Parece inacreditável, mas apenas nesta quinta-feira, 19 de novembro de 2020, o Brasil saiu da era da telefonia fixa analógica e entrou na era digital. Pelo menos do ponto de vista do que deveria ser o principal instrumento de políticas públicas, o Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações, o Fust. Levamos exatamente 20 anos, três meses e dois dias para corrigir uma das maiores barbeiragens legislativas já cometidas no setor, o que, aliado ao fundamentalismo burocrático e à falta de vontade política dos diversos governos que vieram desde então, criou uma aberração de R$ 22 bilhões de recursos que poderiam ter ajudado a corrigir um pouco as disparidades que ainda existem no acesso à conectividade. Sem dúvida, um retrato do que é a burocracia no Brasil.
O Senado aprovou neste dia 19 de novembro de 2020 o PL 172/2020, a primeira mudança significativa na Lei do Fust, sancionada em 17 de agosto de 2000. Na verdade, houve uma outra pequena alteração em 2019, de natureza tributária. Mas, no mérito, o que aconteceu nesta quinta, 19, foi de fato histórico, e abre a possibilidade para que finalmente os recursos recolhidos do setor de telecomunicações possam ser reinvestidos em políticas de expansão e uso dos diferentes serviços. Qualquer um dos serviços, e não apenas STFC.
Mas por que isso não acontecia antes? por conta do emprego da palavra "universalização", que para fins legais só se aplica a serviços prestados em regime público. A lei original do Fust repetiu e reforçou o equívoco da Lei Geral de Telecomunicações ao dizer que o Fust só poderia ser utilizado a "cobrir a parcela de custo exclusivamente atribuível ao cumprimento das obrigações de universalização de serviços de telecomunicações". Como o único serviço prestado em regime pública era, e ainda é, a telefonia fixa, só as concessionárias de telefonia fixa poderiam, por esta leitura, executar as políticas públicas com recursos do fundo. Diante desta terminologia adotada, e ainda que a sua lei original fale muitas vezes, e claramente, no uso para "serviços de redes digitais de informação", e que a expansão do acesso à Internet também seja claramente um dos objetivos da lei original, conforme sua exposição de motivos, o Fust nunca foi utilizado. A confusão entre o que seria serviço público e o que seria serviço privado, e as consequências do enquadramento de um lado ou do outro, travaram por duas décadas qualquer iniciativa de destravar o uso dos recursos.
A terminologia infeliz foi uma das causas. Mas também pesou a vontade política. Já em 2003 se pensava em uma alternativa de serviço público de acesso à Internet, algo que ficou em discussão por anos e foi inclusive minutado em consulta pública pela Anatel (chamava-se Serviço de Comunicação Digital, ou SCD), mas nunca se viabilizou por conta das obrigações de continuidade, reversibilidade de rede e controle tarifários exigidos na Lei Geral de Telecomunicações. As empresas não queria saber de encarar uma outra concessão de telecomunicações, e o governo não conseguiu adotar uma solução que passasse por um serviço privado.
De qualquer forma, o projeto original que alteraria a redação da Lei do Fust, apresentado em 2007 pelo então senador Aloízio Mercadante, ficou tramitando por 13 anos no Congresso sem ser aprovado. Alguém certamente não queria que os recursos arrecadados fossem gastos.
A mudança na Lei do Fust, que agora poderá ser aplicado em "políticas governamentais de telecomunicações", é uma notícia extremamente significativa, mas é apenas um tardio primeiro passo. Caberá agora ao conselho gestor do Fust definir os projetos e brigar para que haja previsão no orçamento para os recursos. O valor arrecadado até hoje, de mais de R$ 22 bilhões, é significativo, mas muita gente acredita que este saldo está fora do alcance de qualquer execução, e que mais simples será trabalhar com um orçamento anual restrito à arrecadação no ano. Equalizar esta questão será uma missão para o Ministério das Comunicações e do conselho, mas finalmente existe a perspectiva de que políticas públicas setoriais possam os recursos setoriais arrecadados para este fim.
O importante é que filigranas burocráticas e falta de vontade política, precisamente as razões que fizeram com que o Fust passasse duas décadas no limbo, não signifiquem mais duas décadas para que os projetos saiam do papel.
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Em tempo, também deve ser comemorada a aprovação de isenção de fundos e contribuições setoriais sobre aplicações de IoT. Fica agora a expectativa de que em 2021 o Congresso possa fazer os ajustes necessários ao Fistel para a nova realidade dos serviços de banda larga via satélite, e reforme a Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), que perdeu completamente o sentido e precisa urgentemente ser revista.
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