A dívida pública está crescendo aceleradamente. Mas permanece o discurso de que o teto de gastos seria excessivamente duro, com pressão para criação de novos gastos, sem racionalizar os já existentes.
Há propostas para, simultaneamente, flexibilizar o teto, para gastar mais agora, e fazer ajuste fiscal depois, para controlar dívida. Um exercício de projeção da dívida ajuda a avaliar a factibilidade dessas propostas.
Uso dados de PIB e inflação do relatório Focus, suponho que o BNDES repagará R$ 100 bilhões ao Tesouro em 2021, que os juros reais sobre a dívida bruta subirão pouco nos anos à frente (de 2,85% hoje para 3,5% a partir de 2022) e que a queda na receita do Tesouro decorrente da pandemia, de 1,5 ponto percentual do PIB, se recuperará em dois anos.
Nesse cenário otimista, se respeitarmos a regra do teto até 2026 e, a partir de 2027, o gasto anual passar a crescer 1% acima da inflação, chegaremos a 2034 com uma dívida de 109% do PIB. Nos anos seguintes, ela decresceria lentamente.
Logo, a regra do teto não é excessiva. Mesmo com seu cumprimento, a dívida ficaria muitos anos em nível alto, antes de começar a cair. Qualquer pequeno choque negativo nos juros ou no
crescimento do PIB geraria o risco de descontrole.
Precisamos de esforço fiscal maior que o simples respeito ao teto.
Existe a proposta de afrouxar o teto e compensar o gasto adicional com maior carga tributária. Contudo, a aritmética mostra que o aumento de impostos necessário para manter a dívida
sob controle seria brutal.
Suponha que o teto de gastos passe a crescer 1,5% acima da inflação (ainda abaixo do crescimento do PIB). Para atingir uma meta pouco ambiciosa, de uma dívida de 90% do PIB em 2031, seria preciso um aumento de carga tributária, já em 2021, de 4,7 pontos percentuais do PIB: R$ 357 bilhões a mais de receita no ano que vem!
A longo prazo, com o aumento da receita decorrente da recuperação econômica, a carga se estabilizaria em patamar 3,4 pontos percentuais acima do nível pré-crise.
A simulação ainda é otimista, porque não prevê a redução do crescimento econômico que decorreria de aumento tão intenso da carga tributária. Enxugaríamos gelo: a relação dívida/PIB cresceria pelo baixo crescimento do denominador.
Impossível gastar mais e ajustar só pelo lado da receita.
Uma proposta intermediária seria elevar a carga em “apenas” dois pontos percentuais. do PIB a partir de 2022 e deixar o gasto crescer 1,5% acima da inflação somente por dois anos, para desafogar o momento pós-pandemia. Nos anos seguintes, se faria um ajuste reduzindo gastos.
O problema é que, para atingir a meta de dívida de 90% do PIB em 2031, essa redução posterior no gasto seria muito mais dura que a atual regra do teto: quatro anos seguidos de queda real de 1,7%!
Parte do aumento da carga tributária pode vir da redução dos benefícios tributários. Como eles geram distorções que travam o crescimento econômico e beneficiam segmentos de alta renda, a sua redução ajudaria tanto a conter a dívida quanto a acelerar o PIB, além de reduzir desigualdade. É uma agenda
que precisa ser enfrentada.
Mas não se pode colocar o carro na frente dos bois. Já há quem proponha aumentar o teto de gastos pelo valor dos benefícios tributários extintos. Seria um erro.
Primeiro, porque se manteria a atual dinâmica arriscada da dívida: todo o ganho de receita viraria mais gasto.
Segundo, porque não é possível calcular com precisão qual o ganho de receita gerado por uma extinção de benefício. Suponha que uma isenção de CSLL seja extinta. Como computar exatamente o aumento de arrecadação do tributo decorrente dessa medida, quando outros fatores como preços e volume de transações também afetam a arrecadação?
Fazer o cálculo por estimativa será porta aberta para pressão política por superestimação de valores. Uma regra tão incômoda como a do teto precisa ter valores calculados de forma direta,
simples e transparente.
A aritmética desagradável indica que a redução de gastos tributários deve ser feita junto com o respeito ao teto, e não como instrumento para afrouxá-lo.
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