contra nenhum governo. O que faria diferença é outra coisa: o fortalecimento de um nome capaz de levantar 70 milhões de votos e impedir a reeleição do presidente. As eleições municipais não mudaram a realidade que interessa na prática. Não havia opositor de verdade para Bolsonaro. Continua não havendo. 

*JORNALISTA

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