A recusa de Donald Trump em aceitar sua derrota é tão ridícula, e tão coerente com seu perfil psicológico, que, no fim, estou torcendo para que continue por um tempo.
Acho que terá o efeito de isolá-lo mais e de fortalecer o lado minimamente pragmático do Partido Republicano.
Trump, como sempre, aposta na divisão e no radicalismo —o que tendia a ajudá-lo quando estava forte. Mas a coisa muda quando ele se sente ferido.
Por mais indigno e absurdo que seja o comportamento de um presidente, o próprio cargo é capaz de lhe conferir certa legitimidade. Algum respeito pelos símbolos —a bandeira, o palácio, o carro oficial, os seguranças— se transfere para o ocupante da Presidência, mesmo que ele faça tudo para não ser levado a sério.
"Mister president! Mister president!" —essas simples palavras, mesmo se pronunciadas pelo mais crítico dos repórteres, já modificam um pouco a realidade deprimente, a palhaçada abjeta, a imbecilidade inflacionada.
Insistindo em ser tratado como vencedor, Trump se vê destituído dessa aura oficial.
Os grupos extremistas e fanáticos que apoiam Trump continuarão em sua cruzada, certamente. Vivem em outra realidade. Mas era diferente quando o fanatismo se via confirmado pelos fatos reais, e pelos votos que deram a Trump a Presidência em 2016.
O membro mais maluco de uma minoria supremacista estava coberto, e protegido, pelo fato de que Trump vencera a eleição. Agora, o mecanismo se inverte: é Trump quem precisa da cobertura dos mais fanáticos. E isso dificulta as coisas.
Afinal, o fascista médio tem, sobretudo, adoração pela força, pelo poder, pela truculência. Um líder enfraquecido, choramingão e acuado nunca é tão sexy. Para usar uma palavra tão ao gosto dos americanos e da direita, Trump vai se transformando naquilo que ele mais despreza —o "loser", o perdedor, o fracassado.
Fico pensando por que políticos de extrema direita, dedicados explicitamente a beneficiar apenas o 1% mais rico da população, acabam fazendo sucesso entre muita gente pobre, sem chance nenhuma no chamado sistema "meritocrático".
A razão talvez seja, simplesmente, a de que esses eleitores não querem ver o que são de fato. Receber ajuda do governo, ter acesso a educação e saúde gratuitas talvez lhes pareça um rebaixamento, uma humilhação. Votariam em Trump, assim, por amor próprio. "Não sou um pobre coitado." Maldito seja o esquerdista "de bom coração" que me vê desse modo!
Destituído de tudo, ameaçado de perder a casa, mergulhado em dívidas, desempregado e burro, esse eleitor tem um único patrimônio: sua crença no livre mercado, na competição e na meritocracia.
É algo que pode ostentar de comum com Trump e todos os milionários que este simboliza.
Há outra coisa, entretanto.
Esse eleitor tem mais um tesouro que ninguém vai tirar: é branco. Sua raça é o que o afasta da desgraça completa; bem-vindo o presidente que não o confunde com negros e latinos.
Espero, naturalmente, que num futuro próximo todas as aberrações que Trump estimulou e legitima, nos Estados Unidos e no resto do mundo, entrem em declínio.
Tomara que o bando de malucos que até agora se beneficiaram de alta projeção pública venha a se recolher na própria e merecida insignificância.
Ia dizer: que todos voltem para o buraco de onde saíram.
Mas eles tiram força de uma parcela da população importante. Nesse caso, não se trata de mandar milhões de iludidos e idiotas de volta ao buraco; trata-se de tirá-los de lá.
O desempregado fascista, o pequeno empresário falido, o evangélico fanático, o racistazinho adolescente, a dona de casa que admira torturadores e milicianos não podem ser vistos, a meu ver, como "caso perdido" para a política de esquerda.
Há derrota, sofrimento e desamparo em cada uma dessas pessoas. Para elas, certamente fazem pouco sentido nossas mensagens de "justiça social", "igualdade" e "direitos humanos". Meu impulso é desprezar gente assim.
Mas é preciso encontrar outro caminho. A vitória de Biden foi precária, sabemos disso. Muita imaginação será necessária para entender e conquistar os pobres de direita; sem isso, o fascismo não se vence.
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